Este
conto foi inspirado em um fato real.
O nome dos personagens, o andamento dos acontecimentos e seus detalhamentos são fictícios, porém, o
companheirismo, o respeito, a cumplicidade e o amor são verdadeiros.
Há nove
meses morrera Costa, marido de Alba. Foram 24 anos juntos. Ela foi tomada pela dor da ausência, a
vida perdera as cores. A casa, anteriormente viva, com a presença dele, onde,
sempre fazia algo novo e diferente com seus passatempos, admirando a todos com seu bom gosto e esmero, agora se mostrava
morta. Antes, cheia de familiares nos almoços, repleta de amigos nas festas e
churrascadas, regadas a conversas, cantorias e muito riso, tudo se fora. Ele era um catalisador de pessoas.
Ela se
isolou, recolheu-se numa tristeza, que a tomava, desde que acordava
até o momento em que se deitava. Seguia, mecanicamente, para o trabalho. Era
advogada. Era o pouco de contato que desejava, o profissional. Deixou de ir aos
bares e restaurantes, que frequentavam a sós ou com amigos, em encontros que
adentravam a noite.
Algumas
visitas, que foram rareando, tentando animá-la. O único que frequentemente a
visitava, com a esposa, era o Osvaldo. Amigo de juventude do marido, pessoa que
esteve mais próximo no momento do falecimento. Era querido por suas filhas,
sendo padrinho da mais nova. Fora,
sempre, uma presença constante na família. As filhas, por sua parte, frequentemente,
apareciam, tentando animá-la, mas sem sucesso.
Em um dos finais
de semana, estava Alba envolvida na solidão da ausência, deitada em uma cadeira
de descanso, na área da churrasqueira, que ficava em uma varanda, separada da
casa, meia dormida, meia acordada, quando Costa apareceu, subindo as escadas
para a churrasqueira, apontando para o relógio e dizendo:
- Onde está
a comida? Você está atrasada. As pessoas chegarão logo. Tudo já deveria estar pronto.
Nesse
momento, Alba, como um choque, acordou do torpor em que estava. Seu falecido
marido estivera ali, o que será que quis dizer com a frase:
- Tudo já deveria
estar pronto.
Uma
mensagem, para procurar os amigos? Ter uma vida social? Voltar a viver? O que
terá desejado dizer?
- As pessoas
chegarão logo. Tudo já deveria estar pronto – afirmava ele.
Passou um
bom tempo, imaginando se sonhou ou se realmente lhe apareceu.
No final do
dia, seu amigo Osvaldo e a esposa Carminda, foram visitá-la, levando um bolo
para animá-la. Cafezinho e bate papo. No meio da conversa Osvaldo diz:
- Alba, sou
de opinião que o Costa gostaria que você revisse o pessoal. Este pensamento não
me saiu da cabeça, durante a noite.
Alba, surpresa,
relata o que acontecera, algumas horas atrás, quando estava meio que dormida.
- Isto é uma
mensagem do Costa. Osvaldo, façamos uma churrascada. Você convida os amigos e
toca a churrasqueira?
- Sim.
- Então,
vamos lá. Semana que vem, temos um feriado no meio, podemos fazer nessa data. Comprarei
as carnes, farei os petiscos e um panelão de arroz carreteiro com feijão
tropeiro.
Como que
renascida, iniciou a compra e o preparo das comidas. Suas filhas, estranharam o
comportamento. Contou a elas o que ocorreu e a coincidência do compadre Osvaldo,
na noite anterior, ter pensado no assunto. Concordaram, que ela, realmente
deveria fazer o almoço e passaram a ajudá-la.
No almoço
acorreram os velhos amigos, ficando felizes de vê-la animada, agitando o almoço
como fazia antigamente.
Entre os
convidados veio Vicente, amigo de um passado distante, tanto dela, quanto do
falecido. Em determinado momento, conversaram:
- Faz tempo
que não te vejo, como vai tua esposa e as filhas?
- Estou me
separando. Estou fora de casa há seis meses. As meninas estão casadas e tendo
suas vidas, mas, nada felizes com minha separação.
- Que pena!
- Vamos
dançar?
Alba
recusou, diz que não estava com espírito para tanto, mas, ele adorava dançar e tanto
insistiu, que aceitou. Todos se admiraram e gostaram de apreciar, pois, ele era
um exímio bailarino, sabia muito bem levar a dama, e ela respondia maravilhosamente.
Até as filhas de Alba se surpreenderam, pois, os dois como bailarinos, formavam
um belo par. A tirou para dançar em várias músicas.
