12/12/23

SEPARADOS, MAS TODOS JUNTOS

 


Este conto foi inspirado em um fato real.

O nome dos personagens, o andamento dos acontecimentos e seus detalhamentos são fictícios, porém, o companheirismo, o respeito, a cumplicidade e o amor são verdadeiros.

 

Há nove meses morrera Costa, marido de Alba. Foram 24 anos juntos. Ela foi tomada pela dor da ausência, a vida perdera as cores. A casa, anteriormente viva, com a presença dele, onde, sempre fazia algo novo e diferente com seus passatempos, admirando a todos  com seu bom gosto e esmero, agora se mostrava morta. Antes, cheia de familiares nos almoços, repleta de amigos nas festas e churrascadas, regadas a conversas, cantorias e muito riso, tudo se fora.  Ele era um catalisador de pessoas.

Ela se isolou, recolheu-se numa tristeza, que a tomava, desde que acordava até o momento em que se deitava. Seguia, mecanicamente, para o trabalho. Era advogada. Era o pouco de contato que desejava, o profissional. Deixou de ir aos bares e restaurantes, que frequentavam a sós ou com amigos, em encontros que adentravam a noite.

Algumas visitas, que foram rareando, tentando animá-la. O único que frequentemente a visitava, com a esposa, era o Osvaldo. Amigo de juventude do marido, pessoa que esteve mais próximo no momento do falecimento. Era querido por suas filhas, sendo padrinho da mais nova.  Fora, sempre, uma presença constante na família. As filhas, por sua parte, frequentemente, apareciam, tentando animá-la, mas sem sucesso.

Em um dos finais de semana, estava Alba envolvida na solidão da ausência, deitada em uma cadeira de descanso, na área da churrasqueira, que ficava em uma varanda, separada da casa, meia dormida, meia acordada, quando Costa apareceu, subindo as escadas para a churrasqueira, apontando para o relógio e dizendo:

- Onde está a comida? Você está atrasada. As pessoas chegarão logo. Tudo já deveria estar pronto.

Nesse momento, Alba, como um choque, acordou do torpor em que estava. Seu falecido marido estivera ali, o que será que quis dizer com a frase:

- Tudo já deveria estar pronto.

Uma mensagem, para procurar os amigos? Ter uma vida social? Voltar a viver? O que terá desejado dizer?

- As pessoas chegarão logo. Tudo já deveria estar pronto – afirmava ele.

Passou um bom tempo, imaginando se sonhou ou se realmente lhe apareceu.

No final do dia, seu amigo Osvaldo e a esposa Carminda, foram visitá-la, levando um bolo para animá-la. Cafezinho e bate papo. No meio da conversa Osvaldo diz:

- Alba, sou de opinião que o Costa gostaria que você revisse o pessoal. Este pensamento não me saiu da cabeça, durante a noite.

Alba, surpresa, relata o que acontecera, algumas horas atrás, quando estava meio que dormida.

- Isto é uma mensagem do Costa. Osvaldo, façamos uma churrascada. Você convida os amigos e toca a churrasqueira?

- Sim.

- Então, vamos lá. Semana que vem, temos um feriado no meio, podemos fazer nessa data. Comprarei as carnes, farei os petiscos e um panelão de arroz carreteiro com feijão tropeiro.

Como que renascida, iniciou a compra e o preparo das comidas. Suas filhas, estranharam o comportamento. Contou a elas o que ocorreu e a coincidência do compadre Osvaldo, na noite anterior, ter pensado no assunto. Concordaram, que ela, realmente deveria fazer o almoço e passaram a ajudá-la.

No almoço acorreram os velhos amigos, ficando felizes de vê-la animada, agitando o almoço como fazia antigamente.

Entre os convidados veio Vicente, amigo de um passado distante, tanto dela, quanto do falecido. Em determinado momento, conversaram:

- Faz tempo que não te vejo, como vai tua esposa e as filhas?

- Estou me separando. Estou fora de casa há seis meses. As meninas estão casadas e tendo suas vidas, mas, nada felizes com minha separação.

- Que pena!

- Vamos dançar?

Alba recusou, diz que não estava com espírito para tanto, mas, ele adorava dançar e tanto insistiu, que aceitou. Todos se admiraram e gostaram de apreciar, pois, ele era um exímio bailarino, sabia muito bem levar a dama, e ela respondia maravilhosamente. Até as filhas de Alba se surpreenderam, pois, os dois como bailarinos, formavam um belo par. A tirou para dançar em várias músicas.

Num dos intervalos, em que Vicente estava conversando com Zélia, filha de Alba, lançou uma frase meio inocente:

- Tua mãe ficou viúva, mas como é jovem, deve estar com um novo relacionamento. Ela merece.

- Imagina, minha mãe, não quer saber de outro homem. Era demasiada apaixonada pelo meu pai.

Uma semana após o almoço, no final do dia, quando Alba havia chegado do trabalho e se preparava para relaxar, toca a campainha. Vai atender, e quem está à porta? Vicente.

- Oi, tudo bem, o que deseja?

- Estava aqui perto e como a tarde está gostosa, pensei em vir te convidar para tomarmos um chope e batermos um papo.

- Agradeço, mas acabei de chegar do serviço e estou cansada.

- Venha, a tarde está linda. Vamos aqui perto. Prometo, um ou dois chopes, e você volta para casa.

Tanto insistiu, que o fez entrar e esperar enquanto se arrumava.

- Querendo uma cerveja, você sabe onde tem, na geladeira ao lado da churrasqueira.

Foi uma tarde agradável com um bate-papo interessante. Acabaram, cada um, tomando quatro chopes, acompanhados de alguns petiscos.

Os convites começaram a ser frequentes, aperitivos, almoços, jantares e botecos com os amigos. Elas os aceitavam, pois, era agradável passar em sua companhia. Depois, começaram os almoços e jantares nos finais de semana. As filhas começaram a notar essa frequência e a alegria da mãe em recebê-lo. Zélia lembrou da conversa que tivera com Vicente e contou a irmã.

Alba, estava se encantando com ele. Era agradável, delicado e ambos possuíam gostos iguais. Bebidas, amigos, festas, músicas e lembranças da juventude. Passaram a ter uma convivência mais frequente.

Ele contou que sua relação com a esposa desmoronara, pois, gostava de uma vida agitada, mais social e a esposa, cada vez mais, queria ficar reclusa em casa. Contou como admirava, a distância, o relacionamento de Alba com Costa, um amigo que frequentemente encontrava, junto a outros amigos, em algumas saídas para um papo e uma cerveja. Ele sempre animado, contando das maravilhas do seu relacionamento com a mulher.

Vicente, contou, que há um bom tempo pensava nela. Agora estava tendo a oportunidade de verificar, que realmente, era uma mulher maravilhosa, como dizia Costa. Confidenciou que gostava dela desde a juventude, mas a vida os levou a caminhos e amores diferentes.

Os encontros tornaram-se costumeiros, em uma relação de respeito. Pouco a pouco, surgiu uma semente de amor em Alba, que vinha crescendo aos poucos. Acreditava, pelo comportamento que apresentava, que o mesmo ocorria com ele. Entretanto, não conseguiam romper a formalidade gerada pela idade, pelas filhas e sabe lá, por quais preconceitos que passavam pela cabeça de ambos.

Alba tinha no Rio de Janeiro, o tio Otávio, a quem visitava com periodicidade. Costumava pegar a primeira Ponte Aérea da sexta-feira e retornava na última do domingo. Os horários eram extremamente convenientes, assim como, as tarifas.

Traçou um plano. Perguntou ao Vicente:

- Vou ao Rio de Janeiro visitar meu tio Otávio. Quer ir comigo? Caso concordar, eu compro as passagens e depois você me reembolsa.

Viu claramente em seu semblante surpresa:

- Viajarmos juntos e ficarmos juntos?

- Sim – respondeu meio entre sorriso e riso.

- Tá. Está bem.

Alba reservou no hotel que conhecia, próximo à casa do tio, quartos para os dois. Avisou o tio:

- Tio vou com um conhecido te visitar, tudo bem?

- Quem é?

- O Vicente.

- O Vicente Tramandaí?

- Ele mesmo.

- Que venha. Gostava muito dele, quando jovem. É uma ótima pessoa!

O final de semana no Rio de Janeiro foi maravilhoso. Passearam pela cidade, conhecendo os principais pontos turísticos. Foram a praia, tiveram um dia delicioso na casa do tio Otávio, onde Vicente, relembrou inúmeros momentos que conviveram juntos.

Na noite de sábado, Alba pergunto a Vicente:

- Você adora dançar, que tal irmos a uma gafieira na Lapa?

Aquilo caiu como um convite do céu. Dançaram o quanto puderam. Durante as danças, os braços entrelaçados, os rostos próximos, ocorreu o natural, os lábios se encontraram. O querer, somado ao desejo, os envolveram nos passos das músicas. Retornaram ao hotel e nessa noite, pela primeira vez, dormiram juntos, embalados pelas lembranças do dia e a vontade de acalmarem seus amores nos abraços, beijos e sexo. Eram duas pessoas curtidas pela vida, maduras nos seus sentimentos, que iniciavam um novo momento, quando muitos se recolhiam a solidão.

Ao retornarem para São Paulo, para surpresa das filhas de Alba, resolveram morar juntos. A vida se tornou, entre eles, uma grande parceria. Respeitavam seus passados, os elos que os ligavam a eles, mas, o principal, principiaram a traçar uma nova vida.

Várias vezes relembraram as coincidências do compadre Osvaldo, propondo, no mesmo dia da aparição de Costa para Alba, um almoço, no qual Vicente foi convidado por acaso, possibilitando o contato entre ambos. Lembraram a mensagem que a despertou e a reergueu da dor, possibilitando se reencontrarem.

