12/10/25

REENCONTRO

 


Meu nome é Gislaine, tenho 66 anos. Moro em Caconde, estado de São Paulo, há 7 anos. Nasci e morei anteriormente em Jundiaí, também em São Paulo, quando meu marido, Wilson, vendeu a empresa que possuía e decidiu se aposentar. Aposentar não é a palavra correta, pois ele possuía com Deusdete, nosso cunhado, marido de sua irmã, Rosalinda, uma pequena fazenda em Caconde, para onde resolveu nos mudar e, em conjunto com ele, levar adiante uma pequena plantação de café que pertencia à família e estava mal das pernas. Era seu sonho.

Infelizmente, faleceu, repentinamente, há três anos, por um infarto. Desde que nos mudamos para a região, havia parado de fumar e de ser sedentário, passando a ter uma vida menos estressante que a anterior. Porém, os danos gerados em anos passados cobraram seu preço.

Tenho primos e alguns tios na cidade, por parte da família do meu marido; porém, minha relação maior é com meus cunhados e seus familiares. Rosalinda e eu nos damos como irmãs. Sinto-me parte integrante da família deles.

Tenho um casal de filhos, casados e com filhos em Jundiaí; portanto, há um constante ir e vir deles para Caconde, quando não, raramente, eu vou a Jundiaí. É uma hora e meia de viagem, mas ainda dirijo bem. Entretanto, desde a morte de meu marido, meus filhos me pressionam para voltar para a cidade e ficar perto deles.

Após muita insistência, veio a acontecer. Fiz um acordo com meu cunhado a respeito da fazenda, vendi a casa que possuía e orientada pelos meus filhos, comprei outra em Jundiaí.

A casa é deliciosa, com três quartos, o que me possibilita ter, em um deles, um pequeno ateliê para meus artesanatos. O outro quarto é para quando os netos passam comigo um tempo e, se necessário, dormem, além de receber familiares.  O terreno não é grande, mas tem um pequeno espaço nos fundos, onde há uma jabuticabeira e onde plantei flores e temperos.

A melhor parte é que se localiza no bairro em que passei minha juventude e perto de onde morei, quando casei, além de estar a uma quadra da minha filha e quatro da casa de meu filho.

Consegui, rapidamente, após o meu retorno, por meio de Luciana e de Josefa, amigas de infância, restabelecer o contato com vários antigos conhecidos, que gradualmente foram me apresentando outras pessoas.

Por elas fui apresentada a um grupo de mulheres, que se reúne todas as quartas-feiras na casa de Maria Augusta, também amiga de juventude, para uma sessão de artesanato.

As reuniões ocorrem em uma edícula que possui e se presta maravilhosamente para isso. Cada uma apresenta o trabalho que está realizando, trocamos experiências, tudo ocorrendo no meio de muitas conversas e risos. Para a hora do café, levamos um doce ou salgado e, com tudo isso passamos tardes deliciosas.

Em um fim de semana, Maria Augusta, nos convidou para um churrasco em um sítio que tem as aforas da cidade. Seu marido convidaria alguns amigos e ela convidou a nós do grupo. Recomendou que levássemos maiô, pois, tem uma piscina no local.

Meu Deus, usar um maiô! Não sei há quanto tempo não uso. Busquei entre os que tenho um bem comportado, pois tenho vergonha de minhas estrias. Fiquei preocupada com meus braços flácidos e a gordura que possuo na altura do abdômen. Por sorte fazia academia em Caconde, o que ameniza minha forma física.  Aliás, necessito retornar a essa atividade em Jundiaí. 

O maiô é negro, vestido por baixo de uma bermuda branca, e uma blusa tomara que caia com desenhos de flores verdes e amarelas. Para a piscina levei um pareô de estampas com cores primaveris esmaecidas. Estava adequadamente vestida para uma senhora de 62 anos e com meus 65 kg. Não sabia o que iria encontrar.

