Estava em visita a
meus amigos Carlos e Beth. Ele me diz:
- Daqui há pouco
chegam meus netos.
Depois de um tempo,
barulho na fechadura, batidas na porta e ela se abre.
Como uma invasão
viking, um normando de uns 60 cm de altura, entra desembestado, parecendo um
boneco de cordas, pelo seu andar e movimentação dos braços. Deve ter engolido
um disco riscado, pois, não para de falar vô, vô. De braços estendidos se lança
nos braços de meu amigo. Logo se encarrapita em seu colo e principia um
diálogo. Aí, descubro, que meu amigo, além de falar várias línguas, também fala
“netês”. Um diálogo que minha tecla SAP não abrange. Observando melhor, o
normando, se parece com um querubim, com seus olhos azuis e um sorriso
simpático, cativante e uma pequena rodela de cabelos, levantada na fronte.
Atrás dele, chega
uma adorável menina, cabelos castanhos e dentes em formação. Após me dar um
beijo, solicitado por seu avô, principia a contar as aventuras, ou, não sei, as
desventuras de uma amiga. Delicada e dengosa como costuma ser as meninas, troca
ideias com o vô. Pergunto a idade e o avô me diz:
- Sete anos.
Ela retruca:
- Não, tenho quase
dez.
Quase dez! Fico
admirado pela resposta. Aquele número deve ter algum significado especial. Na
minha época, queríamos fazer 14 anos ou 18 anos, para podermos entrar nos
cinemas.
O avô ri.
- Para ela esse
número parece ser mágico.
A “quase dez”
desaparece atrás da vó, que já sei ser sua preferida, por lhe dar doces. Depois
quando perguntei se o vô não era legal, respondeu:
- Ele é legal, me
leva no parque, no shopping, mas, faz tudo o que minha mãe diz que tem que ser.
A vô não. Ela me dá doce, faz tudo o que eu gosto. Aqui é melhor que minha casa,
porque tem comida.
Rio, imaginando o
que ela quis dizer sobre comida. A vó, Beth, se defende:
- Só fica um tempo comigo.
É claro que vou fazer o que ela quer. Os pais que digam que não.
Ali estava presente
a máxima: os pais educam e os avós deseducam.
O viking, a todo
momento, queria se apossar de algum dos celulares disponíveis, demonstrando,
seu precoce e grande conhecimento da importância da tecnologia. Queria ver o “du”
desenho que é disponibilizado para ele no celular. Empatou a atenção do avô o
tempo todo, com seus pedidos e diálogos. E aí, se não responde.
- Vô, vô, vô –
cobra.
Em determinado
momento, após inúmeros diálogos meus com ele, resolveu sentar ao meu lado, ou
melhor, aboletar-se ao meu lado, para assistir desenhos. Foram vários
capítulos. Quando eu lhe dizia o nome das coisas e animais que apareciam,
observei que já os conhecia e manifestava o seu nome. Pelo visto, já deve ter
visto aqueles desenhos, ao lado do avô, inúmeras vezes. Segundo o vô centenas.
Aliás, descobri, que o pequeno querubim possui um especial grau de
desenvolvimento, pois, consegue sintetizar os nomes em alguns vocábulos ou
sons, quando nós os adultos, necessitamos de palavras mais complexas. “Alo” é
cavalo, “lão” é Carlão, “olha” é bolha e por aí vai. Depois de um tempo,
consegui sintonizar meu tradutor a esse linguajar.
Fiquei encantado,
como ele já possui um entendimento de pintura moderna, no caso, o cubismo, que
conhecemos em Picasso, quando observei a atenção e o encanto que tinha por um
desenho chamado “Peppa”. Expressão máxima do que eu menos entendo sobre a
estética de hoje em dia. Desenho chapado, poucas linhas e figuras disformes.
A neta, por si, se
apossou do quarto do vô, transformando sua cama em campo de batalha. Suas
roupas, foram algumas da vó, onde ficava seu pescoço e cabeça para fora e o
restante se perdia num enredado de tecidos. Eram vestimentas de guerreira. Ali
travou suas batalhas, longe de nossa vista.
Almoço, foi
tranquilo, pois teve a comida das crianças e a dos adultos. Comeram o que a vó
sabia que lhes agradariam. Pois como ela diz, na casa da vó tem comida. Pelo
estado dela, coitada, imaginei como deve ser duro em sua casa. Estava gordinha
e rosada graças a água que toma.
Após almoço, tivemos
momentos parecidos aos da manhã. O pequeno normando, apresentou uma grande
determinação, pois houve momento em que seus olhos demonstravam o desejo de
dormir, mas o seu racional, dizia que não. Todo o seu comportamento e humor
demonstravam o grande conflito que ocorria, até que em determinado momento, o
físico e irracional, o sono, venceu o racional, não querer dormir.
De vez em quando a
guerreira, que constantemente, escutávamos se comunicando com a avó, aparecia
pela sala, contava fatos ao avô, ouvia seus comentários, para os quais sempre
tinha algo a contestar ou acrescentar, demonstrando um crescente processo de
raciocínio, pois, apresentava frases e ideias que surpreendiam, pela
precocidade. Esses pequenos seres são mais espertos que nós. Cada tirada. A mãe
vive alertando, cuidado com o que falam na frente dela. Parece esponja.
Ao final do dia a
mãe veio buscá-los.
Após a ida, foi um
recolher de coisas pela casa, um recompor de sofá e da cama, um recolocar de
cadeiras. Afinal um silêncio se abateu sobre a casa. Os dois sentaram no sofá,
com um ar de cansaço e de dever cumprido. Demonstravam outra máxima: “Netos, uma
alegria quando chegam e outra quando se vão.”
Naturalmente, à noite,
a conversa girou sobre o que ocorreu durante o dia e outros eventos que
relembraram os netos, com satisfação e risos.
No dia seguinte, os
avós como soldados, estavam a postos. Notava-se claramente a espera, o desejo
que chegassem. Parecia que não os viam há dias.
Barulho na
fechadura, batidas na porta e ela se abre. Como uma invasão viking, um normando
de uns 60 cm de altura, entra desembestado ..... e mais um dia acontece.