- Alba, tudo já deveria estar pronto, o pessoal está chegando.

Viajaram pelo país, para o exterior, cruzeiros marítimos, finais de semana improvisados na ida a um novo lugar, em um espírito de aventura, para depois por lá se acomodarem e encontrarem as maravilhas do local. Amigos, almoços, cantos e danças. Tudo, envolto em um espírito de companheirismo, cumplicidade, respeito e amor.

As filhas de Alba, passaram a gostar do padrasto, pois, viam o quanto a fazia feliz. Era o que importava. Começaram a dividir momentos,  com as filhas de Vicente.

Um dia, Alba, tem oportunidade de conversar com as filhas dele, Lúcia e Márcia.  Lúcia lhe disse:

- Quando começou o namoro, eu e minha irmã, não gostávamos de você. Acreditávamos que estava tirando meu pai da minha mãe.

- Não. Quando comecei a namorar teu pai, ele já estava separado e morando sozinho.

- Agora, sabemos – respondeu Márcia – inclusive, tivemos oportunidade de observar pela vida que meu pai começou a ter contigo, o quanto a relação com minha mãe devia estar lhe fazendo mal, por isso, se separou.

- Meninas, não tenho nada contra tua mãe. Hoje, quero vocês como filhas. No momento, o Vicente está dividido, no próximo dia das mães, gostaria de passar comigo e minhas filhas, mas sente o dever de passar com vocês e tua mãe.

As duas se entreolharam, concordando.

- Proponho, o seguinte. Venham, com tua mãe e tuas famílias, almoçar conosco. Diga a ela que não tenho nada contra, pelo contrário, tenho que respeitá-la por ter sido companheira de Vicente, por tanto tempo. Que te parecem?

As duas concordaram e ficaram de conversar com a mãe.

No dia das mães, apareceram as três. Foram recebidas com muita emoção por Vicente e Alba e alegremente pelo restante da família. Foi um almoço feliz. As famílias se confraternizaram.

Em determinado momento, Alba abraçou Vera e lhe disse:

- Eu te quero bem, por ter sido parceira, por tanto tempo, do Vicente. Não tenho nada contra. Gostaria que fossemos amigas e que nossas famílias se reconhecessem como família.

- Concordo. Vejo o quanto você os faz feliz, portanto, minhas filhas estão felizes e vejo a alegria que representa estarmos juntas.

- Vera, provavelmente em vidas passada, você, eu, meu falecido marido, o Vicente, nossas filhas, todos devemos ter tido nossas vidas entrelaçadas e retornamos, com a possibilidade de reencontrar-nos para crescimento através da compreensão e do amor.

 

A vida nos mostra famílias que se desmembraram, por razões diversas, mas que voltam a se encontrar, e envolvidas pelo amor e respeito, formando novas famílias.

Como diz a sabedoria popular:

- Separados, mas todos juntos.

 

 

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12/03/23

LA CUBAÑITA

 


Há 15 anos eu tinha um primo, chamado Milton, que morava em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, cidade que faz fronteira seca com Pedro Juan Caballero no Paraguai. Uma simples avenida separa as duas cidades. A região é famosa por ser rota de drogas.

Milton, fora transferido pela empresa de Curitiba para lá, há dois anos, gerenciando uma unidade local da distribuidora de tratores. Era casado, tendo uma filha de 5 anos. Constantemente, me convidava para passarmos uns dias juntos e relembrar nosso tempo de juventude em Curitiba. Garantia que eu teria bons momentos, com eles e os amigos. A cidade possuía um clima agradável, com uma vida noturna agitada, tanto do lado brasileiro, quanto paraguaio. Como eu estava de mudança de emprego, e iria iniciar minha faculdade dai dois meses, pareceu-me ser um bom passeio.

- Realmente, a região é conhecida pela droga – respondeu-me - entretanto, aqui, a situação é muito tranquila. Conhecemos o pessoal da sociedade, com quem convivemos, e não nos metemos com o lado podre, que infelizmente existe. Quando ocorrem mortes, normalmente, é acerto de contas entre eles. Não se deve andar nos lugares e com as pessoas erradas. Para o cidadão comum, a cidade é bastante segura.

A estada estava sendo muito agradável. No primeiro final de semana, um churrasco em sua casa à beira da piscina, onde conheci vários dos seus amigos e amigas. Com vários deles, em noites diversas, fomos a bares, boates e restaurantes, tanto em Ponta Porã, como em Pedro Juan Caballero. Impressionante, a cidade paraguaia tem uma faculdade de medicina, frequentada por muitos brasileiros. Encontramos muitos desses jovens nessas saídas noturnas.

Numa das tardes meu primo me diz:

- Vamos à La Cubañita (em espanhol ñ se lê como nh) quero que conheças o calor das mulheres da terra.

- Pera aí, La Cubañita não é uma amiga de tua mulher, que combinou com algumas outras amigas, se encontrarem para irem às compras?

- Sim, mas ela é gerente de uma boate, onde naturalmente, além das bebidas, há mulheres.

- O que você vai fazer num lugar desse, em que a gerente é amiga da tua mulher. Tá doido? Ela também trabalha sexualmente?

- Uma gerente de puteiro se não for discreta, ou seja, ter a boca fechada, não consegue ficar no emprego.  O que você acredita que farei? Vou encontrar a Pérola, uma paraguaia deliciosa. A vantagem com La Cubañita, é que conhece as meninas e não corro riscos maiores. Ela só gerencia, não tente nada diferente que vai quebrar a cara.

- Não estou a fim de um puteiro, não faz meu gênero.

- Vai ter que ir, você é meu alvará para hoje à tarde. Terá a vantagem de conhecer a mulher mais bonita, que já vi na minha vida. Cubana linda, delicada e fina. É um encanto de mulher. Vais ver.

À tarde pegamos o automóvel e seguimos para Pedro Juan Caballero, após, vai e vem de uns quinze minutos, chegamos a uma casa, com um letreiro “Boite Lunar de Ypacaraí”.

- Olá, Cubañita, este é meu primo Marcos, lá de Curitiba. É um alemãozão.

- Olá, todo bien? Quieres algo?

Realmente a mulher era lidíssima. Morena, cabelos levemente ondeado até os ombros, um corpo bem distribuído nos seus 1,60 cm. Pelo decote, que não era pronunciado, notava-se lindos seios. O olhar, a boca, o jeito de falar, o movimentar dos lábios, tudo prendia e encantava. Era a personificação da tão conhecida e tocada música na região: “eres linda e hechicera, como el candor de uma rosa” (és linda e feiticeira, como a candura de uma rosa).

Meu primo, pediu um uísque e perguntou o que eu queria, ainda enfeitiçado por aquele olhar, respondi:

- Quero coca.

Os dois se olharam meio assombrados e meu primo reagiu na hora:

- Tá bom Marco, uma coca, mas você pede assim de cara, mesmo nesta cidade, é um assunto para se tratar com cuidado. Não sabia que você curtia.

Na hora, percebo a bobagem que estava fazendo e rindo, digo:

- Não, não é o que vocês pensam. Quero uma Coca-Cola.

Meu primo faz uma cara, pega seu copo e se perde por uma porta à frente.

Sento no balcão e aprecio a beleza e a graciosidade de La Cubañita e pergunto:

- Você nasceu realmente em Cuba?

- Sim?

- Como veio parar aqui?

- Mi madre es paraguaia com família, aqui em Pedro Juan Caballero.

Passamos a trocar frivolidades, eu contando de minha vida em Curitiba, e do tempo de juventude com meu primo. Nesse ínterim, seu celular tocou, atendeu e foi ter uma conversa ao fundo, em voz baixa e demonstrando grande preocupação no semblante. Terminando, grita, mostrando pressa, recolhendo suas coisas.

- Ramona, Ramona corre aqui.

Apareceu uma mulher, alguns anos mais velha, que parecia estar se arrumando para o início dos trabalhos, dali uma hora.

- Fala Chefa, o que foi?

- Mi hijo, não está passando bem. Preciso levar ao médico. Cuida de tudo. Voy chamar um táxi.

Prontamente, me coloquei à disposição em levá-la.

- A Ramona que avise meu primo, o que está acontecendo, e volte para casa de táxi.

Ela, bastante preocupada, não pensou duas vezes e aceitou minha proposta. No caminho, não conversava, só me indicava a rota. Só me respondeu, que seu filho tinha quatro anos, não se estendendo no assunto.

Uns quinze minutos depois estávamos em sua casa. Mal parei o veículo, desceu desesperada. Foi entrando, deixando a porta aberta para que a pudesse acompanhar. Principiou a conversar em espanhol, misturado de guarani, com sua mãe e tia, numa velocidade que não conseguia acompanhar. Havia uma bolsa pronta com coisas da criança. Envolveu o menino em um cobertor, cobrindo a cabeça e pediu para irmos para o hospital.

- Ele pode estar com meningite. Falou desesperada. Há dias no está bien. Ahora, teve vômitos, febre mui alta com convulsion. Mi madre tuvo que lhe dar um banho, para conter a temperatura.

Quando chegou no hospital, rapidamente, entrou com o garoto nos braços solicitando atendimento, falando em espanhol, misturado com guarani. Precisava de um médico. Foram rápidos, em cinco a dez minutos, foi atendida por um doutor, que encaminhou o garoto para medicação e exames. Parece-me, que o hospital, mantinha uma parceria com a Universidade Central do Paraguai, propiciando, com isso, bom atendimento.

Havíamos chego no hospital, próximo das 20:00 h. Meu primo me ligou e expliquei o que estava ocorrendo. Solicitou para que ficasse tranquilo e ajudasse Cubañita no que necessitasse, pois, ele e a mulher gostavam dela, era uma ótima pessoa.