Havia cadeiras para se estender em torno da piscina, mesas com ombrelones e cadeiras em volta. O ambiente era agradável e descontraído. Fui encontrando pessoas que conhecia e tendo conversas agradáveis.

Resolvi, em determinado momento, solicitar uma batida, dirigi-me a um balcão, onde se faziam os pedidos, naturalmente cercado de várias pessoas em volta.

- Por favor, uma batida....

- De abacaxi com limão, hortelã, açúcar e com vodca.

Uma voz de homem atrás de mim completou meu pedido de bebida. Quando me voltei, os olhos castanhos e o sorriso em um rosto mais velho eram os de Luz. Fiquei momentaneamente sem palavras.

- É o que você sempre pedia.

Abri um enorme sorriso e, sem perceber, o abracei, dando um pequeno beijo em sua face.

- Quanto tempo, Luz?

- Quase cinquenta anos.

Naquele momento a roda do tempo rodou em minha cabeça. Começamos nosso namorico na escola, quando eu estava com catorze anos. Ele era dois anos mais velho que eu. Ficamos juntos até os meus 18 anos, quando seu pai se mudou de cidade, a trabalho, e o obrigou a ir junto para São Paulo, onde desejava que fizesse faculdade.  Voltou umas duas ou três vezes, mas, com o passar do tempo fomos nos distanciando, até que cada um seguiu seu caminho.

Buscamos uma mesa mais afastada e nos estendemos na conversa, relembrando momentos de nossa juventude, normalmente os mais divertidos e que nos fizeram rir. Falamos de nossas vidas. Vim a saber que está viúvo há cinco anos e que veio morar em Jundiaí, por ter uma filha casada que lhe propiciou uma neta de 5 anos, sua grande alegria e razão de viver.

Passamos um bom tempo conversando.  Às vezes aproximando-se alguma das amigas ou amigos surgia a tradicional pergunta:

- Lembra dele?

E cada um se recordava de fatos vividos juntos, como bailes, festas, saídas em grupo, namoricos às escondidas e das coisas que aprontávamos. Depois de um tempo, as amigas me chamaram para entrar na piscina. Eu enrolei um tempo, pois, tinha vergonha de tirar o pareô na frente dele e mostrar no corpo a marca do tempo.

Ele estava de bermuda, sem camisa. Era um pouco mais alto que os meus 1,62m, cabelos negros, começando a esbranquiçar. Apresentava uma boa forma, com uma pequena barriga e o peito caído, fruto, provavelmente, de ter engordado e emagrecido. É moreno e está queimado do sol, contrastando com os cabelos iniciando a esbranquiçar. Ao notar a insistência das amigas se despediu, para ir conversar com outras pessoas. Aproveitei para entrar rapidamente na água.

Foi uma noite difícil de ser dormida. O seu rosto mais velho, enrugado, mas com a mesma expressão de quando jovem, não me saía da cabeça. Pensei: qual terá sido a sua reação ao me ver mais velha e enrugada?

Pensamentos e imagens repassaram pela minha cabeça. Éramos amigos desde o jardim de infância e vivíamos constantemente juntos. Nossas brincadeiras de rua envolviam meninos e meninas e ele sempre estava junto. Gostávamos de ler e sempre trocávamos livros da biblioteca da escola e conversávamos a respeito. Criamos muitas aventuras imaginárias com base neles.

Eu me lembro, quando menstruei, fiquei uma semana que não queria vê-lo.  Ele veio em casa perguntar a minha mãe se eu estava doente, pois, não aparecia na rua e na escola vivia evitando-o. Passado essa semana, ao me encontrar, fez uma série de perguntas, demonstrando preocupação comigo. Naturalmente as respostas foram evasivas.

Aquela preocupação dele por mim despertou um sentimento que não entendi bem o que era, mas que me fazia querer ficar mais com ele, conversar, ver seus olhos, seu sorriso. Depois, descobri que era o que nós meninas, vivíamos conversando e sonhando: Amor. Por um tempo, foi um sentimento escondido e comentado entre as amigas íntimas.

