Sua filha
Valdirene, que todos chamavam de Val trabalhava num bar que servia refeições.
Estava há três meses como garçonete, não registrada.
Zuleide
entrava as 15:00 h e trabalha até as 23:00 h, com a vantagem de ser
registrada e ter vale transporte, refeição e cesta básica.
Valdirene
entrava às 10,00 e trabalhava até às 17:30 h. Tem 21 anos, mãe solteira com uma
filhinha chamada Sonia ou Soninha.
Os horários
eram convenientes, pois ambas conversavam pela manhã, Zuleide ficava com a
neta até a hora da perua passar e levá-la à escolinha, às 13:00 h. Quando Val voltava, pegava a filha, que a perua deixava numa senhora na vizinhança,
Dona Dolores, pois, muitas vezes ela trabalhava.
Dona
Dolores, ficava com inúmeras crianças, que os pais trabalhavam, e retornavam da
escola, em horários que não estavam, fora os que não iam à escola e passavam o
dia inteiro.
Zuleide não
gostava, pois, a criançada só brincava e brigava e ela Dona Dolores, só
gritava. Não era paciente. Os pais não tinham outra opção, pois, cobrava barato.
Tinham a
vida ajustada, morando as três em um quarto, cozinha e banheiro, num quintalzão
que tinha várias moradias, como essa, e que nada mais era que um cortiço.
No mês de
março chegou a tal da pandemia. Tudo fechou.
Val foi
mandada embora, sem nada a receber, pois, não era registrada e só tinha três
meses trabalhando no local.
Zuleide foi
demitida com tudo de direito. Aviso prévio, férias, décimo terceiro.
De imediato
não acharam ruim, pois acreditavam que o problema passaria rapidamente, fora estar
o governo dando um auxílio emergência, para cada uma delas. Tinham o dinheiro
que Zuleide recebera ao ser mandada embora e corriam atrás de cestas básicas,
que eram entregues na região. Precisavam saber com antecedência, pois, se
chegassem atrasada, muitas vezes não ganhavam.
Entretanto,
o tal do vírus só piorava a situação com internações e mortes. Nada das
empresas retornarem a trabalhar, apesar que, no início, os que puderam, ficaram
em casa, usaram máscara e álcool gel nas mãos.
Era uma
dificuldade segurar a Soninha no pequeno espaço em que viviam.
Ocorre que
chegou dezembro, o governo parou com o tal de auxílio emergencial e o dinheiro
que Zuleide recebeu de indenização estava acabando.
Passaram
janeiro, fevereiro e março com grandes dificuldades. Tiveram que correr, com mais intensidade, atrás de cestas básicas, ficar nas filas mais de hora e com medo de
se contaminarem.
Seis pessoas
no cortiço pegaram o vírus. Quatro morreram, sendo duas delas um casal.
Em um dos
dias ficaram acabou o gás. Zuleide pediu a sua amiga Cândida, que morava próxima, se
podiam usar seu fogão para fazerem brigadeiros para venderem na rua e
poderem compra gás.
Em vários dias que tiveram que regular o que comiam para sobrar para a pequena
Soninha. Não havia mais roupa nova, sandália, bijuteria ou que quer que fosse,
a não ser comida e um pouco de material de limpeza, a comprar.
O governo
começou acenar que no mês de abril iria liberar um pequeno valor mensal de
ajuda. Não era para todo mundo, como antes. Ficaram muito preocupadas.
Em um dos
dias, Val chegou em casa e disse a mãe que havia arrumado um emprego de
garçonete, em um restaurante, próximo de região de escritórios, onde se
ganhava bem e se conseguia um bom valor de gorjetas.
Foi uma
alegria. No primeiro mês colocou as contas em ordem. No segundo trouxe
um vestidinho para a filha e uma blusa para si.
- “Fia”,
agora que as coisas “tão melhó”, também vou buscar um emprego.
- Não
precisa mãe. Eu ganho o suficiente.
- Você sabe
que sempre fui “muié de trabalhá”. Quero ter o meu dinheirinho e “ajudá” em
casa.
Não adiantou
Val argumentar. Zuleide falou com sua amiga Cândida, que informara estarem, em seu trabalho, contratando alguns novos funcionários, para repor os mandados embora, durante o pico da pandemia, em razão de aumento de serviço.
- Zuleide, é
longe. Levo uma hora e quinze pra “chegá” no serviço. É um ônibus, um trem,
dois metrô e uma caminhada.
- Não tem
“poblema”.
No dia
seguinte Cândida levou sua amiga na Empresa para ser entrevistada. Era na Barra
Funda. Tiveram que caminhar um trecho da estação do Metrô até o local.
Na rua da
Empresa havia várias mulheres de saia curta e blusas bem decotadas. Havia uma
com os seios de fora.
- Cândida,
meu Deus do céu o que é isso?
- As
mulheres “tão” esperando “home” que vem de automóvel pra fazer negócio.
- Que
negócio?
- Sua boba.
Sexo. Aquela de peito de fora nem “muié” é.
- Ninguém
tira elas daí?
- Imagina!
Até na porta da Empresa ficam. Tem os “cafetão” que ameaça quem mexe com elas.
Não fazendo nada “cum” elas, elas não fazem nada “cum nóis”.
- Com toda
essa doença, tem homem que vem e paga?
- Vem. E
cada carrão. “Vê” aquele que tem uma gostosona entrando.
Quando
Zuleide olhou, notou que era Val, sua filha, entrando no veículo. Usava uma
peruca loira e uma roupa que não conhecia. Vistosa, curta e decotada. Salto
alto. Ficou pasmada. Sentiu uma pontada no peito. Teve que se encostar na
parede.
- Que foi
Zuleide?
- Nada,
nada. Foi uma falta de ar da caminhada.
Na saída da
entrevista Cândida perguntou:
- Oh muié, o
que foi? Você que é faladora ficou que parecia ter visto fantasma. A chefa só
vai te “pegá” porque eu falei muito bem de “ocê” antes.
Zuleide em
casa ficou esperando a chegada da filha.
- Val eu fui
na Empresa que te falei pra “arrumá” emprego. É na rua que você trabalha. Eu te
ví.
Sua fala era
baixa, triste e quase chorosa.
Val começou
responder, também, chorosa, mas de repente como se sentindo indignada falou com
raiva.
- Mãe, eu
estava desesperada vendo a nossa batalha e as necessidades que “távamo”
passando. Se “arrumá” emprego, também vou correr risco na condução e no
trabalho com o tal do vírus. “Num vou”?
- Vai.
- Mãe, nisso tem risco, tem doença? Tem, mas
tem dinheiro.
Mãe, tem dinheiro!!!!

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