Após um tempo de espera, no objetivo de passar o tempo perguntei:

- Como veio parar aqui em Pedro Juan Caballero?

- Mi padre, em 2007, fazia parte de um conjunto musical que se apresentava em Pernambuco. Ele e mais dois companheiros, fugiram del grupo, queriam permanecer no país. Em Cuba sofriam pressões, pois, insistiam em estudar ritmos latinos, com isso, eram bastante criticados e perseguidos. Tenia dificuldades de trabalho, fora que ganava pouco. Aproveitando a oportunidade, pediram asilo político. Por um tempo, tiveram miedo que ocorresse com eles, o que ocorrio com dois boxeadores, que se desligaram da delegação dos jogos Pan Americanos, daquele ano, no Brasil. Foram localizados pelo governo brasileiro, que era muito amigo do cubano, e deportados a pedido de Cuba. Há muita versiones nessa história, alegando ser vontade deles, el fato, que después de um tempo, um deles, fugiu de barco para o México.

Busca um copo de água e continua:

- Com isso, ficamos mi madre e yo solas em Cuba. Fue um tiempo difícil, o governo ficava de olhos em nós, devido a mi padre. Mi madre és paraguaia, Despues de várias dificuldades, pois no facilitavam as coisas, ela conseguiu autorização para viajarmos. Su família é daqui de Pedro Juan Caballero. Com isso, viemos parar nesta cidade. Mi padre faleceu, nos primeiros meses no Brasil, no conseguimos nos encontrar de novo. Hoy, soy yo, mi madre, mi tia e mi hijo. Quando saí de Cuba, estaba para casar, mas, por tudo o que ocorria, nós conseguimos sair e ele não. Soube que estava grávida aqui no Brasil. Ele tentou sair, depois, com balseiros, para Miami. É uma travessia arriscada, apesar de somente 150 km de Havana. Morreu afogado no trajeto.

Enquanto me contava, seu olhar se perdia nas lembranças do passado e de tempo em tempo retornava ao presente e ao momento que o filho passava, angustiando o semblante.

Tratei de comprar, água, café e bolachas em uma máquina que havia no corredor. A noite avançava e não havia notícias. Era meia-noite e trinta, ela se desesperava. Vendo aquilo, tratei de entrar pelos corredores, pedindo em altos brados, em português, que queríamos notícias. Um rebuliço iniciou e seguranças foram chamados, trataram de me segurar e puxar para fora da ala interna do hospital.

Cubañita, na mesma aflição, cobrava em seu castelhano/guarani. Os corredores ficaram agitados, até que o médico, que levou o menino para dentro, apareceu, solicitou que nos acalmássemos e nos explicou:

- Mediquei o garoto e solicitei vários exames, para confirmar se é meningite, o que me parece não ser. Caso confirmado, liberarei o paciente para seguir para casa. Um pouco mais de calma.

Ficamos, só nos dois na sala de espera. Olhou para mim, com um pequeno sorriso de alegria e me abraçou. Chorava em meu peito. Só me restava, dar palavras de apoio e consolo, acolher a mãe que relaxava a tensão do momento, e sentir em meus braços, uma mulher que necessitava de amparo.

Depois das duas da manhã fomos liberados. Ela com o pequeno Miguel, envolto nas cobertas. A madrugada era fria. Novamente, nada falando, simplesmente murmurando uma canção de ninar, foi me ensinando o caminho.  Quando chegamos, peguei o garoto de seu colo e ela abrindo a porta, sendo recebida pela mãe e a tia, com quem rapidamente explicou a situação, levei até o seu quarto e coloquei na cama ao lado da sua. Eram duas e meia da manhã, quando me despedi e ela retrucou:

- De forma nenhuma. Vai dormir aqui. É tarde, no conoces la cidade e no ficará andando por aí. Mi cama é grande. Você duerme de um lado e eu do outro. Espera um pouco.

Após um tempo retornou, vestindo um pijama bermuda, trazendo uma toalha nas mãos, uma camiseta larga e um bermudão de sua tia.

- El banheiro é ao lado. Tem uma toalha, caso queira tomar um banho ou só se refrescar e veja se essas roupas sirvem.

Lavei-me, tirei a roupa e vesti a que me dera. Retornei ao quarto. Ela estava deitada do lado da caminha do garoto, parecia dormir. Havia, um pequeno abajur no canto do quarto, conferindo luminosidade ao ambiente. Deitei. Comecei a fechar os olhos, quando, noto um movimento ao meu lado. Abro os olhos e vejo que ela está me observando, com um olhar cheio de amor. Passa a mão com carinho em meu rosto e me dá um beijo, se aconchega em mim e dorme.

Na manhã seguinte, me acorda, dizendo ser dez horas e que o café está na mesa, me aguardando. Me troco, vou ao banheiro, me lavo e sigo para a cozinha, onde, uma mesa com frutas, pães, manteiga, queijo, geleia, leite e café está montada.

- Senta, ali. O que quieres?

Sua mãe se levanta da mesa, pega minhas mãos entre as suas, as beija e me agradece:

- Gracias, fueste um angel que viniste del cielo.

Foi um café da manhã delicioso, conversa agradável, sorrisos e risos, enquanto o pequeno Miguel dormia na sala. Quando me preparava para ir embora, sua tia me abraçou, me beijou o rosto e em brasileiro me disse.

- Marcos, Deus, em determinados momentos nos coloca pessoas no nosso caminho, que de início não sabemos para que, mas depois temos a grande resposta. Obrigado. Precisando de nós, pode contar.

Agradeci, e num abraço de despedida em Cubañita, falei:

- Vou embora, precisando de algo, pode contar comigo.

Abraçando-me se despediu dando um beijo em cada lado da face, mantendo seu olhar dentro do meu por um tempo.

Voltei para Curitiba, começando trabalho novo e iniciando minha faculdade de direito. Meu primo, morou mais um ano em Ponta Porá, sendo posteriormente enviado para Bagé no Rio Grande do Sul. O que soube de La Cubañita, por ele, que continuava trabalhando na boate, onde meu primo ocasionalmente visitava, estudava direito pela manhã e continuava sendo uma linda e simpática mulher, gerenciando um puteiro.

QUINZE ANOS APÓS

Após formado, com mais dois colegas, abrimos um escritório em Campo Grande, que estava em forte crescimento. Tínhamos um bom nome na praça e uma clientela respeitável. Começamos a ter uma grande demanda de trabalho em Dourados, cidade que fica a 250 km de Campo Grande, por parte dos nossos clientes tradicionais.

Resolvemos abrir um escritório local. Por eu ser o solteiro, fui indicado para administrá-lo. Tinha uma bela casa, com piscina, automóvel, uma empregada que vinha duas vezes por semana e a vida que qualquer solteiro pode desejar, aos 32 anos. O que meus sócios não sabiam, era que aceitei a mudança pela distância de Dourados a Ponta Porã ser de 120 km. Desejava encontrar os rastros da La Cubañita, na cidade ou em Pedro Juan Caballero.

Os primeiros meses, foram intensos, instalação da casa do escritório, ações na cidade, ampliação de relacionamentos com as pessoas que já conhecia e com as que conheci.

Nisto, surgiu a ação de um cliente grande de Campo Grande, produtor de soja, tanto no Brasil, quanto no Paraguai, que teve um lote de cocaína, encontrado escondida no meio de uma de suas cargas de soja. Graças aos documentos que possuíamos, o nome e tradição do pecuarista, a carga foi liberada. Entretanto, para finalização do processo, teria que se apresentar em juízo em Pedro Juan Caballero.

A audiência, seria com uns dos três juízes, extremamente renomados, pela perseguição a narcotraficantes: Vallenjuelos, Benitez e Lunares. Eram tão temidos pelo tráfico, que estavam jurados de morte, tendo, já, sofridos atentados.

Na empolgação de ir à cidade poder procurar pelo que me interessava, e pelo fato da audiência ser mera formalidade, estando organizada pelo meu assistente, junto ao cliente, segui na alegria de estar retornando à cidade, após quinze anos.

- Todos de pie para la entrada de la juíza Ana Rosa Vallenjuelos.

Tenho uma grande surpresa!

A juíza era La Cubañita. Devo ter ficado de boca aberta e olhos arregalados.

- Puedem sentar.

Ela deve ter me reconhecido, ao permanecer alguns segundos me encarando, porém, mantendo uma postura rígida, não transparecendo nenhum sentimento. A audiência foi de uns quinze minutos, onde o cliente teve que responder algumas perguntas. Após, houve a formalização da inocência e o encerramento do processo. A audiência transcorreu, para mim, sob uma nebulosidade de sentimentos, não lembrando claramente, como aconteceu.

Como era próximo do almoço, resolvi aguardar na porta de saída do fórum e interpelá-la. Surgiu e principiou a descer as escadas, dirigindo-se para o automóvel que parou a meio fio. Segui em sua direção, de repente, recebi uma forte pancada que me derrubou ao chão, com alguém com o joelho sobre minhas costas, tirando-me o fôlego. Quando ela gritou:

- Pare Santiago, es mi conocido.

Ele me levantou, arrumou meu paletó, enquanto eu tomava fôlego e pegou minha pasta no chão.

- Olá, Marcos. Desculpe, ele é meu guarda-costas. Está se sentindo bem?

- Sim.

- Venha almoçar comigo.

Falava um português de bom nível, apesar do sotaque espanholado. O Santiago, abriu a porta de trás para que entrasse e fez sinal para que eu desse a volta. Sentou-se no banco da frente.