Houve um baile na casa da Salete. Tiravam-se os móveis da sala, havia uma vitrola e os discos que cada um trazia, na época, a maioria era compactos. Um dos meninos levava uma luz negra, para o ambiente ficar mais íntimo. Vinha toda a patota, alguns com as namoradas ou namorados.

Numa sequência de Ray Conniff, eu e o Luz dançamos juntinhos. Ao término, ele foi buscar “Cuba Libre” para nós. Eu fiquei em um canto esperando. Tinha as mãos e as costas suadas, pois, ao dançar com ele, eu estava tensa, como notei que ele também estava. Quando trouxe a bebida, ao me entregar eu sem querer lhe dei um beijo nos lábios.

- Desculpa, eu só queria agradecer a bebida.

Ele aproveitou a deixa, tirou a bebida de minhas mãos colocou sobre um móvel no canto, voltou-se para mim, segurando meu rosto em suas mãos, e me beijou, suave e levemente umedecido pela bebida. Fui às nuvens; uma corrente elétrica correu por todo meu corpo. Abraçá-lo, sentir seu corpo envolvido por mim, seu olhar e respiração próximos.  Eu não via e nem ouvia nada em volta. Só havia ele, só havia nos dois.

Logo os amigos se aproximaram e começaram a nos gozar. A Salete me levou para o seu quarto e as meninas foram atrás. Parecia um conselho de guerra, cobrindo-me de perguntas, querendo detalhes do nosso namoro. Eu mal respondia, só ria de felicidade.

Estivemos juntos por quatro anos. O começo do namoro foi um pouco estranho, para os dois: de amigo a namorados. Tinha hora que olhávamos um para o outro e ríamos da situação. O bom é que no final terminava em beijo. Era um namoro juvenil, com uma pureza não comum aos dias de hoje. Os beijos se davam às escondidas, em bailinhos em passeios e a sós. Por um bom tempo, não dissemos aos nossos pais que estávamos namorando, pois sabíamos das reprimendas:

- Vocês são muito jovens, é tempo de estudar e se preparar – os comentários iriam por aí afora.

Naturalmente, depois de um tempo, pela minha mudança de comportamento e pelos comentários das amigas, minha mãe veio a desconfiar e cobrou-me a confirmação. Meus pais receberam isso como um namoro juvenil e se sentiam tranquilos, pois conheciam o Luz de garoto e sua família. Seus pais, também, aceitaram bem.

Nos amávamos, éramos feitos um para o outro. Fazíamos juras de amor.  Porém, a vida nos distanciou e aquele namoro, nascido do querer de dois jovens, veio pouco a pouco a morrer. Morreu na existência, mas, ficou para mim, sempre vivo nas lembranças. Seu pai, por questão de serviço, teve que se mudar para São Paulo e exigiu que ele fosse junto e fizesse faculdade por lá. Reclamou, ameaçou não ir, mas, ao final teve que concordar.

 Após esse encontro e o festival de recordações, segui a minha rotina, que envolvia: o trabalho de casa, academia, artesanato, visita aos filhos e netos e algumas saídas com amigos. Estava ambientando-me à cidade e gostando.

Em um dos sábados, fomos em grupo tomar cerveja e comer petiscos em um bar e acabei encontrando-o. Nos cumprimentos com sorrisos e, posso dizer, que dos dois lados, com alegria nos olhos. Em um dos momentos, vagou a cadeira ao meu lado, e ele, como esperando a deixa, veio se sentar junto a mim. Bate-papo, risos, lembranças. Ao final, pediu meu telefone, com o pretexto de nos encontrarmos para colocar os assuntos em dia.

Nos dias seguintes, eu parecia uma menininha no aguardo do telefonema de um namoradinho.

- Meu Deus, eu uma velha, cultivando ideias que não têm cabimento.

