Pois
é, Deus é Ateu.
Vocês
estão rindo, mas foi ele mesmo quem me disse.
Como
eu sabia que era Deus?
Bem,
é melhor eu contar essa estória direito.
Ao
meu lado, um sujeito estava lá pela sua segunda ou terceira caneca.
Puxando
conversa, dessas de boteco em que após certo tempo, só bêbado aguenta ouvir, a
pessoa me disse estar cansada e desacreditada.
Mostrava
um rosto calmo, mas desgastado, por trás da barba e do cabelo compridos.
Contou ser Deus e não acreditava mais em si mesmo, e agora resolvia ser ateu.
Claro, que não acreditei em nada e concluí ser efeito do número de chopes que havia tomado. Comecei a rir e disse que ele bebera demais e estava ficando meio chapado, achando-se Deus.
Pagou
as bebidas e me convidou para acompanhá-lo. Fomos para a rua.
- Vamos
fazer com que o dia seja novamente claro e ensolarado. E num estalar de dedo as
nuvens principiaram a se abrir, um belo sol surgiu e o dia novamente ficou ensolarado
e quente.
-
Você deve ter ouvido a previsão do tempo enquanto estava no bar.
Continuamos
a caminhar. Encontramos um cego com sua bengala e alguém lhe oferecendo o ombro
para caminhar.
- Pergunte-lhe
há quanto tempo não enxerga.
- Desde
o nascimento, respondeu.
E
quando principiava a nos afastar, Deus tocou levemente em sua cabeça, sem que
percebesse e ele começou repentinamente a gritar que estava enxergando.
- Um
milagre, milagre!
Muitos
se aproximaram enquanto nos afastávamos.
Mais
adiante, o vendedor de bilhetes, que há anos está no mesmo ponto, em sua
cadeira de rodas por ter as pernas atrofiadas.
Um
novo milagre. Levantou da cadeira, caminhando e chorando.
-
Obrigado, meu bom Deus – gritando e levantando as mãos aos céus.
Basta
ou necessitas de mais sinais para acreditar em quem sou?
Eu trêmulo,
mal podendo falar, por tudo que presenciei, me dei por satisfeito. Puxando pelo
braço, lhe disse:
- Venha,
ali adiante há um bar onde podemos voltar a tomar uma cerveja e conversar.
- Você
o é do riso e do choro – retorqui.
Após
um gole, continuou:
- E
as guerras com suas barbáries: degolas, estupros, fuzilamentos, torturas. Que
fiz?
O pobre coitado que pisa na mina e perde as pernas. “Graças a Deus que não morreu!” Graças a mim que não morreu? Graças a mim, que passará a vida numa cadeira de rodas, em meio a um país na miséria e em guerra, esmolando para não morrer de fome?
Enquanto isso, alguém na sua fausta residência está bebendo, comendo, rindo e comemorando a maravilhosa vida que suas armas e brutalidades lhe oferecem. Como Deus, não estive antes para evitar e muitas vezes nem depois, para me horrorizar e me envergonhar. Tudo aconteceu sem o meu consentimento.
Procurei
o padre. Estava no confessionário. Para lá me dirigi.
- Filho,
no que pecastes? - me perguntou.
- Não
pequei. Eu errei.
- Sim,
filho, o erro é intrínseco à vida. Todos estamos sujeitos a erro e ele nem
sempre representa um pecado.
- Eu
errei. Errei em criar o homem, que, desde Abel e Caim, vive se matando.
- Filho,
quem criou o homem foi Deus.
- Eu
sou Deus e errei nessa criação.
Gritando,
me pôs para fora, ameaçando chamar a polícia, pois a casa de Deus não era lugar
de bêbado ou de quem não tem respeito por ele.
Casa
de Deus! Eu não me vi naquela casa. Havia muito luxo, riqueza e pompa.
Havia
uma pessoa parecendo um rabino. Falava de uma forma calma e doce. O semblante
com os cabelos e a barba brancos e com poucos paramentos, ao contrário de
outras em que fui, me deu esperança com uma conversa simples e direta.
Tive
dificuldades de me aproximar. Havia muitos, como o protegendo. Observei ao
fundo sacos de dinheiro, que vi sair de bolsos de pessoas com expressões de
dor, outras de esperança e muitas com olhos de avareza.
Gritava
o velho rabino a seus arautos e seguidores:
- Como
queres receber de Deus se não dás nada ao Pai?
- Não
é a mim que dais e sim a ele – gritei e fui expulso com agressão.
“Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.
As religiões são importantes. Agregam pessoas que têm o amor e a fé no coração, mas escondem, por trás, muitos interesses criados pelo homem, que fogem aos meus desígnios.
Quantos
mensageiros vieram, visando a melhoria do homem, alguns mais iluminados que
outros, trazendo mensagens e caminhos diferentes: Cristo, Maomé, Buda, Gandhi,
Chico Xavier, Madre Tereza, Luther King, além de muitos mal conhecidos. Poucos
foram escutados.
-
Quando criei a terra, tudo era perfeito e equilibrado. Havia tempestades,
ciclones e secas. Era a natureza reagindo dentro de suas forças naturais.
O
homem devia respeitá-la. Foi se instalar onde não podia, abriu espaços em áreas
a serem preservadas, construiu bens, pensando principalmente no ganho, não se
preocupando com a natureza. Não sou eu que gero os cataclismos. É ela, muitas
vezes reagindo à ação do homem. Tudo é equilibrado: a lua girando em torno da
terra, esta em torno do sol e ele por si da galáxia que se mantém equilibrada
no universo.
O
Deus está dentro de cada homem. Fica claro que não existo. Meu nome sim, mas,
eu não. Não creio nesse Deus presente em cada fato, em cada momento.
Considero-me ateu.
Essa
é a estória. Deus é ateu.
Noutro
dia no meio das minhas desesperanças, clamei por sua ajuda. Entretanto pensei: Estará
de bermuda sentado à sombra de uma palmeira, bebendo uma água de coco? Estará
ainda de folga?
Será
que continua ateu?
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