Arrancamos. Sua imagem era fria, parecia uma esfinge egípcia, sorriu um leve sorriso e manteve-se na postura fria que observei durante a audiência. Ao chegarmos ao local, Santiago desceu, deu uma observada geral, abriu a porta para ela, seguindo logo atrás, enquanto eu saia do outro lado e os seguia. O maître, já devia estar acostumado, cumprimentou-a com mesuras e nos levou a uma sala à parte, onde, Santiago, permaneceu à porta.

Tão logo sentou, seu rosto se descontraiu, sorriu, abriu o lindo olhar que me lembrava o passado e com carinho falou:

- Quer dizer que você é advogado e agora atua por aqui. Que maravilha!

Nossa conversa, durante o almoço, transcorreu sobre nossas vidas, nos últimos quinze anos. Ela totalmente desfeita da rigidez da figura, voltando a ser a Cubañita que conheci. Seu olhar, seus lábios, o cabelo, constantemente colocado atrás da orelha e principalmente o sorriso e a voz suave e deliciosa que permanecia em minha memória.

Relatei a minha volta a Curitiba, troca de trabalho, faculdade, o escritório em Campo Grande e agora em Dourados.

Contou-me que continuou trabalhando no “Lunar de Ypacaraí”, estudando de manhã, trabalhando à noite. Manteve a boate sempre longe do lado podre do ramo. Protegia e cuidava das meninas, suas necessidades, família e saúde. Só largou o trabalho quando se formou.

- E teu filho?

- Está estudando direito em uma das cidades do estado de São Paulo. Pelos riscos que vivo, consegui novos documentos para ele, que mora com familiares de minha mãe, com um nome que não o associa comigo. Infelizmente, pelo meu combate, com outros juízes, aos chefões do narcotráfico, recebo inúmeras ameaças. Sofri, inclusive, um atentado, que graça a Deus, não gerou consequências, mas que levou a ter as atuais medidas de segurança.

No retorno, deixou-me próximo do fórum. Forneceu-me seu telefone exclusivo, solicitando que não fosse passado a mais ninguém, e que eu usasse caso tivesse alguma necessidade. Ao me despedir, só tive tempo de dizer:

- Vamos voltar a nos ver.

Ela só sorriu.

Em Dourados, o trabalho foi tomando corpo, a clientela aumentava e além do auxiliar, passei a contar com uma secretária, que atuava como telefonista, quando necessário.

Doutora Ana Rosa, la Cubañita, não me saia da cabeça. Podia sair com qualquer mulher, por mais encantadora e linda que fosse, quando retornava para casa era sua imagem que invadia minha cabeça. Era dia e noite. Estava obcecado. Precisava vê-la.

Em um horário, à noite, quando imaginei que poderia estar em casa, telefonei ao número restrito. Ela tendeu:

- Marcos?

- Olá, Doutora Ana Rosa, ou Cubañita, como devo chamar?

- Somente Rosa.

- Gostaria de poder voltar a almoçar ou jantar contigo. Não sei se quer vir a Dourados ou onde quiser?

- Quer vir almoçar um sábado em minha casa, aqui em Pedro Juan Caballero? Cozinharei para você.

Marcamos. Explicou onde deveria deixar meu veículo e aguardar por seu segurança Santiago.

Sua casa parecia uma fortaleza. Muros altos, um jardim rasteiro na frente, a sala e cozinha voltadas para os fundos com grandes janelas, onde se via uma piscina e muito verde. Por trás, um grande muro protetor, com o que me pareceu, cercas e alarmes. Depois, soube, que, na entrada, havia uma guarita, com seguranças, monitorando, câmeras do lado de fora e em algumas áreas da casa e controlando a abertura do portão.

- Como pode ver, vivo presa. Os bandidos, lá fora, soltos, alegres, divertindo-se e eu aqui emparedada. Quando, tive que implantar estes esquemas de segurança, minha tia, que vivia comigo, acostumada a uma vida simples de povo, com portas abertas, cadeiras na calçada, entrou em processo de estresse. Precisou ir embora. Foi morar com o filho na capital. Minha mãe teve a alegria de me ver formando, mas, louco veio a falecer.

Ela preparou um peixe ao leite de coco, mais arroz e uma deliciosa e diferente salada. De sobremesa, havia alguns doces, que deve ter comprado em alguma padaria de renome na cidade.

Nossa conversa foi agradável, relembrando períodos da infância, das dificuldades que viviam em Cuba, mas da alegria e liberdade que tinha, quando menina. Eu, da minha parte, as artes de moleque. Foi uma tarde deliciosa. No final do dia nos despedimos, com promessas de repetirmos o encontro.

Foram mais duas vezes, num dos sábados, nossa conversa foi até tarde e quando me despedia para ir embora, disse que não.

- É muito tarde. Não quero você pegando estrada nesta hora para Dourados. Durma aqui, tenho quarto sobrado. Lembra, você já fez isso uma vez, no passado? – riu

Concordei. Era uma meia da madrugada, quando noto, ela andando pela sala. Devia estar com insônia. Resolvi levantar e conversar.

- Rosa, não consegue dormir?

- Às vezes, sofro de insônia.

- Posso me sentar ao teu lado, no sofá?

Sento-me perto. Sinto o calor do seu corpo. A luz está a meia-luz. Vejo seus olhos brilhando na penumbra, perscrutando meu semblante. Olho, sorrio. Ela sorri. Não resisto, a tomo nos braços e docemente a beijo. Ela se entrega. Lentamente, tiramos nossas roupas e no caminho vamos soltando nossos desejos. Ao final, uma relação cheia de prazeres e delicadamente saboreada. A realização de um ânsia, que estava em nós, aguardando o momento para se expor. Foi calma, mas profunda nos sentimentos. Dormimos abraçados.

Na manhã seguinte, quando acordo, ela não está a meu lado. Há um jogo de toalhas no pé da cama. Tomo banho e me visto. Na sala o café da manhã está servido. Ela lindíssima, com uma pequena bermuda e camiseta que mal cobre seus seios. A abraço por trás e deposito um beijo em seu pescoço. Rispidamente, diz que sente e que tome o café da manhã.

- Não podemos fazer isso, ter vínculos maiores. Entenda que a vida entre nós dois é impossível. Sou uma mulher jurada de morte, não posso ter junto de mim, pessoas que eu goste, pois, elas podem ser mortas.

- Não me importo Rosa. Caso tenha que morrer contigo, morro, mas quero estar contigo. Eu te amo.

Quase desesperada e em um tom alterado de voz:

- Não, não podemos nos apaixonar! Eu não tenho o direito de ter o teu amor e nem de depositar o meu em você. Não há futuro, não há vida, só a perspectiva de morte. Quero que você vá embora.

Com muito empenho, abraçando-a, chorando, beijando-a, nos despimos e retornarmos a fazer amor com furor, aplacando as incertezas que surgiram naqueles momentos. Passamos a manhã entrelaçados em nossos temores.

Ao me despedir, me faz jurar que não a procure. Afirma, que não mais me receberá. Que eu leve minha vida e ela a dela.

Dois finais de semanas após, a procuro e novamente, o calvário de medo, de dor, do amor e de prazer se repete. Assim, vamos nos vendo, intercalando momentos de distância com reencontros cheios de paixão.

Alguns finais de semanas após, me informa, sigilosamente, o julgamento do Molinete, um dos principais líderes das quadrilhas de narcotráfico da região, após várias reuniões, entre os principais juízes, caiu em suas mãos. Irão reforçar a segurança. Haverá um veículo escolta blindando, com motorista e um segurança, que a acompanhara por onde for. Farão algumas reformas, na edícula da entrada, onde permanecem os seguranças, para mais espaço e beliches. Estão selecionando a dedos os policiais que a protegerão.

- Marco, quando isto vier a público, as ameaças aumentarão, assim como os riscos. Não quero você envolvido nisso.

De novo, falsas promessas de não nos encontrarmos. Para despedida, no final de semana, vamos para um hotel exclusivo perto de Bonito. A simples mudança de cidade, faz com que Rosa se solte. Roupas mais leves, maquiagem primaveril, abraços e palavras de amor a todos os momentos. É a vida que desejamos e que nos é proibida. Naquele final de semana resolvemos esquecer de tudo e aproveitarmos.

A informação do julgamento, quando veio a público, foi notícia em todos os órgãos, tanto no Brasil, quanto no Paraguai. A atuação desse grupo impacta nas cidades em volta, e no fluxo de material enviado para a Europa e Estados Unidos. Portanto, até o FDA, americano, estava de olho no que poderia acontecer.

A tensão em Rosa e nos seguranças, aumentou. Ao sair de casa, uma verificação era feita. O carro escolta sai primeiro e parava em frente, com um dos seguranças de metralhadora na mão. Depois o automóvel de Rosa, sendo imediatamente seguido pelo carro escolta. No Fórum, entrava por uma porta lateral, só descendo do veículo dentro do edifício.

Para aumentar o clima de tensão e terror, os narcotraficantes, metralharam a casa do juiz Lunares. Não visavam atingir ninguém, sim, dar um recado.

Rosa me ligava e pedia desesperadamente que não aparecesse.

- Prefiro morrer contigo, do que viver sem você.

Passaram-se quatro semanas, em que o julgamento estava em andamento e que não nos víamos.

- Quando terminar, nos encontramos.

- Irei este final de semana por aí.

- Não.

Lá eu estava. A mesma cena de sempre, nos abraçamos, nos cobrimos de beijos, tirávamos nossas roupas na ansiedade do momento e fazíamos amor por vária horas, interrompidas por alguma bebida, um banho, uma piscina e almoço.

- Amanhã, haverá uma confraternização das minhas equipes. Oficialmente, não estarei presente. Devo aparecer de surpresa e, na verdade, enquanto as famílias se divertem, definiremos a etapa final do processo, em termos jurídico, logístico e de segurança. Você pode ficar em casa.