Mas era gostoso esse sentimento de ansiedade de que ligasse. Parecia rejuvenescer-me. Cada tocar do telefone era um batimento a mais no coração. Quase duas semanas, e nada de seu contato. Briguei comigo mesma pelas ideias idiotas que passaram pela minha cabeça.

Na quinta à tarde, da segunda semana, eis que me liga:

- Oi, liguei para cobrar nosso bate-papo.

Marcamos às 18h para me pegar em casa.

Foi um drama me preparar. Dentro dos meus 65 kg tenho um corpo com uma boa distribuição o que facilita em relação as vestimentas. Coloquei uma roupa, troquei por outra e outra. Finalmente, fiquei pronta.  Por ser um dia de calor, coloquei uma bermuda azul-escuro e uma blusa de botões em um azul mais claro, contrastando com minha pele morena, tudo isso em cima de um tamanquinho amarelo. Tomei um cuidado maior em me maquiar. Os cabelos soltos, como no passado, eram de seu gosto, batendo nos ombros. Ao olhar-me no espelho, só conseguia ver a minha idade.

- Não tenho como esconder o que sou. Seja o que Deus quiser.

Ele estava lindo, também de bermuda branca com uma camisa levemente desabotoada com motivos marinhos em cores claras. Está um pouco mais gordo, imagino que em torno de 70 kg, com os pneuzinhos. Entretanto, de tudo o que mais me atraía: o olhar e o sorriso.

Fomos a um barzinho de sua escolha, onde um cantor animava o ambiente, em uma varanda toda coberta de vegetação. Nossa conversa foi animada: olhos nos olhos, risos, toques de mãos, nos braços, brindes, lembranças e o prazer de observar a movimentação dos seus lábios, donos de um lindo sorriso, com alguns cacoetes de quando namorávamos. A cortesia e o cuidado comigo a todo momento era um encanto.

Encontros como esse e outros mais ocorreram. Neles, as mãos descansavam sobre os braços quando de alguma explicação, quando não se tocando, pretextos para levantar uma mecha dos cabelos, limpar algo que ficou nos lábios, ajeitar a camisa ou a blusa. Nas despedidas, os abraços eram mais demorados, com algumas palavras de adeus sussurradas no ouvido.

Dentro de mim, havia alegria com esse reencontro, mas, de outro lado, um grande receio. Sabia onde aquilo tudo iria parar. Em algum momento não resistiríamos, e nos beijaríamos com toques pelo corpo, pois era o grande desejo que estava nas pontas dos dedos e preso dentro de nós. 

Depois, o grande passo que eu temia: saciar o desejo sexual que aflorava a cada encontro. Como tirar a roupa na frente de um homem depois de anos? Wilson fora o único que me vira nua, em toda a minha vida. Tinha medo de sua reação em relação ao meu corpo. Tinha as marcas de ter tido dois filhos: flacidez que se apresentava na altura do abdômen, pequenas estrias na barriga e alguma celulite no bumbum.  Meus seios, apesar de considerá-los bonitos, perderam um pouco da sua rigidez.  Tinha medo, via-me como uma bruxa e não como a Cinderela em um final de baile.

 Como seria meu comportamento durante a relação? Eu ansiava aninhar-me em seus braços e sentir sua pele, seus lábios. Como tocá-lo e como me deixar tocar? Faríamos à meia-luz ou no escuro? Era um turbilhão de senões, confrontando os desejos que afloravam.

Uma das noites em que me deixava na porta de casa, depois de estarmos com amigos, pediu-me:

- Não desce, quero falar contigo.

Uma lança transpassou todo meu corpo, inclusive pela suavidade com que fez o pedido.

- Não aguento mais, tenho que te dizer: eu te amo. Percebo que você sente o mesmo por mim.

Foram palavras ditas, enquanto segurava minhas mãos e olhava em meus olhos. Puxou-me para si e beijou-me. Eu retribuí com todo o amor que tinha dentro do coração. Foi um tempo nos entregando ao querer e rememorando o que era amar.

Novamente, foi uma noite difícil de dormir.

