6/16/25

CONFUSO

 

Acordou com o barulho da rua.

Não sabe onde está. Pouco a pouco, abrindo os olhos, vai-se dando conta que está dormindo sobre um papelão, debaixo de uma marquise.

O pessoal o chama Zé do Saco. Saco onde levava o cobertor e alguns cacarecos. Zé do Saco, não lembra mais seu nome. Só imagens correndo, foscas, perdidas.

Está anoitecendo, garoa e frio. Enfia a mão no saco e encontra o que precisa. Um corote de pinga. Um cachorro se enrosca em suas pernas. É o seu companheiro.

De repente um flash, uma menininha. Desaparece.

Sente fome. Meio que se arrastando vai até a lixeira que costuma ter restos de comida de clientes. Acha umas fritas, um sanduiche de sabe lá o que, todo empastelado. Em uma construção em frente, bebe água em uma torneira, onde àquela hora não havia ninguém cuidando.

- Papai – a menina corre em sua direção. Só lembra de abrir os braços. Depois escuridão na cabeça. Isso o deixa tonto e desnorteado. Não sabe o que é verdadeiro ou não,

Faz frio e chove. Para na calçada em frente a um bar cheio de pessoas, debaixo de uma cobertura de ônibus. Parece já ter estado em um lugar igual.

- Meu bem – alguém o abraça. Quem?

- Papai – confusão na cabeça.

Senta-se na calçada molhada e fica observando o movimento. Pessoas bonitas, arrumadas e alegres. Conversas altas.

- Meu bem – De novo a cabeça se esfumaça.

- Sai daqui seu vagabundo!

Recebe dois chutes nas costas.  Acaba se estatelando no chão, se molhando mais e sentido a chuva no rosto. Com dificuldade se levanta, recolhe seu saco e sai resmungando, nem ele sabe o que.

A chuva aperta. Encontra um vão, um lugar qualquer, que cheira a mijo, mas onde não chove. Está cansado, meio zonzo. Bebe o final do corote. Deita, mal se cobre.

Lembra-se do portão. Lembra-se da casa, a menina correndo, ele abrindo os braços e uma mulher ao fundo dizendo:

- Meu bem.

Lembra de alguém nos braços, lembra, se esquece. Sente uma umidade quente: está se mijando. O cão se enrosca junto ao seu corpo. É o abraço que tem. Escuridão, palavras ao longe. Sente o cão junto de si, a dor nas costas, o chute. 

No torpor da bebida, os olhos vão se fechando, imagens, frio, chuva, dor e a escuridão.


miolai

2 comentários: