Acordou com
o barulho da rua.
Não sabe
onde está. Pouco a pouco, abrindo os olhos, vai-se dando conta que está
dormindo sobre um papelão, debaixo de uma marquise.
O pessoal o chama Zé do Saco. Saco onde levava o cobertor e alguns cacarecos. Zé do Saco, não lembra mais seu nome. Só imagens correndo, foscas, perdidas.
Está
anoitecendo, garoa e frio. Enfia a mão no saco e encontra o que precisa. Um corote
de pinga. Um cachorro se enrosca em suas pernas. É o seu companheiro.
De repente
um flash, uma menininha. Desaparece.
Sente fome.
Meio que se arrastando vai até a lixeira que costuma ter restos de comida de
clientes. Acha umas fritas, um sanduiche de sabe lá o que, todo empastelado. Em
uma construção em frente, bebe água em uma torneira, onde àquela hora não havia ninguém cuidando.
- Papai – a
menina corre em sua direção. Só lembra de abrir os braços. Depois escuridão na cabeça. Isso o deixa tonto e desnorteado. Não sabe o que é verdadeiro ou
não,
Faz frio e chove.
Para na calçada em frente a um bar cheio de pessoas, debaixo de uma cobertura
de ônibus. Parece já ter estado em um lugar igual.
- Meu bem –
alguém o abraça. Quem?
- Papai – confusão na cabeça.
Senta-se na
calçada molhada e fica observando o movimento. Pessoas bonitas, arrumadas e
alegres. Conversas altas.
- Meu bem – De
novo a cabeça se esfumaça.
- Sai daqui
seu vagabundo!
Recebe dois
chutes nas costas. Acaba se estatelando no
chão, se molhando mais e sentido a chuva no rosto. Com dificuldade se levanta,
recolhe seu saco e sai resmungando, nem ele sabe o que.
A chuva
aperta. Encontra um vão, um lugar qualquer, que cheira a mijo, mas onde não chove. Está
cansado, meio zonzo. Bebe o final do corote. Deita, mal se cobre.
Lembra-se do
portão. Lembra-se da casa, a menina correndo, ele abrindo os braços e uma mulher
ao fundo dizendo:
- Meu bem.
Lembra de alguém nos braços, lembra, se esquece. Sente uma umidade quente: está se mijando. O cão se enrosca junto ao seu corpo. É o abraço que tem. Escuridão, palavras ao longe. Sente o cão junto de si, a dor nas costas, o chute.
No torpor da bebida, os olhos vão se fechando, imagens, frio, chuva, dor e a escuridão.
miolai