segunda-feira, 5 de maio de 2025

DNA



O relacionamento de Adauto e Jane está passando por tormentas. Ele tem 42 e ela 27 anos. O casamento ocorreu há 7 anos, após um período de 8 meses de namoro. As discussões começaram no segundo ano da união.

Os dois são arquitetos, tendo cada um o seu escritório. O dela é com o irmão, fundado dois anos após o seu casamento. O dele já existia há anos quando começaram a namorar. Quando foi convidada pelo irmão para formarem um escritório de arquitetura juntos, foi quando surgiram as primeiras discussões. Adauto, desde que casaram propunha a esposa que viesse trabalhar em seu escritório, pois, estava prestes a se formar e teria ótimas oportunidades de se desenvolver. 

Ela preferiu a sociedade com o irmão, pois, seria uma profissional independente do marido. Dizia que estudara para ter sua própria vida profissional.  Adauto cedeu, principalmente com a argumentação de ser uma mulher que não dependesse do marido. Queria sua mulher feliz e realizada.

Bem que os pais alertaram Jane, que oito meses de namoro era muito pouco tempo para se conhecerem. Ela mostrou sempre ser uma pessoa de personalidade forte. Gostava de homens mais velhos, pois, acreditava saberem melhor o que queriam da vida, já teriam passado a fase de afirmação. Fora que era um sexo prazeroso, diferentes das juvenis experiências que tivera.  

As discussões que apareceram no segundo ano do casamento, eram frutos dos distintos gostos e interesses, em como encarar a vida, razão da diferença de idade. Os conflitos foram apaziguados com a notícia que estava grávida, o que trouxe ao casal e aos familiares grande alegria. Os dois tinham desejos de serem pais. Inclusive, passou pela cabeça de ambos que aquele filho poderia trazer estabilidade ao relacionamento.  Adauto torcia, que tudo se encaixasse, pois tinha por Jane uma enorme paixão. Desde que a conhecera, se sentiu tomado de amor, fortalecido pelo período de namoro e o primeiro ano de casados, entretanto, tinha dificuldade de se ajustar a forma de viver que sua mulher queria: passeios, festas, encontros com os amigos. Ele era mais caseiro.

Quatro meses após o parto, voltou a trabalhar, parcialmente. Os pais dela, no período que trabalhava, ficavam com o neto. Como moravam há boa distância e sendo o avô aposentado, tendo tempo, preferiam ir à casa da filha, do que o neto fosse levado a deles.  Era um trabalho prazeroso, ainda mais, que a filha tinha uma empregada que cuidava da casa e do almoço dos velhos, e eles das refeições do neto.        

Porém, nesse momento as discussões voltaram. A maioria delas, assuntos de pouca monta, por picuinhas. Ela constantemente dizia que o casamento não dava certo. A tensão aumentou, foi diagnosticada com depressão pós-parto. Recomendaram, se possível, mudança de ares, quem sabe ir para a casa dos pais, onde teria o constante cuidado deles. Jane, sabia que não era o que ocorria, adorava seu filho, curtia a maternidade, na verdade, era o casamento que não lhe satisfazia.

Porém, o que era para serem duas a três semanas, com eles, se transformou em três meses. Adauto, pelo menos duas a três noites na semana, sábados e domingos passava na casa dos sogros, onde permanecia um bom tempo, comendo por lá, curtindo a mulher e o filho.

Ela, depois de um mês começou a se mostrar mais calma, amorosa. Seus poucos momentos de sexo, voltaram a ter vida, prazer, tesão. Retornou ao trabalho, a academia, ao pilates e ao encontro com as amigas, que relembrava os tempos de solteira, trazendo um novo gás.

Passados três meses, por pressão dos pais e do marido, resolveu voltar para casa.  Pareciam recém-casados. Profusão de carinhos, palavras amorosas, visita aos sogros, ida e recebimento de amigos em casa, festas.

O relacionamento sexual cada vez melhor. Fogoso, sensual, erótico, amoroso, ou seja, tudo o que poderia ocorrer de bom.

Três meses, após o retorno a casa, a notícia que estava grávida novamente. Correram ao médico. Estava com quatro meses de gestação e tudo indicava ser uma menina. Alegria total. Adauto ficou preocupado, lembrando como foi o pós-parto do Nando. Como seria o comportamento nesta gestação e depois?