Quando nos apresentamos de mãos dadas aos amigos, os comentários surgiram sem grandes surpresas:

- Demorou, estava na cara o que iria acontecer.

- Que bom, eu torcia por vocês.

- Vocês foram feitos um para o outro.

Era um prazer estarmos juntos: passear a sós ou com os amigos, ter conversas íntimas, ir às festas, dançar, rir e sentir felicidade com o amor à flor da pele. Ansiava por esses instantes.

Chegou o momento que era inevitável e desejado, mas que temia que chegasse.

- Que tal na sexta-feira você vir para a minha casa ou eu ir para a sua e dormirmos juntos?

Apesar de esperar por essa situação, no primeiro momento, engasguei. No desejo de me sentir mais segura, respondi:

- Em minha casa. Farei umas comidinhas para nós.

A apreensão tomou conta de mim. Comecei cuidando de coisas triviais: pedi a faxineira quinzenal que antecipasse a vinda, lavei os lençóis, fronhas e toalhas a serem usados e os perfumei. Separei a roupa que considerava adequada para a data, assim como, a calcinha a vestir. Sabemos que ela vai parar em um canto, mas a sua imagem e simbolismo são importantes. A camisola sexy para o depois e a roupa para o dia seguinte. 

Preparei-me como uma noiva, pelo menos a ansiedade estava igual: fui a cabeleireira, fiz as unhas e passei por uma sessão de depilagem.  Olhei se tinha no meu kit de maquiagem o que gostaria de usar no dia, algo leve, para amenizar minhas rugas e os pequenos pés de galinha.

No dia, fui ao mercado e comprei alguns produtos para serem consumidos à noite, assim como, quatro garrafas de vinho branco que apreciamos.

Preparei o ambiente, com flores, sob a luz de dois abajures. Separei uma coletânea de músicas românticas. Arrumei os patês que preparei, os canapés, pedaços de queijos, torradas e pães. O horário marcado era às 20h.

Tensa, fui tomar banho. Fiquei um tempo debaixo da água quente relaxando. Nesse momento, foi me invadindo uma paz. Pensei:  sou fisicamente o que a vida e os anos imprimiram, tanto no corpo como nos pensamentos. É o que terá de aceitar e gostar. Com certeza, ele também terá marcas da vida e da idade. Teremos que nos aceitar com as imperfeições físicas que temos e como somos. O que está nos unindo é o amor, que surgiu após o nosso reencontro. 

A calma relaxante, que me invadiu debaixo do chuveiro, me fez decidir: deixe de ser uma velha tonta e seja mulher em toda a sua plenitude de amor, sensualidade e desejo.

No horário marcado, tocou a campainha. Trazia um ramalhete de flores e uma garrafa de prosecco.  Chegou com o olhar e o sorriso pelo qual sempre fui encantada. Estava de bermuda, marrom-clara, camisa polo branca e de sapatênis da cor da bermuda. 

Nos abraçamos, nos beijamos e continuamos nos abraçando e nos beijando.

- Senta, preparei uma comidinha e bebida para nós.

- Depois, o que quero saborear agora é outra coisa.

Deixando os receios de lado, peguei-o pela mão e o levei para o meu quarto. A luz era de abajur.

Fomos pouco a pouco nos despindo. Não víamos as marcas da vida em nossos corpos. Ele era simplesmente o corpo que eu queria percorrer com minhas mãos. Deitou e docemente me aninhou ao seu lado. Seu olhar era penetrante. Sorria. Correu seus lábios pela minha face, desceu pelo pescoço e com delicadeza saboreou meus seios. Eu corria a mão pelo seu peito, sentindo sua pele e seus pelos. Retribuí seus beijos, beijando sua boca, seus olhos e o pescoço. 

Ao me encostar nele, senti a plenitude do seu desejo, que toquei suavemente. Ele, pouco a pouco, foi unindo seu corpo ao meu. Foram momentos de delicadeza e outros de sofreguidão. Prazeres há muito tempo esquecidos retornaram e nos uniram, até o momento do gozo e do descanso.  

