12/12/23

SEPARADOS, MAS TODOS JUNTOS

 


Este conto foi inspirado em um fato real.

O nome dos personagens, o andamento dos acontecimentos e seus detalhamentos são fictícios, porém, o companheirismo, o respeito, a cumplicidade e o amor são verdadeiros.

 

Há nove meses morrera Costa, marido de Alba. Foram 24 anos juntos. Ela foi tomada pela dor da ausência, a vida perdera as cores. A casa, anteriormente viva, com a presença dele, onde, sempre fazia algo novo e diferente com seus passatempos, admirando a todos  com seu bom gosto e esmero, agora se mostrava morta. Antes, cheia de familiares nos almoços, repleta de amigos nas festas e churrascadas, regadas a conversas, cantorias e muito riso, tudo se fora.  Ele era um catalisador de pessoas.

Ela se isolou, recolheu-se numa tristeza, que a tomava, desde que acordava até o momento em que se deitava. Seguia, mecanicamente, para o trabalho. Era advogada. Era o pouco de contato que desejava, o profissional. Deixou de ir aos bares e restaurantes, que frequentavam a sós ou com amigos, em encontros que adentravam a noite.

Algumas visitas, que foram rareando, tentando animá-la. O único que frequentemente a visitava, com a esposa, era o Osvaldo. Amigo de juventude do marido, pessoa que esteve mais próximo no momento do falecimento. Era querido por suas filhas, sendo padrinho da mais nova.  Fora, sempre, uma presença constante na família. As filhas, por sua parte, frequentemente, apareciam, tentando animá-la, mas sem sucesso.

Em um dos finais de semana, estava Alba envolvida na solidão da ausência, deitada em uma cadeira de descanso, na área da churrasqueira, que ficava em uma varanda, separada da casa, meia dormida, meia acordada, quando Costa apareceu, subindo as escadas para a churrasqueira, apontando para o relógio e dizendo:

- Onde está a comida? Você está atrasada. As pessoas chegarão logo. Tudo já deveria estar pronto.

Nesse momento, Alba, como um choque, acordou do torpor em que estava. Seu falecido marido estivera ali, o que será que quis dizer com a frase:

- Tudo já deveria estar pronto.

Uma mensagem, para procurar os amigos? Ter uma vida social? Voltar a viver? O que terá desejado dizer?

- As pessoas chegarão logo. Tudo já deveria estar pronto – afirmava ele.

Passou um bom tempo, imaginando se sonhou ou se realmente lhe apareceu.

No final do dia, seu amigo Osvaldo e a esposa Carminda, foram visitá-la, levando um bolo para animá-la. Cafezinho e bate papo. No meio da conversa Osvaldo diz:

- Alba, sou de opinião que o Costa gostaria que você revisse o pessoal. Este pensamento não me saiu da cabeça, durante a noite.

Alba, surpresa, relata o que acontecera, algumas horas atrás, quando estava meio que dormida.

- Isto é uma mensagem do Costa. Osvaldo, façamos uma churrascada. Você convida os amigos e toca a churrasqueira?

- Sim.

- Então, vamos lá. Semana que vem, temos um feriado no meio, podemos fazer nessa data. Comprarei as carnes, farei os petiscos e um panelão de arroz carreteiro com feijão tropeiro.

Como que renascida, iniciou a compra e o preparo das comidas. Suas filhas, estranharam o comportamento. Contou a elas o que ocorreu e a coincidência do compadre Osvaldo, na noite anterior, ter pensado no assunto. Concordaram, que ela, realmente deveria fazer o almoço e passaram a ajudá-la.

No almoço acorreram os velhos amigos, ficando felizes de vê-la animada, agitando o almoço como fazia antigamente.

Entre os convidados veio Vicente, amigo de um passado distante, tanto dela, quanto do falecido. Em determinado momento, conversaram:

- Faz tempo que não te vejo, como vai tua esposa e as filhas?

- Estou me separando. Estou fora de casa há seis meses. As meninas estão casadas e tendo suas vidas, mas, nada felizes com minha separação.

- Que pena!

- Vamos dançar?

Alba recusou, diz que não estava com espírito para tanto, mas, ele adorava dançar e tanto insistiu, que aceitou. Todos se admiraram e gostaram de apreciar, pois, ele era um exímio bailarino, sabia muito bem levar a dama, e ela respondia maravilhosamente. Até as filhas de Alba se surpreenderam, pois, os dois como bailarinos, formavam um belo par. A tirou para dançar em várias músicas.

