sábado, 21 de janeiro de 2023

VÔ CARLÃO E VÓ BETINHA

 




Estava em visita a meus amigos Carlos e Beth. Ele me diz:

- Daqui há pouco chegam meus netos.

Depois de um tempo, barulho na fechadura, batidas na porta e ela se abre.

Como uma invasão viking, um normando de uns 60 cm de altura, entra desembestado, parecendo um boneco de cordas, pelo seu andar e movimentação dos braços. Deve ter engolido um disco riscado, pois, não para de falar vô, vô. De braços estendidos se lança nos braços de meu amigo. Logo se encarrapita em seu colo e principia um diálogo. Aí, descubro, que meu amigo, além de falar várias línguas, também fala “netês”. Um diálogo que minha tecla SAP não abrange. Observando melhor, o normando, se parece com um querubim, com seus olhos azuis e um sorriso simpático, cativante e uma pequena rodela de cabelos, levantada na fronte.

Atrás dele, chega uma adorável menina, cabelos castanhos e dentes em formação. Após me dar um beijo, solicitado por seu avô, principia a contar as aventuras, ou, não sei, as desventuras de uma amiga. Delicada e dengosa como costuma ser as meninas, troca ideias com o vô. Pergunto a idade e o avô me diz:

- Sete anos.

Ela retruca:

- Não, tenho quase dez.

Quase dez! Fico admirado pela resposta. Aquele número deve ter algum significado especial. Na minha época, queríamos fazer 14 anos ou 18 anos, para podermos entrar nos cinemas.

O avô ri.

- Para ela esse número parece ser mágico.

A “quase dez” desaparece atrás da vó, que já sei ser sua preferida, por lhe dar doces. Depois quando perguntei se o vô não era legal, respondeu:

- Ele é legal, me leva no parque, no shopping, mas, faz tudo o que minha mãe diz que tem que ser. A vô não. Ela me dá doce, faz tudo o que eu gosto. Aqui é melhor que minha casa, porque tem comida.

Rio, imaginando o que ela quis dizer sobre comida. A vó, Beth, se defende:

- Só fica um tempo comigo. É claro que vou fazer o que ela quer. Os pais que digam que não.

Ali estava presente a máxima: os pais educam e os avós deseducam.

O viking, a todo momento, queria se apossar de algum dos celulares disponíveis, demonstrando, seu precoce e grande conhecimento da importância da tecnologia. Queria ver o “du” desenho que é disponibilizado para ele no celular. Empatou a atenção do avô o tempo todo, com seus pedidos e diálogos. E aí, se não responde.

- Vô, vô, vô – cobra.

Em determinado momento, após inúmeros diálogos meus com ele, resolveu sentar ao meu lado, ou melhor, aboletar-se ao meu lado, para assistir desenhos. Foram vários capítulos. Quando eu lhe dizia o nome das coisas e animais que apareciam, observei que já os conhecia e manifestava o seu nome. Pelo visto, já deve ter visto aqueles desenhos, ao lado do avô, inúmeras vezes. Segundo o vô centenas. Aliás, descobri, que o pequeno querubim possui um especial grau de desenvolvimento, pois, consegue sintetizar os nomes em alguns vocábulos ou sons, quando nós os adultos, necessitamos de palavras mais complexas. “Alo” é cavalo, “lão” é Carlão, “olha” é bolha e por aí vai. Depois de um tempo, consegui sintonizar meu tradutor a esse linguajar.

Fiquei encantado, como ele já possui um entendimento de pintura moderna, no caso, o cubismo, que conhecemos em Picasso, quando observei a atenção e o encanto que tinha por um desenho chamado “Peppa”. Expressão máxima do que eu menos entendo sobre a estética de hoje em dia. Desenho chapado, poucas linhas e figuras disformes.

A neta, por si, se apossou do quarto do vô, transformando sua cama em campo de batalha. Suas roupas, foram algumas da vó, onde ficava seu pescoço e cabeça para fora e o restante se perdia num enredado de tecidos. Eram vestimentas de guerreira. Ali travou suas batalhas, longe de nossa vista.

Almoço, foi tranquilo, pois teve a comida das crianças e a dos adultos. Comeram o que a vó sabia que lhes agradariam. Pois como ela diz, na casa da vó tem comida. Pelo estado dela, coitada, imaginei como deve ser duro em sua casa. Estava gordinha e rosada graças a água que toma.

Após almoço, tivemos momentos parecidos aos da manhã. O pequeno normando, apresentou uma grande determinação, pois houve momento em que seus olhos demonstravam o desejo de dormir, mas o seu racional, dizia que não. Todo o seu comportamento e humor demonstravam o grande conflito que ocorria, até que em determinado momento, o físico e irracional, o sono, venceu o racional, não querer dormir.

De vez em quando a guerreira, que constantemente, escutávamos se comunicando com a avó, aparecia pela sala, contava fatos ao avô, ouvia seus comentários, para os quais sempre tinha algo a contestar ou acrescentar, demonstrando um crescente processo de raciocínio, pois, apresentava frases e ideias que surpreendiam, pela precocidade. Esses pequenos seres são mais espertos que nós. Cada tirada. A mãe vive alertando, cuidado com o que falam na frente dela. Parece esponja.

Ao final do dia a mãe veio buscá-los.

Após a ida, foi um recolher de coisas pela casa, um recompor de sofá e da cama, um recolocar de cadeiras. Afinal um silêncio se abateu sobre a casa. Os dois sentaram no sofá, com um ar de cansaço e de dever cumprido. Demonstravam outra máxima: “Netos, uma alegria quando chegam e outra quando se vão.”

Naturalmente, à noite, a conversa girou sobre o que ocorreu durante o dia e outros eventos que relembraram os netos, com satisfação e risos.

No dia seguinte, os avós como soldados, estavam a postos. Notava-se claramente a espera, o desejo que chegassem. Parecia que não os viam há dias.

Barulho na fechadura, batidas na porta e ela se abre. Como uma invasão viking, um normando de uns 60 cm de altura, entra desembestado ..... e mais um dia acontece.