7/26/21

Bruma

 



A casa estava vazia, obscurecida pela dor.

O barulho é o que vem da rua. Se não fosse ele, a sensação é que tudo estava silencioso, morto.

- Pedro, cuidado não vá cair da bicicleta! – grita minha vizinha.

Vejo a imagem passando pela janela e atrás a mãe correndo.

Abro a porta do armário e seu ranger me lembra suas palavras:

- Bem, quando vai colocar um pouco de óleo nelas?

Ela pega dois vestidos e me pergunta:

- Você gosta do vestido branco ou amarelo?

Não consigo me lembrar deles, mas, me lembro de nós dois dançando. Ela estava linda em seu vestido.

- Pai, pai – é meu filho puxando minha blusa.

- Não vamos no parque?

Sento na cama vazia e me pergunto que idade ele tem?

Seu rosto tem 7 anos, não, tem 9 anos, não. Sei lá, não lembro. Só lembro o riso dos três, quando ele desembesta com a bicicleta no parque.

- Pedro, já te  falei, devagar!                                                                 

 No parque não foi o que eu disse ao meu filho, pelo contrário:

- Corre mais!

- Bem, manda ele ir devagar! - exclama minha mulher.

No silêncio do quarto, de repente me espanto, pois, não lembro claramente seu tom de voz na ocasião.

Abro a janela e uma faixa de sol, polvilhada de partículas de pó, adentra ao ambiente,

- Veja que lindo o reflexo do sol na penteadeira! – diz minha mulher.

Ela passa a escova nos cabelos loiros ou terá sido quando estavam negros e cacheados, após a quimioterapia?

-Você ficou diferente, mas bonita.

Seu sorriso, não lembro, se foi triste ou esperançoso.

Seus turbantes e os cabelos ralos quando surgiram eram encantadores.

- Pedro, abre o portão que vou sair com o carro?

Olho pela janela, para observar, e vejo as flores da trepadeira do muro que nos separam. Estão lindas.

- Lindas, estas rosas. – diz minha mulher.

Uma dúzia, quando fizemos um ano de casados. Uma para cada mês.

Coloca num dos vasos da sala, que ficou esquecido em um dos cantos, guardando respingos de lembrança.

Sua barriga de grávida me vem à memória usando uma bata, que me parece era quadriculada.

- Mãe, eu gosto de pudim de baunilha – diz o meu filho com um sorriso esburacado, pela falta dos dentes da frente.

- Eu sei, é o teu preferido – responde.

No vizinho o garoto grita:

- Mãe, me leva.

- Não, Pedro, vou ao cabelereiro.

Ouço carros arrancarem.

- Pai, todos já se foram, vem comigo – diz o meu filho.

Fecho a janela e os quartos. Cada cômodo tem um silêncio próprio.

A alma da casa saia por todas as frestas e as lembranças correm para se esconderem nos cantos, nos móveis, nas roupas, nas fotos.

O assoalho range. Será o recordar do andar da minha mulher ou o correr do meu filho ou será minha vida, pisando suavemente, para não revolver momentos?

Pela janela do carro, recordo ela se despedindo:

- Bem volta logo.

É o que sempre dizia, quando eu saía, linda com seus vestidos coloridos.

 

aiam