Era um momento de satisfação, tendo-o ao alcance de minhas mãos, sentindo sua respiração e o suor do corpo. Pouco a pouco, a respiração foi voltando ao normal. Perfume de flores misturado a sexo envolvia o quarto. Uma brisa entrava pela janela e via-se o prateado da lua nas folhas das árvores. Havia uma grande paz dentro de mim.

Levantamos de madrugada e foi uma noite de comidinhas, bebidinhas, sexo, prazer e amor. Não o sexo impetuoso de quando éramos mais jovens, mas o lento e saboroso que a experiência ensina.

De manhã, novos prazeres e um delicioso banho a dois, com suas consequências. Depois, curtimos o dia juntos, passeando, rindo para tudo e para nada e relembrando, com algum rubor de minha parte, momentos da noite anterior. Ao final do dia retornamos, para uma nova noite de amor.

Depois do sexo, sussurramos as imperfeições dos nossos corpos, que a vida nos deu, correndo os dedos, as mãos, quando não os lábios, e rindo dos nossos falsos temores.

A partir daquele momento, decidimos que deveríamos contar aos nossos filhos sobre a nossa vida como casal e iniciar a programar, para um futuro, a decisão de vivermos juntos.

Dois dias depois, Luz contou que, ao expor nossa situação para sua filha e seu genro, fora uma conversa tranquila. Ela há muito tempo lhe dizia que devia buscar uma nova mulher. Viver sozinho não era algo fácil, além do mais a vida a dois, havendo companheirismo, é muito mais saborosa, dizia com sabedoria.

Resolvi contar aos meus filhos, genro e nora. Convidei-os para um jantar em casa no meio da semana. Solicitei que viessem sem as crianças. Quando fiz o convite, a primeira reação foi de preocupação: se eu estava com algum problema, principalmente de saúde. 

- Não, eu quero contar a vocês algo de maravilhoso que está ocorrendo.

Precisei pedir que esperassem o final do jantar, quando iríamos para a sala tomar um café e algum licor. Minha filha e nora ajudaram a retirar os pratos e talheres, questionando-me a cada momento que estávamos a sós na cozinha, sobre o que falaríamos.

- Meus filhos, já se passaram mais de três anos da morte do Homero, com quem fui muito feliz e a quem amei com todo o meu coração. Ocorre que, aqui em Jundiaí, encontrei uma pessoa, que já conhecia do passado e que, desde a minha vida com o pai de vocês, nunca mais o vi. Com ele, tenho me relacionado há uns quatro meses e começamos a namorar. 

Tive que responder a inúmeras perguntas que fizeram sobre o Luz: como o conheci, como foi nosso namoro na adolescência, quando o reencontrei, idade, família, como estava nossa relação e inúmeras outras.

Minha filha, endossada pela minha nora, de imediato aceitou, colocando, somente a necessidade de virem a conhecê-lo, o que concordou meu genro. Meu, filho, entretanto, permaneceu o tempo todo calado.

- Esteves, meu filho, você não disse nada a respeito.

- Mãe, acho um absurdo você, uma mulher com a tua idade andar de namorico. O que irão falar? Cadê o respeito à imagem do papai? Você está com idade de curtir os netos e a família e não andar com outro homem.

Suas palavras foram um impacto. Todos, inclusive sua esposa, Lavínia, manifestaram ser um absurdo a posição dele. Era machista e antiquada. Foram comentários em vários tons, porém, recheados de indignação. Ele se mantendo calado e nada respondendo. Quando comentei:

-  Esteves, não vou ficar discutindo contigo. Tenho idade suficiente para saber o que é certo e errado. Espero que avalie melhor tua posição.  Você está mais preocupado com o que irão dizer do que com a felicidade da tua mãe. Posso dizer que essas convenções, hoje em dia, estão ultrapassadas. Para mim essa tua posição, com os motivos colocados, é triste. Dou como encerrado o assunto. Pense e quem sabe, o melhor, trate de conhecê-lo.