- Não, eu irei.

A reunião transcorreu conforme o previsto. Durante a mesma, permaneci em um canto, muito pouco interagindo com as pessoas. Creio que algumas chegaram a pensar que eu fosse um simples guarda-costas.

Quando voltávamos para casa, na estrada, um automóvel surgiu de uma das ruas e emparelhou ao nosso. A janela do passageiro, estava aberta e mostrava a ponta de um lançador de granada,

 Grito para Santiago:

- Agora acabam conosco!

Ele trocou informações com o veículo escolta, que se aproximou e deu uma batida na traseira desse veículo. Esse desiquilíbrio, permitiu que Santiago com sua metralhadora atirasse em direção à janela do perseguidor. Algo aconteceu, pois o veículo guinou a esquerda, saindo da estrada, quando vinha um veículo em sentido contrário. O veículo escolta, parou atrás de nós e fez um bloqueio para o veículo que tentou nos atacar. Houve trocas de tiros.

O escolta os deixou na estrada e veio atrás de nós, pois, temiam novos ataques, o que ocorreu na próxima encruzilhada. Quando um caminhão atravessou a pista, com uma grande camionete. Freamos, o veíoculo escolta passou a nossa frente e começou a atirar contra a camionete, da qual saíram vários indivíduos com armas pesadas. Nós parados.

Turco, nosso motorista, engatou o veículo e seguiu a toda velocidade para a ponta da camionete, para fazê-la rodopiar com a batida e passarmos. Só ouvi o grito:

- Se segura.

Ele bateu com força, a camionete, rodopiou um pouco, dando brecha para passagem, rapidamente, entramos à esquerda no cruzamento. O nosso veículo escolta permaneceu no local, trocando tiros e retendo a movimentação dos bandidos. O caminho foi modificado, avisando pelo rádio o carro escolta e a base. Seguíamos em uma velocidade louca, por pequenas ruelas e travessas, nos distanciando das vias principais, mas seguindo cada vez mais em direção de casa.

Alguns quarteirões depois, o carro escolta se aproximou do nosso, informando que estar tudo bem, pediu para passar a nossa frente, pois nos aproximávamos de casa e queriam garantir que o perímetro de chegada estivesse tranquilo.

Desde o primeiro momento, do ataque, Rosa adquiriu a forma de esfinge, dura, olhando com olhos de águia, firme, sem nenhum sorriso e nem demonstração de medo.

Ao chegarmos em casa, conversou com os seguranças, que já haviam comunicado as autoridades. Entrou. Disse que ia tomar um banho. Em verdade encheu a banheira de água quente e ficou por lá por um bom tempo.

Ao sair, voltou com a mesma cantilena, de que eu não deveria ficar por lá. Disse que nos próximos trinta a quarenta dias se daria o andamento do final do processo. Não me queria por perto. Deu-me um beijo de boa noite e avisou para que eu não estivesse na casa, no dia seguinte, pela manhã. Que fosse embora cedo. Solicitou ao Santiago que monitorasse minha saída. Foi para o quarto e pediu que eu dormisse no de visitas. Fria, como uma esfinge egípcia.

Minha noite foi turbulenta de sentimentos, envolvendo muito medo, por mim e por ela. Revi na mente o que passamos. Não era possível que a bandidagem estivesse nos roubando a vida.

Os trinta dias seguintes, foram agitados e temerosos. A cidade reforçou a segurança, por todos os lados, inclusive com o apoio de força-tarefa composta de policiais do Brasil e do Paraguai. Temiam que os grupos tentassem, em uma ação mirabolante, resgatar o chefão. A segurança era forte nos dois lados da fronteira.

Nesse período, só nos vimos uma vez e graça à forte insistência minha. Passamos sábado e domingo conversando, como se necessitássemos explorar a permanência juntos, o máximo possível.

Depois, dessa ocasião, só conseguia ter notícias pelo Santiago. No final do processo Molinete, mais cinco braços direitos e alguns sicários, foram condenados, entre 20 a 25 anos de prisão. Foi um forte golpe. A polícia paraguaia, mais, a brasileira, manifestaram parabéns ao sistema judicial paraguaio pelos resultados. O fato foi notícia que correu o mundo.

Acabamos, nos encontrando. A ânsia de saciar nossos desejos e de maximizar nosso querer, dominou o sábado. No domingo cedo, a encontro sentada no sofá, com um copo de café na mão e olhando a jardinagem.

- Marco, faz quatro anos que não vejo meu filho. Tenho que ir a uma reunião das polícias e judiciários do cone sul em Bogotá. Na volta, tirarei quarenta dias de férias, encontrarei meu filho em um país da Europa e passearemos junto. Não sei quando poderei fazer isso novamente. Quanto a nós, aqui termina a nossa história. Não quero que você faça parte do que possa haver de triste nela. Sei que me ama, como eu te amo, mas este é um sentimento que não podemos nutrir entre nós. Não me encontrarei mais contigo. Você passará a fazer parte das lembranças.

- Calma, tira férias, viaja e na volta conversamos.

Levantou, me abraçou, como se fosse a última vez, pegou o automóvel que a esperava e saiu. Tive que catar minhas coisas e voltar para Dourados.

Após duas semanas de tristeza e de desejo de vê-la, soube por Santiago, que ela sofria com nossa separação, mas não se queixava. Via-se no semblante. Minha esperança era encontrá-la antes da viagem para a Europa. Retomar nosso amor e reatar nossas vidas juntos, quando voltasse da viagem.

Estava em Bogotá e voltaria no próximo fim de semana.

Estou no escritório em Dourados, quando a secretária diz para ligar a televisão rapidamente. Vejo a notícia: “Juíza Ana Rosa Vallenjuelos, sofreu atentado no aeroporto de Ponta Porã, em retorno de viagem a Colômbia”.

Busco notícias na internet. Falam do atentado, mas não relatam o estado da juíza. Tento falar em seu celular, que não atende, e resolvo ligar para o Santiago, que rapidamente me atende.

- Santiago, como ela está? – pergunto gritando.

Um grande silêncio recai sobre nossa conversa. Noto que ele tem dificuldade em se expressar.

- Como, como aconteceu? Ela tem você de segurança, como conseguiram?

- Um pouco antes do desembarque, ela vestiu o colete à prova de balas, por baixo da jaqueta. Teve prioridade no desembarque. Um pessoal da equipe pegaria sua bagagem. Iriamos sair por uma área aparte. Ocorre que os narcotraficantes estavam a posto, tendo inclusive pessoal do aeroporto com eles, e avisaram a imprensa, que correu para essa área. Tratamos de isolar a imprensa em um canto. Nesse momento o bandido, se aproximou rapidamente e deu dois tiros. Imediatamente reagimos e ele foi morto. A levamos rapidamente para o hospital.

- Como ela está? – pergunto, quase gritando.

- Um dos tiros pegou no colete e o outro no ventre. Ela está sendo operada, para retirar a bala e verificar a extensão do dano.

- Quando posso vê-la?

- Não pode. Toda a área que ela está, no hospital, está interditada. Só os médicos e enfermeiros, mais, a segurança. Não queremos que teu nome seja associado ao dela, senão você também poderá correr riscos.

A notícias, nos dias seguintes, davam informações dela estar entre a vida e a morte, não detalhando o estado. Sobre o atirador, descobriram, que tinha penas pesadas a pagar, junto ao grupo de Molinete, por desvios de drogas da quadrilha. Ele sabia que era matar e morrer.

Foram dias de dor, entre a realidade e o desejo que tudo não passasse de um pesadelo. As notícias surgiam mais claras nos jornais, o que fazia o meu sofrimento aumentar.

Passadas três semanas, recebi um telefonema de Santiago.

- Te ligo, a pedido de la doutora. Ela está bien, pero deverá se afastar, para se tratar. Como sabes, ela deseava fazer una viagem, por uns meses. Ella ficará fora del circuito. Pedió para dizer que te ama, mas não quiere, nunca mais te encontrar. Sabes el por quê.

Foi a última vez que tive contato com o Santiago. Ela viajou e por um bom tempo não surgiu notícias a seu respeito. Tentei contato, procurei no fórum e nada dela. Após seis meses, noticiaram que ela voltara a atividade, mas, que o governo a transferira para a capital, Assunção, onde iria presidir um grupo de policiais e juízes, no combate a lavagem de dinheiro.

No primeiro ano, tentei contatos, que me eram barrados. Fui a Assunção, para tentar algo pessoal, mas, não consegui. O máximo que encontrei, foi Santiago, à distância, que me viu, mas fez que não com a cabeça. Desisti.

Tentei, nos próximos meses, tirá-la da cabeça. Larguei o escritório de Ponta Porã, com um novo sócio, que encontramos na cidade, e voltei para Campo Grande. Tratei de voltar a uma vida social normal. Estive com algumas mulheres, mas, em nenhuma encontrei o que sonhava. Ou seja, ela. Meus sócios, que posteriormente, souberam de minha relação, tratavam com suas mulheres e amigos, de apresentar mulheres, para que me enamorasse e começasse uma vida nova. Passaram-se três anos. Cheguei a viajar de férias, por duas vezes, com mulheres com quem tinha um relacionamento mais intenso, mas nada engrenava. Meus sócios diziam que eu era um caso perdido.

Adquiri uma pequena chácara, as aforas da cidade, onde me recolhia nos finais de semana, com meus cães, minhas flores, meus livros e minhas lembranças. Ocasionalmente, alguns amigos, para um churrasco, algumas pescarias na redondeza e algumas bebedeiras.

Em um sábado o telefone toca e atendo:

- Marcos?

Aquela voz, não pode ser! Ilusão minha, fruto dos meus sonhos. Imagens passam em minha cabeça.

- Rosa, é você?