Num dos intervalos, em que Vicente estava conversando com Zélia, filha de Alba, lançou uma frase meio inocente:

- Tua mãe ficou viúva, mas como é jovem, deve estar com um novo relacionamento. Ela merece.

- Imagina, minha mãe, não quer saber de outro homem. Era demasiada apaixonada pelo meu pai.

Uma semana após o almoço, no final do dia, quando Alba havia chegado do trabalho e se preparava para relaxar, toca a campainha. Vai atender, e quem está à porta? Vicente.

- Oi, tudo bem, o que deseja?

- Estava aqui perto e como a tarde está gostosa, pensei em vir te convidar para tomarmos um chope e batermos um papo.

- Agradeço, mas acabei de chegar do serviço e estou cansada.

- Venha, a tarde está linda. Vamos aqui perto. Prometo, um ou dois chopes, e você volta para casa.

Tanto insistiu, que o fez entrar e esperar enquanto se arrumava.

- Querendo uma cerveja, você sabe onde tem, na geladeira ao lado da churrasqueira.

Foi uma tarde agradável com um bate-papo interessante. Acabaram, cada um, tomando quatro chopes, acompanhados de alguns petiscos.

Os convites começaram a ser frequentes, aperitivos, almoços, jantares e botecos com os amigos. Elas os aceitavam, pois, era agradável passar em sua companhia. Depois, começaram os almoços e jantares nos finais de semana. As filhas começaram a notar essa frequência e a alegria da mãe em recebê-lo. Zélia lembrou da conversa que tivera com Vicente e contou a irmã.

Alba, estava se encantando com ele. Era agradável, delicado e ambos possuíam gostos iguais. Bebidas, amigos, festas, músicas e lembranças da juventude. Passaram a ter uma convivência mais frequente.

Ele contou que sua relação com a esposa desmoronara, pois, gostava de uma vida agitada, mais social e a esposa, cada vez mais, queria ficar reclusa em casa. Contou como admirava, a distância, o relacionamento de Alba com Costa, um amigo que frequentemente encontrava, junto a outros amigos, em algumas saídas para um papo e uma cerveja. Ele sempre animado, contando das maravilhas do seu relacionamento com a mulher.

Vicente, contou, que há um bom tempo pensava nela. Agora estava tendo a oportunidade de verificar, que realmente, era uma mulher maravilhosa, como dizia Costa. Confidenciou que gostava dela desde a juventude, mas a vida os levou a caminhos e amores diferentes.

Os encontros tornaram-se costumeiros, em uma relação de respeito. Pouco a pouco, surgiu uma semente de amor em Alba, que vinha crescendo aos poucos. Acreditava, pelo comportamento que apresentava, que o mesmo ocorria com ele. Entretanto, não conseguiam romper a formalidade gerada pela idade, pelas filhas e sabe lá, por quais preconceitos que passavam pela cabeça de ambos.

Alba tinha no Rio de Janeiro, o tio Otávio, a quem visitava com periodicidade. Costumava pegar a primeira Ponte Aérea da sexta-feira e retornava na última do domingo. Os horários eram extremamente convenientes, assim como, as tarifas.

Traçou um plano. Perguntou ao Vicente:

- Vou ao Rio de Janeiro visitar meu tio Otávio. Quer ir comigo? Caso concordar, eu compro as passagens e depois você me reembolsa.

Viu claramente em seu semblante surpresa:

- Viajarmos juntos e ficarmos juntos?

- Sim – respondeu meio entre sorriso e riso.

- Tá. Está bem.

Alba reservou no hotel que conhecia, próximo à casa do tio, quartos para os dois. Avisou o tio:

- Tio vou com um conhecido te visitar, tudo bem?

- Quem é?

- O Vicente.

- O Vicente Tramandaí?

- Ele mesmo.

- Que venha. Gostava muito dele, quando jovem. É uma ótima pessoa!

O final de semana no Rio de Janeiro foi maravilhoso. Passearam pela cidade, conhecendo os principais pontos turísticos. Foram a praia, tiveram um dia delicioso na casa do tio Otávio, onde Vicente, relembrou inúmeros momentos que conviveram juntos.

Na noite de sábado, Alba pergunto a Vicente:

- Você adora dançar, que tal irmos a uma gafieira na Lapa?

