6/20/13

Boteco


Levantou os olhos por cima dos óculos de leitura.
Lia seu jornal, enquanto tomava um uísque.
A viu entrando. Morena, vestindo uma calça Jean e uma blusa violeta com cordões na frente, que estavam soltos e permitiam ver seu pescoço e parte do ombro.
O corpo era bem formado. Teria seus 30 e poucos anos.  O cabelo era longo.  Chegava ao ombro.  De tempo em tempo o colocava para trás da orelha, em um gesto gracioso.
Encontrou a amiga, que a esperava e se cumprimentaram. Riram, Havia alegria na conversa. Pediu um aperitivo.
Ele não conseguia tirar os olhos do seu rosto.  Encantava-se com o movimento dos lábios, o brilho dos olhos e o constante afastar do cabelo.
A conversa variava de frase alegres para momentos de sussurros em que seu rosto adquiria tristeza. Momentos de concentração no que a amiga dizia.
De repente, seus olhos se cruzaram. Ela notou que ele a observava
Ele sentiu pelo corpo eletricidade. Sentiu-se tomado de paixão.
Ela desviou o olhar e continuou a conversar.
Ele tirou os óculos e ficou a observá-la.
Seu cruzar de pernas, suas mãos, seu sorriso, o contrair dos lábios. Tudo o encantava.
Há anos estava separado e vivendo de pequenos namoros. Recatado e tímido em suas investidas. Vivia guardando momentos de solidão.
Naquele instante,  foi tomado por um sentimento arrebatador.
Novamente a fitou, sorriu e desviou o olhar.
Elava falava e o fitava. Sorria e se encabulava.
Depois de muito relutar resolveu enviar um cartão pelo garçom.
“Desculpe. Você é linda” – seu nome e celular.
Quando o recebeu o leu, assim como a amiga.
Sorriu, comentou algo e lhe deu um olhar que parecia conter toda a esperança do mundo.
Ele na timidez dos seus cabelos brancos terminou a bebida. Pagou e saiu passando por ela. Recebeu em retribuição um sorriso.
Seu coração acelerou-se. Seus pensamentos atordoaram-se.
Será que ligará?

6/11/13

Se Foi Pra Tirar Praque Deu?



Texto escrito para a amiga Arlete e a querida Luzia


Alguns seres vêm ao mundo por algumas horas, dias, semanas, meses ou anos.
Alguns envolvidos de muita resignação, dor e sofrimento.
Dizem que vieram para recuperar momentos passados e que suas passagens pela terra já estão traçadas.
Outros dizem que vieram para possibilitar o desenvolvimento de um grande amor, de um maior crescimento.
Dizem, dizem...                                        
Muitos desejam tanto poder criar essas criaturas, amá-las, vê-las crescer e curtir os momentos e as etapas.
Alguns têm que fazê-lo com suplantação das suas limitações e as deles.
Precisam achar formas de se encontrarem para que possam encontra-los e oferecer o seu amor, carinho e dedicação.
Outros tantos não os querem. Esses seres são abandonados, dados, maltratados ou descuidados.
Muitos ocorrem no meio de grandes dramas outros, apenas  são descartados como cartas de um baralho.
Os que vêm como fruto de amor e que se vão repentinamente como  uma brisa passageira, marcam suas presenças com seus olhares, risos, palavras e gestos.
Difícil explicar o vazio e a grande dor que deixam.
A única coisa que sei é a crença que vem do fundo do meu coração.
Estes seres que amamos e que nos amaram ou iriam nos amar, em nenhum momento gostariam de nos verem tristes, doloridos e alquebrados.
Sofreriam com nossa dor.
Creio, portanto, que devemos lembrar deles com uma lágrima nos olhos, mas, principalmente, com um sorriso nos lábios e um agradável calor no coração.
A vida é intrincada, entretanto, o amor, a compreensão e a perseverança aplainam o caminho alquebrado que ela apresenta.
Eles iluminaram etapas de nossas vidas.
Sinta sua dor, mas curta, acima de tudo, a lembrança da alegria dos momentos vividos juntos.


6/05/13

A Sogra


 Em lembrança a Nelson Rodrigues





Sílvia e Cláudio estavam em plena lua de mel. Haviam casado há pouco.
Moravam em um aconchegante apartamento de dois quartos.
Suas noites eram “calientes”. Os dois tinham um fogo de quatro anos de namoro em que brincaram muito, mas, nunca foram as vias de fato, pois, Sílvia queria se casar virgem. Com 32 anos e vindo de uma família conservadora de Minas Gerais, deixou tudo menos......
Faziam amor em todos os lugares possíveis no apartamento: por cima dos móveis, no chão, na varanda. No chuveiro? Nem se fala, conseguiram abalar o box. No elevador? Quantas vezes.
E como faziam barulho. Urravam, gemiam, se batiam. Batiam-se? Sim, às vezes.
Era sexo nas mais diversas posições e formas, sem pudor e limites.
Nos domingos pela manhã acordavam pelas nove, mas, só levantavam pela uma.  Mortos, trôpegos, mas, satisfeitos.
Estavam no sexto mês de casamento quando um infortúnio ocorreu. O pai de Cláudio faleceu e a mãe veio morar com ele.
Sílvia não se dava bem com Dona Esperança, desde que a conheceu.
Era daquelas mães para quem o filho era sempre um bebezinho. Dava e queria dele toda a atenção. Nunca conseguiu ficar na casa da sogra numa boa. Ela sempre se intrometia entre os dois. Fazia-se de vítima com suas enxaquecas, dores ou o que fosse.
Sílvia sempre quis viver o mais longe possível da sogra. Só que a sua esperança que isso ocorresse por toda vida, foi por água abaixo.
Lá veio ela ocupar o futuro quarto do bebê.