Quando saíram, fui tomada de choro e tristeza pela forma como meu filho me via e pela forma como colocou, fazendo-me parecer vulgar. Não foi assim que o educamos e nem a forma que eu e o Homero pensávamos e vivíamos.

Ao contar ao Luz, com lágrimas nos olhos, da reunião e o desencanto que tive com meu filho, só ouvi da sua parte palavras de encorajamento.

- Ele, um dia acordará para a realidade a sua volta e, principalmente, verá quanto o amor nos mantém juntos. Acabará nos aceitando. Tenha fé, isso ocorrerá.

Uma semana depois minha filha nos convidou para almoçarmos em sua casa. Luz, pediu que perguntasse se poderia levar sua neta, a Gracinha, o que foi aceito com satisfação por minha filha.

Juliana e seu marido, Orlando, nos receberam com muita alegria, manifestando a satisfação de almoçarmos juntos. Gracinha logo se enturmou com minha neta, Maria Eduarda. Ambas tinham idades próximas e simplesmente passaram o dia de brincadeiras, com várias participações de todos. 

Luz, mostrando-se extremamente apegado à neta e eu, por adorar a minha, meu genro e minha filha, por sempre valorizarem a minha presença como avó, inúmeras vezes nos divertimos com elas. Foi um domingo maravilhoso, com o compromisso de marcarmos um encontro, com a participação da família da filha de Luz. Perdi a conta de quantos beijos de alegria trocamos no fim do dia.

Com meu filho, a toada foi outra. Com a compreensão de Luz, fui à sua casa passar o domingo sozinha. Apesar da sua posição, não posso me distanciar dele e de sua família. Eles têm uma filha casada, que me deu um bisneto, e que mora em Curitiba, nos falando com muita frequência, sendo eu, muitas vezes, a sua confidente, porém, nos vendo pessoalmente só de vez em quando.

Quando soube, por sua mãe, o que ocorrera, discutiu com o pai por telefone, dizendo que já era hora de evoluir e acabar com seus preconceitos antiquados. Preferia antes uma mãe infeliz. Que cuidasse de mim, e se a pessoa que estava comigo não fosse boa, que me protegesse; para tanto, deveria estar próximo e não distante do meu relacionamento. Depois, ligou para mim, acalentando-me com suas palavras.

Eu e o Luz decidimos, independente de meu filho, resolvermos curtir as nossas famílias, no que fosse possível, e planejarmos nosso caminho juntos. Nossa intenção, após alguns meses, era morarmos juntos. Preferi que fosse em minha casa, por insistência de minha filha, pela proximidade e pelo fato de eu estar em minha propriedade. Achei a ideia acertada, além de que gosto muito dela e de sua localização, praticamente ao lado de minha filha e não distante da filha de Luz.

Era uma alegria quando tínhamos a responsabilidade de levar ou buscar uma neta em alguma atividade, passear com elas, tê-las em casa e, principalmente, quando dormiam conosco. É óbvio que fazíamos muitas das suas vontades, pois, como diz o ditado: os pais educam e os avós deseducam. Queríamos marcar suas vidas com o nosso carinho e a lembrança dos avós. Era uma festa, uma grande felicidade, mesmo com a sombra sobre nós da posição do meu filho.

Depois de algum tempo do nosso relacionamento, comecei a me sentir cansada, com dor de cabeça e uma febre alta. Minha filha e Luz vieram rapidamente me socorrer. A situação evoluiu para vômito e náuseas. Os dois me levaram com urgência ao pronto-socorro. Fui diagnosticada com dengue. Recebi medicamentos e soro e fui encaminhada para casa.

A recomendação era muito repouso e hidratação e alguns remédios para a febre caso voltasse a ocorrer. Ao retornarmos do pronto-socorro, minha filha queria que eu fosse para sua casa. Luz não concordou:

- Ela vai para a sua própria casa, e eu dou um jeito de dormir por lá e cuidarei dela o tempo todo, até que melhore. Fique tranquila. Você me ajuda com a comida e caso não possa, por alguma razão, me avisa que eu faço.