A gestação foi maravilhosa. O relacionamento continuo bem, com algumas mudanças naturais do período. Poucos desentendimentos. Nasceu Maria Rita. Ela foi um sopro de vida na família. Adauto e Jane se enterneciam com a filha. Os avós, dos dois lados, ficaram encantados. Sempre que possível estavam com eles.

Adauto e Jane, saiam com frequência, com amigos e algumas vezes a sós. Quando isso ocorria eram momentos românticos, em um jantar, em uma boite. Ele estava cada vez mais apaixonado por ela e curtia com alegria e prazer esses momentos.

Paralelamente, saíam com as crianças. Nando estava com 4 anos e Rita com 2 anos e meio.  Aniversários, fazendinha, parques. Várias vezes, em casa, desenhos, filmes, pipoca e cachorro-quente. Ela era delicadinha, ele um espoleta. Adauto fazia muitas atividades só com o maior, para não se sentir preterido e queimar as energias.  Ele adorava a diferença de personalidade dos dois filhos.

A vida estava perfeita, entretanto, pouco mais de dois anos do nascimento da Maria Rita, Jane começou a esfriar. Mostrava-se dispersas, pouco a pouco desinteressada de contatos íntimos. Quando com os amigos se distanciava de Adauto, buscando contatos individuais com as pessoas. Passou a negar algumas saídas dos dois em busca de momentos românticos. Na relação, mostrava-se mais frias e tratando ao máximo de evitar esses momentos, com as tradicionais desculpas de dor de cabeça, indisposição, cansaço.

As discussões começaram. Ela voltou a insistir que era melhor que se separassem. Adauto sentia como pisando em terreno movediço, pois para tudo surgia a palavra “incompatibilidade”. Aquilo o desarmava. Não conseguia entender, se posicionar. Pior quando começaram a surgir as incoerências em relação às desculpas.

- Como ficarão nossos pais? A repercussão? Os meninos?

- Eu não posso deixar quem eu sou por você, por convenções sociais. Nossos filhos, não podem viver no meio de um lar em discórdia.

Estavam os dois discutindo sobre os desencontros, quem sabe buscar um terapeuta de casais, naturalmente a questão chegou ao sexo. Nisso Jane explodiu:

-  Não aguento mais fazer sexo contigo. Muitas vezes, memorizo outros rostos que não seja o seu na busca do prazer. Não aguento mais viver contigo!

Aquilo foi um soco na cara de Adauto. Um murro no estômago, uma rasteira. Sentiu-se desmoronar. Perdeu a fala. Precisou parar e digerir as palavras.

Enquanto seu rosto se desfazia, o de Jane se tornava pétreo, como ocorria, muitas vezes durante as discussões, fruto da personalidade e do gênio forte que possuía. Ele ficou parado. Não conseguia pensar, não conseguia dizer nada. Após um minuto de silêncio, saiu, pegou o carro e foi a um parque próximo, encontrou um lugar ermo, sentou e deixou as lágrimas correrem pelo rosto.

Jane em casa, sentiu o peso do que havia dito. Foi impensado, saiu no calor da discussão. Era um grito que estava preso em sua garganta e vinha do fundo do coração. Continuando juntos, estava sendo hipócrita consigo e com Adauto, mas não queria ter dito da forma como foi. Adauto precisava saber a verdade, porém, não daquela forma. Ele precisava entender que o amor entre eles morreu e junto o casamento. Lágrimas, brotaram dos olhos, enquanto grande angústia tomava seu corpo. Pensou e repensou a forma como falou. A expressão do rosto de Adauto, desmoronando, fruto de uma verdade que já deveria ter sido dita. Sendo a maior delas, não queria mais viver com ele.

Adauto concluiu, ter se iludido todos esses anos juntos. Quantas vezes, mesmo nos momentos mais tranquilos, sentiu que ela escapava entre os dedos e junto o casamento. Quantas vezes, viu em seu rosto vislumbres de desinteresses. Olhares que a distanciavam dos momentos. O que fazia, propunha momentos românticos, viagens, passeios com as crianças, estar com os amigos, os parentes.

Rodou um ou dois bares, buscando pensar, chegou em casa tarde.  Foi dormir no quarto de hóspedes, rotineiramente usado pelos sogros, quando pernoitavam. Não conseguia dormir.