- Sim.

Um grande sorriso se abriu em meu coração.


amaad

11/13/23

QUEM COMEU MAINHA?

 

Está história foi inspirada no conto de Carlos Batista Pereira “A mulher do padeiro”

 

O título parece provocativo, pois o sentido de comer é o popularmente utilizado para uma relação sexual. Pelo título já se sabe qual a grande resposta que se buscará na história. O leitor saberá de prima quem comeu Mainha, aliás nome pelo qual carinhosamente se chama a mãe no nordeste de nosso país. Mas, qual será a reação de alguns personagens ao saberem a resposta?

Nesta história teremos a oportunidade de conhecer, um pouco, como a moral pode variar em sua interpretação.

Busco histórias para colocar no papel, pois vejo como uma forma de perpetuar momentos, sentimentos e a arte de se viver. A realidade está sempre escondida por trás de farsas, pastelões, dramas, mas, sempre como uma faca apontada para o coração dos personagens. Eles se parecem muito, somente mudando os endereços, roupas, dores e alegrias, mas com a insana, maravilhosa, dolorida, triste, empolgante e, às vezes, inexplicável forma de viver.

Esta história me custou vários pratos de torresmo, ovos coloridos e goles de branquinhas. Foi contada por um dos principais personagens. Perdoe-me os leitores, mas em alguns momentos, não resisti e permiti que minha mente voasse por situações, que não foram citadas ou detalhadas, mas que instigaram a minha imaginação de escritor. Carlos Pereira, meu amigo, escritor especialista em romances históricos, me disse: quando temos uma inspiração, surgida seja da onde for, precisamos deixar a imaginação correr, pois o que preenche a vida de um escritor é escrever. É o que vou fazer.

Areia Santa, nos anos de 1960, era uma cidade de 2.000 habitantes na costa norte do Ceará, próximo ao Piauí, a quatro horas de ônibus de Fortaleza, que só ia uma vez por semana para o local, por um bom pedaço de estrada de terra, no meio da Caatinga. Era um paraíso, com suas praias desertas, os coqueirais, dunas e alguns remansos que se formavam junto ao rio que descia da Serra de Ibiapaba, e que de tempo em tempo, secava no seu caminhar, obrigando durante o ano, que os moradores guardassem água.

A cidade se formou de uma vila de pescadores, que teve seu início com pesca de curral e de lagostas por armadilhas, chamadas manzuás. A pesca de curral, era a tradicional, feita através da construção de cercados próximos à praia, para quando a maré baixasse os peixes ficassem presos. Em determinada época, houve uma piora nos currais, afetando os vaqueiros do mar, o que os levou a desenvolverem a pesca de linha. Com isso, havia uma boa quantidade de embarcações, canoas, jangadas, paquetes e botes, que variavam nas suas estruturas conforme o tipo de pesca. A de alto mar era chamada de pesca de fora, e de terra, a próxima à praia. Uma se praticava no mar de fora e a outra no mar de terra, na linguagem dos pescadores. 

Graças aos bons resultados que a pesca trouxe, pouco a pouco, a cidade crescia, inclusive com a vinda de pescadores de outras cidades como Mandau, Sabiaguaba, Baleia e outras. Uma embarcação, três vezes por semana, passava pela cidade e levava os peixes e frutos-do-mar para Fortaleza.

Os que não trabalhavam na pesca, o faziam nas terras do Coronel Cupertino, dono de extensões na região. Possuía cultivos de feijão, milho, mandioca, banana, babaçu, carnaúba, além dos grandes coqueirais. Era, também, proprietário de grandes rebanhos de cabras, necessitando de mão de obra para cuidar dos chiqueiros, ordenhas e aproveitamento do leite, gerando produtos que transportava para a capital.

Era uma cidade pacata, possuindo a Igreja de Bom Jesus, cujo pároco era o Monsenhor Dárcio, extremamente conservador, protegido do Coronel Cupertino, que resolveu viver os últimos anos de vida na região, visto já ter 82 anos. Na praça principal, de frente para o mar, onde se realizavam as festas da cidade, estavam a Igreja e as casas das pessoas mais importantes. O traçado da cidade se compunha da praça, das ruas que dela partem e as paralelas. A maioria dos pescadores, viviam no bairro do Encantado, localizado próximo ao mar em uma vila própria, à direita do centro da cidade.

Na praça, um dos pontos principais é o bar, mercearia, farmácia, material de pesca, ferramentas, agropecuária, ou seja, tudo o que se precisa na cidade em um lugar só. Estabelecimento de propriedade do Deoclécio, que quando não tem o produto, encomenda e traz através dos barcos. Deoclécio, um dos personagens principais de nossa história, tem 72 anos e está na cidade, desde que era um pequeno povoado, tendo começado como pescador e em pouco tempo tendo aberto  uma pequena venda. É extremamente respeitado e querido na cidade, ao ser, praticamente, o médico e veterinário, indicando medicamentos. É casado com Mariana, com 40 anos menos que ele.

Quando ela tinha 15 anos, se engraçaram e abusando da sua inocência, acabou engravidando-a. Só não sabia as consequências. Um dia entra em sua venda Justino, cabra-da-peste, jagunço do Coronel Cupertino, com um trabuco pendurado nas costas e uma peixeira na mão.

- Filho de uma égua, você buliu com minha filha, era moça e você fez mal. Descabaçou a menina e ela não vai virar quenga. Ou casa, ou morre.

Tremendo e com um olhar de medo, pois, não sabia que o jagunço era pai de Mariana, teve que dizer sim. No fundo, ficou contente, pois, gostava dela, além de ser uma menina apetrechada, um pitéu. No futuro iria desabrochar em uma linda mulher. Era sopa no mel.

Casaram, com dezesseis anos ela foi mãe de Washinton. O garoto era cuspido e escarrado a cara do pai. O menino, agora com dezesseis anos, tendo completado os estudos iniciais na cidade, na escola que a comunidade mantém, pagando e dando moradia e comida para dois professores da capital, fora mandado para a capital, à casa de uma prima, para continuar os estudos e se formar advogado. Ser um doutor, como dizia o pai.

Quando criança, Washinton chamava a mãe de Mainha. Era tanto Mainha para cá, Mainha para lá, que até Deoclécio, também, começou a chamar Mariana de Mainha. Como a cidade toda circulava pelo seu estabelecimento e ele se referia a mulher por esse nome, começaram a lhe chamar assim. Pouca gente, hoje, deve se lembrar do seu verdadeiro nome. Duas vezes, por semana, à noite e no domingo pela manhã, Mainha costuma ir à missa, onde participa da Legião do Sagrado Coração de Jesus. A presidente, Dona Joana, por não ter uma filha, tem por ela um amor de mãe. Não é difícil alguém não gostar dela. É uma mulher delicada no falar, com um olhar brilhante e um sorriso cativante. Atende a qualquer um que lhe solicite ajuda, estando sempre disposta, com isso, muito querida na comunidade.

O que ninguém sabe é que tem dentro de si um fogo ardente de desejo. Está com 32 anos, na plenitude como mulher, e tendo o marido com 72 anos. Muito carinhoso, atencioso, mas, negando fogo. Quando se deitava à tarde, depois do marido almoçar e retornar ao trabalho, no escuro do quarto, sentia uma força correndo pelo corpo, levando a pensamentos prazerosos, que lhe tomavam o peito, aguçando o ventre e umedecendo o sexo. Era algo que nunca sentira com o marido. Corria a mão pelo corpo, tendo reações desconhecidas. Todos os poros reagiam ao seu toque e se transformavam em gemidos, até atingir o ápice, prostrando-a na cama. Ficava longos momentos curtindo a sensação de bem-estar e relaxamento.

Dona Joana, presidente do Coração de Jesus, mulher madura e sábia, curtida da vida por uma separação, uma viuvez e três filhos criados, um dia disse a Antônia, sua amiga íntima da Legião:

- Antônia, estou preocupada com Mainha. Mulher bonita, bem formada de corpo, plena de vida e um marido velho, que deve negar fogo na cama. Isso me preocupa, ainda mais que está sozinha, o filho foi para a capital. Como o povo costuma dizer, é uma viúva de marido vivo. A mulher se entristece, fica borocoxô ou acaba corneando o marido. Homem nenhum gosta de ter um chapéu de toro. Pode dar em morte.

Deoclécio era arriado por ela e tinha um grande ciúme da mulher. Temia o assédio dos homens, por isso, pedia que fosse ao estabelecimento, somente quando necessário. Sabia da beleza da mulher, tanto, que quando tomava banho de mar com algumas mulheres de pescadores, como não tinham roupa de banho, entravam de vestido no mar, no momento que saiam, ele sentia o olhar de desejos dos homens em Mainha. Seios rijos, mamilos saltando do vestido, a saia grudando na bunda e marcando as formas bem proporcionais, tanto na frente quanto atrás. Tinha cabelos pretos até os ombros, olhos da mesma cor e uma pele jambo, que pelo sol tornava-se dourada. Sempre que podia, criava um empecilho para que a mulher não fosse para o mar. Mainha ria e brincava como uma criança inocente. Ela não lhe dava nenhuma razão para suspeita. Estava sempre animada e amorosa com ele. Cuidava de tudo que envolvia sua pessoa com muito carinho. Vivia lhe procurando na cama, mas aí estava o perigo, não estava dando pro couro.

Surgiu em Areia Santa uma pessoa nova no pedaço. Normalmente, qualquer um chamaria a atenção, mas no caso em questão, chamou ainda mais. Era um homem pintoso, em torno dos quarenta anos, com barba bem aparada e vestia-se bem. Era alto, 1,74 m, mais ou menos, magro, com um olhar firme e um leve sorriso, e muito atraente. Logo souberam que seu nome era Renato e estava a serviço do Coronel Cupertino, tanto que morava em uma das casas de sua propriedade. Podemos imaginar o festival de comentários que correram o povoado, fora o frenesi entre as mulheres solteiras e algumas casadas. Ele mal parava na cidade, diariamente se dirigia as fazendas do Coronel.