Assim, foi me tratando com carinho e dedicação. Ele se preocupava em me ofertar água de coco, sucos naturais que fazia, quando possível, com laranja junto, por causa da vitamina C. Eu necessitava de muita hidratação e repouso.  Minha filha me levava comidas leves e me ajudava nos banhos. Na primeira semana, tive ainda surtos de febre, indisposição e enorme cansaço, o que persistiu por algum tempo após minha recuperação.

Luz, não saiu do meu lado 24 horas. Dormiu no quarto de visitas, mantendo as portas abertas, pois, a qualquer ruído, levantava. Trouxe de sua casa uma televisão e instalou no meu quarto. Conversava constantemente comigo: trocamos intimidades e fatos ocorridos. Nos conhecemos ainda mais.

Obrigava-me a trocar de roupa quando estivesse molhada de suor ou periodicamente, o mesmo com as roupas da cama. As colocava na lavadora e depois soube que até as passava. Mal passadas, mas passava.

No terceiro dia, minha filha contou ao irmão o que estava acontecendo. Ficou furioso por não ter sido avisado logo de início. Veio rapidamente me ver com a esposa. Prontificaram-se a atender tudo o que fosse necessário, inclusive ficar comigo. Sua irmã explicou o grande cuidado que Luz estava tendo comigo, não se separando um minuto sequer, e que ela estava providenciando as refeições. Lavínia se propôs também cozinhar e me trazer comida.  

Soube depois, que meu filho ao ir embora, agradeceu ao Luz pelo que estava fazendo. Ele e a esposa, nos dias seguintes, vieram diariamente me ver. Minha nora com comidas leves que sabia ser do meu gosto. Graças ao bom Deus, esse percalço serviu para que meu filho percebesse a atenção de Luz comigo e se aproximasse, conversando sobre meu estado e passou a conhecê-lo melhor.

Passado um tempo de recuperação, sentindo-me bem melhor, resolvi voltar aos almoços com os filhos. Esteves fez questão de que o primeiro fosse em sua casa e pediu ao Luz que trouxesse sua filha e família. Convidou também sua irmã.

Creio, que não preciso dizer que foi, e continua sendo, uma grande felicidade. Três meses depois de tudo isso, eu e Luz fomos viver juntos. É claro que alguns dos almoços e festas principais passaram a ser em nossa casa. Filhos, nora, genros, netos, quando não amigos e parentes transformaram nossa casa na “casa da vovó Gi”, a preferida principalmente pelas netas.

As outras avós que me perdoem.

 

Emami

12/01/25

A LINHA DA MÃO


 

A boca desdentada,

de pouca farinha,

vida dura como facada,

desdiz a linha da mão.

 

Onde, entre tragadas,

previu a cigana o futuro:

dinheiro, saúde e mulher,

augúrio de vida feliz.                                                     

 

Mas o gibão surrado,

queimado de sol,

não diz ser esse homem                                       

de mão afortunada.


A linha da cigana

que corria reta na mão,

na vida se mostrou

distante do apregoado.

 

Mulher não teve, não.

Dinheiro se esfarelou.

E de tudo dito da vida,

pedaço escarrado sobrou.

 

Faltou colo para dormir,

amor chamado de seu.

Faltou o que defender

que não fosse o sobreviver.

 

Foi pau-mandado

para cobrar e infligir.

Matar de tocaia,

sem saber o porvir.

 

Caído, com bala no peito,

sangue escorrendo,

lembra da cigana que previa               

na linha marcada da mão.

 

 Sua morte será matada

no meio do sertão,

por coisas que não são suas,

por briga encomendada.

 

Agora, decerto, o sol a pino,

os pedregulhos da estrada,

o chão nu como túmulo

e a poeira como mortalha.



ahnao // mmaai