Aquilo caiu como um convite do céu. Dançaram o quanto puderam. Durante as danças, os braços entrelaçados, os rostos próximos, ocorreu o natural, os lábios se encontraram. O querer, somado ao desejo, os envolveram nos passos das músicas. Retornaram ao hotel e nessa noite, pela primeira vez, dormiram juntos, embalados pelas lembranças do dia e a vontade de acalmarem seus amores nos abraços, beijos e sexo. Eram duas pessoas curtidas pela vida, maduras nos seus sentimentos, que iniciavam um novo momento, quando muitos se recolhiam a solidão.

Ao retornarem para São Paulo, para surpresa das filhas de Alba, resolveram morar juntos. A vida se tornou, entre eles, uma grande parceria. Respeitavam seus passados, os elos que os ligavam a eles, mas, o principal, principiaram a traçar uma nova vida.

Várias vezes relembraram as coincidências do compadre Osvaldo, propondo, no mesmo dia da aparição de Costa para Alba, um almoço, no qual Vicente foi convidado por acaso, possibilitando o contato entre ambos. Lembraram a mensagem que a despertou e a reergueu da dor, possibilitando se reencontrarem.

- Alba, tudo já deveria estar pronto, o pessoal está chegando.

Viajaram pelo país, para o exterior, cruzeiros marítimos, finais de semana improvisados na ida a um novo lugar, em um espírito de aventura, para depois por lá se acomodarem e encontrarem as maravilhas do local. Amigos, almoços, cantos e danças. Tudo, envolto em um espírito de companheirismo, cumplicidade, respeito e amor.

As filhas de Alba, passaram a gostar do padrasto, pois, viam o quanto a fazia feliz. Era o que importava. Começaram a dividir momentos,  com as filhas de Vicente.

Um dia, Alba, tem oportunidade de conversar com as filhas dele, Lúcia e Márcia.  Lúcia lhe disse:

- Quando começou o namoro, eu e minha irmã, não gostávamos de você. Acreditávamos que estava tirando meu pai da minha mãe.

- Não. Quando comecei a namorar teu pai, ele já estava separado e morando sozinho.

- Agora, sabemos – respondeu Márcia – inclusive, tivemos oportunidade de observar pela vida que meu pai começou a ter contigo, o quanto a relação com minha mãe devia estar lhe fazendo mal, por isso, se separou.

- Meninas, não tenho nada contra tua mãe. Hoje, quero vocês como filhas. No momento, o Vicente está dividido, no próximo dia das mães, gostaria de passar comigo e minhas filhas, mas sente o dever de passar com vocês e tua mãe.

As duas se entreolharam, concordando.

- Proponho, o seguinte. Venham, com tua mãe e tuas famílias, almoçar conosco. Diga a ela que não tenho nada contra, pelo contrário, tenho que respeitá-la por ter sido companheira de Vicente, por tanto tempo. Que te parecem?

As duas concordaram e ficaram de conversar com a mãe.

No dia das mães, apareceram as três. Foram recebidas com muita emoção por Vicente e Alba e alegremente pelo restante da família. Foi um almoço feliz. As famílias se confraternizaram.

Em determinado momento, Alba abraçou Vera e lhe disse:

- Eu te quero bem, por ter sido parceira, por tanto tempo, do Vicente. Não tenho nada contra. Gostaria que fossemos amigas e que nossas famílias se reconhecessem como família.

- Concordo. Vejo o quanto você os faz feliz, portanto, minhas filhas estão felizes e vejo a alegria que representa estarmos juntas.

- Vera, provavelmente em vidas passada, você, eu, meu falecido marido, o Vicente, nossas filhas, todos devemos ter tido nossas vidas entrelaçadas e retornamos, com a possibilidade de reencontrar-nos para crescimento através da compreensão e do amor.

 

A vida nos mostra famílias que se desmembraram, por razões diversas, mas que voltam a se encontrar, e envolvidas pelo amor e respeito, formando novas famílias.

Como diz a sabedoria popular:

- Separados, mas todos juntos.

 

 

mmmaad

 

 

 

 

 

 

4 comentários:

  1. Maravilhosa história! Muito familiar!
    Parabéns seu Mário!

    ResponderExcluir
  2. Excelente mensagem de reconstrução de vidas

    ResponderExcluir
  3. Vidas que seguem ! Belo conto ! Mário .

    ResponderExcluir
  4. Ehhh!! Parabéns pela história que virou conto!!! Ju

    ResponderExcluir