Durante esse período em que viveram juntos, ela se forçou por uma vida que não queria. Na busca de uma fuga deve ter tido um caso com alguém. Devo ter sido traído. TRAÍDO.  Aquilo foi tomando seus pensamentos, buscando quando poderia ter acontecido e quem seria.  Não era possível, quando faziam sexo, os dois se entregavam e gozavam com intensidade. Estaria ela fingindo? Não acreditava, era muito verdadeiro. Sentiu o ciúme tomando seu ser. Agora estou tomado, imaginando-a em outros braços, entre beijos lascivos e gemidos de prazer. Estava se sentindo arrasado, morto.

Quando das conversas, com os amigos, Jane discorria sobre o mundo machista que dominavam as mulheres. O quanto a mulher tinha que ter seu espaço na sociedade, no trabalho e ser respeitada.  Discorria das dificuldades da mulher em compatibilizar o papel de esposa, mãe e de profissional. Dizia ser uma pessoa que buscava ter o equilíbrio no atendimento dessas exigências, de forma, a se manter livre profissional e espiritualmente, mas que não era fácil. Adauto, quando a ouvia, imaginava como suas vidas podiam ser maravilhosas.

No dia seguinte Adauto levanta mais tarde. Pelo silêncio as crianças devem ter ido à casa dos avós. Espera que ela não esteja em casa, mas se engana, está sentada na mesa da cozinha, acabando o café da manhã. Ele prepara o seu e o toma sem dizer nada e sequer olha-la. Sente um grande vazio.

Por seu lado, Jane, deseja que tudo seja totalmente esclarecido e que acabe. Não suporta mais aquele clima, não quer mais viver com ele. Vai para a sala e o aguarda.

Adauto senta na poltrona em frente e de imediato pergunta:

- Você me traiu durante esse tempo?

A pergunta cai como um raio. Não esperava. Sentiu-se confusa.

Adauto, notou o rosto que fez, o leve contrair das pálpebras e os lábios que se contraem. Atitude comum a todos os momentos de discussão, quando era pega em uma contradição ou quando se sentia incômoda.

- Você me traiu? Diga a verdade, não há nada mais a preservar. Você deitou com alguém?

- Sim.

Perplexo, pergunta:

- Quando?

- Após o parto do Nando, quando fui para a casa de meus pais. Como eu estava desesperançada com nosso casamento, resolvi tentar um relacionamento diferente, para ver como me sentia.

- Com quem?

- Com quem, não vem ao caso.

- Foi mais de uma vez?

- Sim. Foi bom, me fez renascer, tanto que voltamos a nos entender e voltei para casa. Isso tudo, não vem ao caso agora. O que importa é que quero me separar.

Ela levantou, dizendo que ia para a casa dos pais, e saiu.

Adauto ficou com mais aquela dura verdade. Sentia-se um trapo usado e jogado na lata de lixo. Sua cabeça não parava de pensar. No período que estava com seu país, depois de um mês, renasceu. Alegre, vivaz e um sexo maravilhoso. Tudo fruto do novo relacionamento? O nosso sexo foi fruto da culpa ou do tesão do sexo que vinha tendo?

Meu Deus! Foi quando ela engravidou! Será que Ritinha é minha filha ou será do outro? Quanta vezes, depois do nascimento, a Jane insistia em dizer que ela se parecia comigo, quando ninguém concordava. Hoje mesmo, vejo traços da Jane, mas, não vejo os meus. Quem será o pai?

Imagens passam por sua cabeça de possíveis amantes. Amigos, conhecidos da academia, personal, no pilates, velhos conhecidos, em um momento que um qualquer tenha lhe agradado? Quem? Buscava encontrar na memória momentos em que isso possa ter ocorrido. Ele nunca dera espaço ao ciúme, agora se sentia tomado.  

À noite, quando ela retornou, foi uma festa com as crianças. Depois que elas foram para a cama disse querer conversar.

- Você me contou que me traiu no período que estava na casa de seu país, tendo sido várias vezes. Ocorre que nesse período você engravidou da Ritinha. Ela é minha filha ou de um alguém que não sei quem é?

Jane se retraiu, sua cabeça começou a relembrar aqueles momentos. Estava afundada em letargia na casa dos pais. Quando se sentiu melhor, começou a sair, pressionada pelos pais. Depois de algum tempo, voltou a academia, onde foi acolhida pelos amigos. Entre eles, César, com quem já havia namorado antes de se casar. Todos diziam ser o casal perfeito. Ocorre que pela pouca idade, ele tivera comportamentos imaturos, o que levou a que ela desfizera o namora e pensara em homens mais velhos.