O corre, corre de informações e boatos, logo soube que era advogado, morava na capital, era casado, tinha mulher, um casal de filhos e cuidava dos diversos negócios do Coronel. Permaneceria alguns dias na cidade, tendo que viajar para outros locais, onde o Coronel possuía negócios. Quando na cidade almoçava na casa da Marola, em um acerto que devem ter entabulado, não sendo visto pelas ruas à noite. No bar do Deoclécio, parou uma vez, quando tomou um café com leite e comeu uma broa de milho, trocando alguns dedos de prosa. A impressão que deixou foi boa.

A casa onde Renato se hospedava, ficava no terreno nos fundos da casa de Mainha, tendo frente para a outra rua, e como a dela e poucas da cidade, possuindo um andar superior. Alguns dias após a sua chegada, estava Mainha no quarto superior, se trocando, passando em frente a janela de calcinha e sutiã, quando reparou, que ele estava parado na janela observando. Rapidamente, correu para um dos cantos se escondendo. Ela sabia quem era pelos comentários que escutara, entre as mulheres na igreja, e por vê-lo à distância. Ficou envergonhada, pensando na cena. À noite, na cama, quando Deoclécio pegou no sono, pelo cansaço do dia de trabalho, que normalmente era extenso, ela começou a divagar. A ideia de se imaginar observada em roupas menores lhe aqueceu o corpo, gerando pensamentos úmidos. Teve dificuldade em pegar no sono.

No dia seguinte, no mesmo horário do anterior, um pouquinho depois do almoço, quando Deoclécio voltara para o trabalho, olhou pela janela e não viu ninguém na casa ao lado. Resolveu passar creme no corpo e preferia o quarto do fundo pela luminosidade que entrava pela janela. Lentamente foi cuidando de si. Repentinamente, notou, pelo canto do olho, que ele a estava observando. Teve um estremecimento. Sua primeira reação foi  correr e sair da vista, mas parou, continuo lentamente a passar o creme e usufruir do prazer de estar sendo vista em roupas íntimas. Teve uma sensação de plenitude. Sabia que tinha um corpo perfeito, pois, notava os olhares que se voltavam quando passava pela rua, o quanto o seu marido ficava agitado quando saia do mar com a roupa molhada ao corpo. E o principal de tudo, o espelho lhe dizia a verdade. Era uma mulher na maturidade de ser mulher. Quando terminou, se retirou, se vestiu e se sentiu extremamente estranha e excitada. Depois, adveio um grande sentimento de culpa. Como podia ser tão desavergonhada, como podia fazer aquilo, manchado a hora do seu marido? Ela era uma mulher casada e bem casada e mãe de um filho maior. Foi uma noite de sono dificultoso na fronteira da vergonha e do prazer.

Como escritor, permitam interromper, não querendo interromper, mas, já interrompendo. Quero relembrar, sendo uma linda mulher, abusada aos quinze anos, mãe aos dezesseis, teve que casar com um homem quarenta anos mais velho, que sempre a tratou bem, dando uma boa condição de vida, mas, já por um bom tempo não se apresentando plenamente na cama. Lembro que estamos em uma região impregnada de machismo onde a mulher estava para servir o homem. Na cama, após uma rápida relação, eles se voltavam buscando o sono e deixando as mulheres perdidas, a meio caminho de um prazer mais intenso, fazendo-as se sentirem meras receptoras dos seus gozos. Os desejos, se perdiam no ar.

- Vai continuar a história ou vai ficar na prosopopeia? – grita alguém.

Calma já continuo. Ocorre que isto tudo me foi contado por um homem, que pôde transcrever o que sentia na época. Entretanto, Mainha, sendo a personagem principal da história, com ela não conversei. Portanto, tenho, no meu dever de escritor, relatar o que ela, possivelmente, vivia, valendo-me dos meus parcos conhecimentos sobre as sutilezas e complexidades de ser mulher. Dizem que os autores definem os destinos dos seus personagens. Neste caso, o destino já estava traçado, pois, estou narrando algo já acontecido, mas a personagem agarrou-me pelos sentimentos e intercederei por sua pessoa, tentando mostrar o que lhe acontecia na alma. Continuando.

Passaram-se algumas semanas em que Renato não estava na cidade. Fora para o sul do estado, tratando de negócios para o Coronel. Mainha não precisou perguntar por ele, os comentários brotavam como se fosse água em tempo de chuva. Aquele período acalmou sua dor de consciência, enquanto no corpo desejos tenebrosos se avolumavam, levando a buscar prazeres solitários. Sentia como se estivesse vivendo entre o céu e o inferno. Havia momentos de paz, afastando maus pensamentos e se agarrando nos conceitos morais de ser uma mulher casada, em outros, ardia no fogo do desejo. Não bastava lavar o rosto ou tomar banhos de água fria.

Após algumas semanas, ele retornou à cidade. Por vários dias não havia ninguém na casa à tarde, mas em um deles, lá estava, no quarto, sentado em uma mesa escrevendo, de frente para janela, onde de quando em quando levantava os olhos. Em determinado momento, seus olhares se cruzaram. Foi como se uma faísca tivesse se interposto entre os dois. Ela correu por todo o corpo de Mainha, o coração acelerou, a respiração se tornou ofegante e um calor se espalhou. Tratou de se retirar rapidamente da janela. Desceu, foi a cozinha beber água, abriu mais a janela e sentou para se acalmar.

Bateram na porta. Estremeceu. O normal era baterem palmas. Os pensamentos correram para vários lados. Não sabia bem o que pensar. O coração disparou. Agoniada foi abrir. Era ele. Lindo, sorridente e brilho nos olhos.

- Boa tarde, posso entrar?

Após um ligeiro vacilo:

- Pode, senta, quer algo pra beber?

- Aceito, um copo de água.

Foi buscar, teve dificuldade no andar, sabia que a observava. Reparou estar com uma simples roupa de estar em casa, bem leve, pelo calor, com os seios em um decote generoso.

- Vou colocar um roupão, não estou arrumada.

- Não. Você está linda assim.

-  Não me olhe assim. O Senhor deveria ter tido, outro dia, a decência de não ficar me olhando pela janela.

- O belo sendo mostrado, deve ser visto.

Ela bem próxima, após entregar o copo de água. Os olhares trocando mensagens ardentes. Ele se levantou e delicadamente beijou seus lábios. Não resistindo, ela o abraçou e entregou totalmente a boca, a língua e os gemidos. Corpo com corpo, desejos transpirando pelos poros. As mãos dele correndo pelo tecido, pelo decote, soltando os seios para serem usufruídos pelos lábios, descendo e levantando a saia, entrando pela calcinha, gerando mais desejo.

O pegou pela mão e correu para o quarto. Roupas foram sendo tiradas no anseio de se verem e tocarem. Botões saltaram pelo ambiente. O som forte da fivela do cinto no chão, sapatos, meias, sutiã que se rompe, calcinha alargada no elástico e tirada fora no movimentar das pernas. O contraste dos cabelos negros e do corpo dourado de Mainha, com o branco, quase ruivo de Renato, formavam um quadro de sensualidade e de beleza. A amplitude de seu sexo, o toque, a penetração sôfrega, inicialmente, e aos poucos gradualmente, compassando os desejos de ambos, enquanto as línguas se entrelaçavam e os lábios só espremiam gemidos e desejos. O ápice, teve que ser abafado com a mão, para que não se espalha pela casa. Sentiu-se plena, desejada, satisfeita e de uma forma inusitada, relaxada, como se todos os músculos do corpo estivessem em estado de torpor.

Os dois, quando ele estava na cidade, passaram a se encontrar uma ou duas vezes por semana. Ele vinha no horário da tarde, chegando à casa pelos fundos, passando pela cerca, de forma que não fosse visto.

No dia a dia Mainha sentia-se renascida. Participava na missa e nas atividades do Coração de Maria com um ânimo novo. Estava sempre disposta para tudo e para os que necessitassem de sua ajuda. Atendia tanta gente que começou a ser chamada de Mainha dos pobres.

Dona Joana, presidente da Legião, comentou com a amiga Antônia:

- Reparou com Mainha anda com uma expressão de satisfação, alegre e bastante animada com as nossas atividades? Tem um novo ar no rosto, parece mais jovem, parece ter renascida. Espero que não esteja fazendo bobagem.

Suas suspeitas se aguçaram, quando voltando com Antônia, da casa de uma das famílias assistida, pela rua de Mainha, viu o advogado Renato, sendo recebido e colocado para dentro. Após uma vista pela rua para ver se alguém os viu, o olhar de Mainha se encontrou com o de Dona Joana. No dela, um olhar de apavoramento, no de Dona Joana, de espanto. Renato, excepcionalmente, viera pela frente, pois o Coronel Cupertino ficara na casa, onde resolveu tirar uma soneca, para depois seguir viagem para a fazenda. Não queria ser pego atravessando a cerca.

Mainha, alegando indisposição, pediu a Renato que voltasse outro dia. O medo tomou sua mente. Viu seu nome sendo colocado junto a Legião e ao padre, vazaria pela cidade e a honra de seu marido iria para a lama. Como reagiria Deoclécio? Como poderia andar de cabeça erguida pelos lugares? Quando o marido chegou do trabalho, colocou a janta e alegando mal-estar foi deitar. Uma noite mal dormida, dominada pelo terror do que poderia acontecer. O inferno apresentava-se a sua frente.