Começou o dia a dia de convivência. Era Claudinho pra cá, Claudinho pra lá.
- A mamãe está com dores no ombro, faz massagem Claudinho.
- Claudinho, não sei como você come essa comida engordurada da tua mulher?
- A mamãe está vendo televisão. Claudinho, pega meu travesseiro no quarto.
- Claudinho, Claudinho, Claudinho.....
O pior de tudo não foi isso. Perderam a intimidade na casa. Só tinham espaço no quarto. Mas quando eles queriam ir para cama mais cedo ela dizia:
- Claudinho fica mais um pouco com a mamãe. Não quero ficar sozinha. Deita aqui no meu colo.
Silvia ia emburrada para cama e o Claudinho demorava em ir.
E na hora do rola-rola, do bem-bom ?
Começavam os gemidos, o balançar da cama, os palavrões...
Dona Esperança batia na parede:
- Claudinho vocês estão brigando?
Outras vezes:
- Vocês não me deixam dormir.
- Seus indecentes.
- Olha o respeito.
- Olha o barulho.
No dia seguinte ela ficava resmungando que não conseguiu dormir, que era uma pouca-vergonha.
Trocaram a cama tradicional por uma cama box para reduzir o barulho. Abafavam os murmúrios com os travesseiros. Davam uma rapidinha para a velha não reclamar.
Domingo de manhã era o inferno. Às oito horas ela levantava, ia para cozinha. Fazia o café da manhã, mas batia tudo.
As nove chamava o filho, para ir à feira, como fazia com o falecido marido. Era um saco!
Dona Esperança tomava um remédio para o coração. Tinha que ser sagrado. Todo dia.
- A senhora não pode deixar de tomar nenhum dia. A senhora pode morrer – dizia o médico.
A velha se aproveitava disso.
- Claudinho não esqueça o remédio da mamãe. Você sabe que posso morrer. Eu esqueço. Era sempre teu pai que me lembrava.
E não é que a desgraçada sempre esquecia e o Claudinho tinha que lembrar e ir atrás.
- Mamãe o remédio.
- Daqui a pouco.
- Mamãe lembra o remédio.
- Antes de dormir eu tomo.
A velha fazia charme. E o filho tinha que ficar atrás cobrando.
Sílvia morria de raiva.
Não vamos tecer os comentários que a sogra fazia da nora para o filho, muitas vezes na sua frente.
Os dois começaram a brigar.
- Arruma um lugar para tua mãe fora daqui. Não aguento mais. – Dizia Silvia.
- Não dá. Mamãe não consegue viver sozinha. Não lembra nem dos remédios.
- Põem em um asilo.
- Não. No asilo, não. Prefiro ver mamãe morta.
As discussões se tornaram constante e o sexo inconstante, apesar do Cláudio sempre estar a fim. 
Ela também queria, mas o clima não dava. A velha brochava até tarado.
Um dia no calor da discussão Silvia lhe disse:
- Nada mais de sexo até que sua mãe saia de casa.
- Mamãe só sai de casa morta.
- Então só faremos sexo depois dela morta.
Claudinho a procurava. Todos os dias. A todo o momento que estavam sós.
- Não só depois que sua mãe sair desta casa.
- Ela só sai morta.
Ele a abraça, a acariciava. Ela se esquivava. Queria entrar no chuveiro quando estava tomando banho, mas, ela fechava a porta.
No elevador:
- Não. Só quando tua mãe sair da nossa casa.
Nada mais de rola, rola, de nheco nheco, fuc e fuc. Nada mais de urros, gemidos, palavrões, tapas e outras “cositas” mais.
Claudinho foi mofando.
Um dia, sem mais nem menos, a velha estrebuchou, faleceu.
Claudinho chorou feito uma criança. Sílvia contemplou tudo com algum alívio.
No meio do velório, de madrugada, Claudinho pediu a Sílvia, irem para casa trocarem de roupa, pois estavam com a mesma desde manhã.
Mal entraram no apartamento, ele a agarrou. A beijou, enfiou a língua em sua boca. Rasgou sua blusa. Estourou o sutiã. Arrancou a saia.
Ela ao mesmo tempo, lhe tirava a roupa.
Fizeram sexo na sala. Em cima da mesa da cozinha. Na varanda.
- E os vizinhos?
- Que se fodam.
No chão do quarto, na cama, no sofá.
Urraram, xingaram, pularam, gemeram, bateram....
Apareceram no velório, lá pelas tantas, e cheio de olheiras.

Após a morte da velha a paz, o amor e o SEXO voltaram aquela casa.
Estavam em lua de mel, novamente.
Certo dia de arrumações Silvia encontrou o vidro de remédio da sogra. Aquele que ela não podia passar um dia sem tomar e que Carlinhos tinha a todo o momento cobrar para que tomasse.
Observou a data do aviamento e lembrou o dia em que a sogra falecera. Devia estar pela metade. Estava cheio!
Vários pensamentos passaram pela mente e repentinamente um sorriso aflorou em seus lábios.