Tinham idades iguais, ele trabalhava como advogado no escritório do tio, advogado famoso. A primeira vez, saíram com o grupo para tomarem suco e comerem sanduíches naturais e depois saíram só, quando trocaram alguns beijos. Dali para a cama, foram poucos passos. Era uma pessoa cheia de vitalidade. Gostava de festas, amigos, esporte. Havia um vigor na forma de viver. Dois meses depois que reataram o relacionamento, ele teve que viajar para os Estados Unidos para uma pós, imposta pelo tio. Ficaria fora por um ano. Foi frustrante, a jogou de volta a sua realidade. Pressionada pelos pais e pelo marido resolveu voltar para casa. Tão logo retornou, descobriu que estava grávida. Quem seria o pai?  É uma dúvida que a persegue até hoje.

- Quero fazer um DNA – disse Adauto.

- Tudo bem – falou titubeando.

Pensou, não tenho nada a perder, já decidi que não quero continuar juntos.  Que o faça e tiro esta dúvida da cabeça. Duro se não for, o choque de meus pais. Cesar voltou e queremos ficar juntos, se o filho for seu será uma alegria, pois, vive falando sobre crianças, inclusive da alegria de ter os meus na família, que inclusive, deseja que cresça.

Ele tratou de providenciar. Resolveram chamar os pais dela, com quem mantinham um contato mais próximo e contar da separação, depois contariam aos filhos e aos pais de Adauto. Ele, após inúmeras conversas com Jane, desistiu da ideia de manter o casamento, pois, sentia que seu coração estava com outro. Apesar da grande frustração, acabou concordando, frente a inabalável posição de Jane de não querer continuar.

Combinaram uma data. Nessa ocasião Adauto informou que contaria sobre a traição de Jane e abriria o teste de DNA.

No dia marcado os sogros lá estavam, um tanto tenso, pois, há tempo sentia o clima entre os dois. Para tanto, as crianças foram para casa de amigos.

- Temos algo muito importante e chocante a contar.

Quando soube da decisão a mãe de Jane principiou a chorar, sendo consolada pelo esposo e pela filha. Adauto ponderou que não iria dificultar a separação, o que deixou o sogro mais tranquilo.

A tensão em Jane aumentou. Sentia seu coração disparado. Suava, suas mãos se contorciam, seu olhar, que normalmente era tranquilo, se transformou em medo. Era o momento que ele falaria da Ritinha. Quem seria o pai? Sempre teve essa dúvida, mas, nunca quis esclarecê-la. Já poderia ter feito o exame sem o conhecimento de Adauto, porém, não teve coragem. Preferia a ignorância, apesar do sofrimento que trazia. Chegou o momento.

Adauto buscou o exame no laboratório, seguiu para seu escritório e aguardou um momento, depois do expediente, para abri-lo. No tempo de espera do resultado sua cabeça girou, girou. Doía a ideia de perder sua filha, seu xodó. Como seria a relação com as crianças no futuro. Por sua idade, será mais difícil ter novos filhos, no futuro. Rememora os momentos de alegria com eles. São imagens que aquecem seu coração. Entretanto, a verdade tem que vir à tona, doa o quem doer, fora que Ritinha tem direito, quando for maior, saber quem realmente é seu pai.

O momento se torna tenso. Adauto e Jane trocam olhares. O ambiente se torna desagradável.  Para romper o mutismo e a tensão do momento Jane, pergunta se querem mais café ou aceitam um aperitivo. Aceitam aperitivos. Jane mal consegue levantar esperando a tão ansiada resposta e a repercussão que teria. Terminados os drinques, Adauto se levanta:

- Bem, isso é tudo. Estarei à disposição dos senhores e não desampararei e estarei sempre junto das crianças, mesmo com a Jane tendo condições de mantê-las.

Os sogros saíram, se despedindo mornamente. Jane sentou no sofá e ficou encarando Adauto desnorteada, sem entender o que estava acontecendo.

- Sei que você está se perguntando o que ocorreu. Acontece que gosto do Nando e da Ritinha igualmente. Tenho paixão por ambos. Não quero olhar a Ritinha com olhar diferente. Passou um bom tempo, em que você poderia ter feito o exame e não o fez. Quem sabe para esclarecer tua dúvida, para dizer a pessoa certa que é o pai da Ritinha ou para contar a ela, quando tiver entendimento.  Fica por tanto, como uma questão de foro íntimo seu, fazer ou não o teste. O resultado rasguei, sem ter lido. Boa noite.


ahrai