No dia seguinte, pela manhã, recebeu um recado de Dona Joana, para ir à sua casa. Teve uma gastura indo ao banheiro, quase botando os bofes pra fora. Precisou deitar um pouco, após tomar algumas gotas de maracujina. Finalmente, não tendo mais como adiar, levantou, tomou um banho, vestiu uma das roupas com que frequentava a igreja e jururu foi para lá.

- Bom dia.

- Bom dia, entre – a recebeu Dona Joana – senta. Quer um café?

Aceitou e tomou, mal comendo um pedaço de bolo que recebeu, e escondendo o tremor que tinha nas mãos segurando o pratinho.

- Mainha, você sabe que vi o Dr. Renato entrando na tua casa. Que diabéisso que você está fazendo? Não sei a relação de vocês, mas pela minha experiência e vendo tua alegria ultimamente, tão animada, imagino o que está acontecendo. Fique tranquila, não estou aqui para reprovar, mas para alertar. Tu sabes que tenho uma estima de mãe para filha contigo. Admiro a força como levou a vida, apesar da pouca idade. Não sei até onde o Deoclécio é uma pessoa violenta. Ele pode ficar abilolado. Você sabe que homem nenhum nesta cidade quer ter sua honra manchada. Já tivemos casos de morte.

- Eu sei.

- Mulher, por aqui, vale tanto quanto uma cabra. Teu marido é velho e você nova, precisando satisfazer o fogo das entranhas. Caso alguma coisa de ruim acontecer, a culpa será tua. Dirão que teu marido estava limpando o nome. Temo pelo que pode acontecer, minha filha. O povo é muito enxerido, parece, que ainda não notaram o que está acontecendo, senão os fuxicos estariam correndo e você estaria na boca do povo. Pare enquanto é tempo.

- Dona Joana, a senhora sabe a estima que lhe tenho. A quero como mãe e confidente. Nisso tudo, fico triste e preocupada pelo Deoclécio, sendo um homem bom, um excelente marido. Não sei se consigo parar. Eu renasci. Com o Renato, não é só a carne. Quando nos deitamos, o desejo, a delicadeza comigo, os carinhos e a vontade de me fazer feliz, me levam a me sentir mais mulher, em todo sentido. Prefiro a morte que viver o inferno que vivia dentro de mim.

Dona Joana, entendendo tudo que se passava dentro de Mainha, mas, receosa do que poderia acontecer, olhou-a com um ar de tristeza e rogou que tomasse muito cuidado e a abençoou.

Deoclécio notava as mudanças em sua mulher. Começou a esquentar a cabeça começando a achar que a mulher estava tendo ou tivera um caso.

- Será que Mainha está coisando com alguém, me corneando?

Aperreado, não conseguia prestar atenção no trabalho.

- Quem comeu Mainha?

Não sai da sua cabeça essa possibilidade. Na venda, ficava assuntando as conversas das pessoas quando estavam bebericando e conversando, tentando ouvir algo. Pegou o revólver que tinha guardando, em um canto escondido do estabelecimento, limpou, engraxou e colocou balas. Temia ter que usá-lo. Andava mal-humorado. A clientela reclamava que ele estava mudado.

Em casa, era recebido por Mainha, com muito carinho, cheia de afagos e beijos. Na cama, ela procurava seus braços, o calor do seu corpo e corria suas mãos por ele. Sempre fora assim, mas agora, tudo parecia querer esconder algo. Mainha, notava a mudança nele e temia o que isso poderia representar. Por sua vez, Deoclécio, decidiu dever descobrir o que estaria acontecendo.

Deu algumas saídas, sob algumas desculpas, deixando, por momentos, o estabelecimento na mão de um dos empregados, e escondido, observou a casa em horários diferentes. Chegou a conclusão, se algo estivesse ocorrendo, seria à tarde, quando voltava do almoço.

Numa das tardes, antes de retornar para o trabalho, depois do almoço, tratou de correr a cortina da janela da sala, por onde poderia ver, de fora, se havia alguém no andar de baixo. Deixou a porta de entrada destrancada e mexeu nas fechaduras dos quartos, de forma que não pudessem ser trancados, a lingueta não funcionando, obrigando a porta ficar, simplesmente, encostada.

Retornou mais tarde, olhou pela janela, não havia ninguém no andar de baixo. Trocou o revólver do bolso do paletó para a cintura. Abriu a porta que estava destrancada, não fazendo barulho, e pé ante pé entrou. Subiu silenciosamente a escada. No andar de cima, ouviu ruídos, risos e palavras que vinham do seu quarto. Foi se aproximando sorrateiramente e com um leve empurrão na porta abriu uma fresta. Lá estavam Mainha e Renato nus na cama.

Os dois enroscados em seus desejos não tinham ideia do que ocorria fora do quarto. Mainha satisfazendo o fogo que tinha dentro de si, e sentindo-se plenamente mulher. Renato, por si, tinha pela mulher e os filhos verdadeira adoração, mas, aqueles momentos serviam para refazer o ânimo, abafar a lembrança e o desejo da esposa, fora que gostava de Mainha. O trabalho o fazia a ficar até dois meses longe de casa. Era muita pressão por parte do Coronel Cupertino e do constante deslocamento por suas diversas propriedade.

Mainha acredita ouvir um ruído. Desconfiada pela mudança de comportamento de Deoclécio e preocupada com as palavras de Dona Joana, fica com respiração suspensa e os ouvidos aguçados. Renato lhe pergunta se ocorreu algo, ao sentir a sua mudança. Respondendo que não o enlaçou em seus braços, calou sua boca com beijos e o sentiu dentro de si. Ficaram em um suave balanço, com ela mantendo os sentidos em alerta. Se tivesse que morrer, que fosse naquele momento.

A tarde avançou alertando a hora de se separarem. Renato saiu pelos fundos, após um longo beijo. Mainha, sabia que algo acontecera, não sabia o que. Na cozinha não havia ninguém e tudo estava igual. Acalmou-se. Quando foi a sala, seu coração disparou.

Bem tarde da noite, Deoclécio retornou à casa. Veio pelo caminho ruminando o que havia acontecido. Tinha receio de encarar o que iria encontrar. Tudo estava apagando, diferente que o normal. Um silêncio tumular cobria o ambiente. O coração disparado. Com a chave na mão, permaneceu indeciso de entrar. A razão dizia dever fazê-lo, mas, os sentimentos diziam que não. Foi um momento difícil, a pulsação a toda, a cabeça doendo, os dedos da mão apertando fortemente a chave e o peito oprimido como por um abraço mortal.

Abriu a porta e acendeu a luz. Lá estava ela!

Na poltrona, com o rosto crispado de preocupação e tendo a sua frente na mesinha de centro o revólver de Deoclécio, lá estava Mainha. Com a voz tentando exprimir calma, mas falhando na ansiedade, perguntou:

- Deoclécio, o que este revólver está fazendo aqui? Sempre ficou no armazém?

Ele, com uma voz que não mostra a sua normal força, responde:

- Faz tempo que ele estava guardado e resolvi limpar e engraxar e acabei esquecendo aí.

Ela se levantou, foi até ele, e olhando em seus olhos, tendo os seus cheios de lágrimas, que principiavam a escorrer, o abraçou. Deoclécio a aninhou nos braços, sentiu o cheiro do seu cabelo, a maciez e o perfume do seu corpo, pensou:

- Como posso matar esta mulher? Ela é a razão da minha vida. Vale mais que minha própria. Não saberia viver sem ela, sem os seus carinhos, as palavras de apoio e estímulo. Como levantar cada manhã e não a ter a meu lado? Eu morreria um pedaço cada dia. Pensei em acabar só com ele. Mas a imagem, que vi pela fresta da porta, deitada de frente para ele, com a cabeça sustentada pelo braço e conversado, mostrou uma mulher alegre, com um olhar de satisfação e de carinho. Se eu o mato, haverá sempre, entre nós, uma nuvem negra. Perderia a mulher que amo, da mesma forma.

Mainha, que costumava, às vezes, preparar algo para o café da tarde e levar para o marido no estabelecimento, passou a fazer com mais frequência, usufruindo não só ele, mas todos os que por lá estavam. Eram cuscuz, bolinhos de chuva, bolo de fubá, curau, pamonha e outras iguarias que deixavam todos com água na boca. Juntos tomavam café e trocavam conversas. À noite o esperava em casa com a comida do seu agrado, cheia de carinhos e beijos.

Me desculpem interromper novamente. Como escritor, tenho que me defender. Tem gente me criticando pelo final, em uma época, em que o machismo era exacerbado, principalmente no interior do nordeste. Quero lembrar que narrei o que me foi contando e assim terminou o relato. O confidente destes fatos foi o Renato, que após três anos em que viveram uma relação maravilhosa, teve que se mudar para o Sul do país. Sem dúvida, tive muita simpatia pela personagem. Graças à licença, que me é dada, como escritor, posso supor a intimidade dos fatos, o torvelinho dos sentimentos que envolvem os personagens. Caso alguém não gostou, paciência. Eu do meu lado darei mais uma pitada final.

O amor e o carinho, entre eles aumentaram, a busca por ela na cama, nem que fosse só por carinhos, se intensificou. Ela entendia, o quanto ele, queria lhe fazer feliz. Para maior estímulo, fazia comidas afrodisíacas, principalmente caldos de frutos-do-mar, que apresentavam melhores resultados. A vida, entre eles, adquiriu novas cores.

Um dia a colocou no colo e olhando nos olhos, com muito carinho, disse:

- Um filho, que um dia você possa ter, eu irei querer com muito amor.

Ela sabia o quanto ele sempre quis ter mais um filho, mas, mais que isso, entendeu o que quis dizer e com lágrima nos olhos, lhe deu um beijo.


mmhad