Num dos
intervalos, em que Vicente estava conversando com Zélia, filha de Alba, lançou
uma frase meio inocente:
- Tua mãe
ficou viúva, mas como é jovem, deve estar com um novo relacionamento. Ela
merece.
- Imagina,
minha mãe, não quer saber de outro homem. Era demasiada apaixonada pelo meu
pai.
Uma semana
após o almoço, no final do dia, quando Alba havia chegado do trabalho e se
preparava para relaxar, toca a campainha. Vai atender, e quem está à porta?
Vicente.
- Oi, tudo
bem, o que deseja?
- Estava
aqui perto e como a tarde está gostosa, pensei em vir te convidar para tomarmos
um chope e batermos um papo.
- Agradeço,
mas acabei de chegar do serviço e estou cansada.
- Venha, a tarde está linda. Vamos
aqui perto. Prometo, um ou dois chopes, e você volta para casa.
Tanto
insistiu, que o fez entrar e esperar enquanto se arrumava.
- Querendo
uma cerveja, você sabe onde tem, na geladeira ao lado da churrasqueira.
Foi uma
tarde agradável com um bate-papo interessante. Acabaram, cada um, tomando quatro
chopes, acompanhados de alguns petiscos.
Os convites
começaram a ser frequentes, aperitivos, almoços, jantares e botecos com os
amigos. Elas os aceitavam, pois, era agradável passar em sua companhia. Depois,
começaram os almoços e jantares nos finais de semana. As filhas começaram a
notar essa frequência e a alegria da mãe em recebê-lo. Zélia lembrou da
conversa que tivera com Vicente e contou a irmã.
Alba, estava
se encantando com ele. Era agradável, delicado e ambos possuíam gostos iguais.
Bebidas, amigos, festas, músicas e lembranças da juventude. Passaram a ter uma
convivência mais frequente.
Ele contou
que sua relação com a esposa desmoronara, pois, gostava de uma vida agitada, mais social e a esposa, cada vez mais, queria ficar reclusa em casa.
Contou como admirava, a distância, o relacionamento de Alba com Costa, um amigo
que frequentemente encontrava, junto a outros amigos, em algumas saídas para um
papo e uma cerveja. Ele sempre animado, contando das maravilhas do seu
relacionamento com a mulher.
Vicente,
contou, que há um bom tempo pensava nela. Agora estava tendo a oportunidade de
verificar, que realmente, era uma mulher maravilhosa, como dizia Costa.
Confidenciou que gostava dela desde a juventude, mas a vida os levou a caminhos
e amores diferentes.
Os encontros
tornaram-se costumeiros, em uma relação de respeito. Pouco a pouco, surgiu uma
semente de amor em Alba, que vinha crescendo aos poucos. Acreditava, pelo
comportamento que apresentava, que o mesmo ocorria com ele. Entretanto, não
conseguiam romper a formalidade gerada pela idade, pelas filhas e sabe lá, por
quais preconceitos que passavam pela cabeça de ambos.
Alba tinha
no Rio de Janeiro, o tio Otávio, a quem visitava com periodicidade. Costumava
pegar a primeira Ponte Aérea da sexta-feira e retornava na última do domingo. Os
horários eram extremamente convenientes, assim como, as tarifas.
Traçou um
plano. Perguntou ao Vicente:
- Vou ao Rio
de Janeiro visitar meu tio Otávio. Quer ir comigo? Caso concordar, eu compro as
passagens e depois você me reembolsa.
Viu
claramente em seu semblante surpresa:
- Viajarmos
juntos e ficarmos juntos?
- Sim –
respondeu meio entre sorriso e riso.
- Tá. Está
bem.
Alba
reservou no hotel que conhecia, próximo à casa do tio, quartos para os dois.
Avisou o tio:
- Tio vou
com um conhecido te visitar, tudo bem?
- Quem é?
- O Vicente.
- O Vicente
Tramandaí?
- Ele mesmo.
- Que venha.
Gostava muito dele, quando jovem. É uma ótima pessoa!
O final de
semana no Rio de Janeiro foi maravilhoso. Passearam pela cidade, conhecendo os
principais pontos turísticos. Foram a praia, tiveram um dia delicioso na casa
do tio Otávio, onde Vicente, relembrou inúmeros momentos que conviveram juntos.
Na noite de
sábado, Alba pergunto a Vicente:
- Você adora
dançar, que tal irmos a uma gafieira na Lapa?
Aquilo caiu
como um convite do céu. Dançaram o quanto puderam. Durante as danças, os braços
entrelaçados, os rostos próximos, ocorreu o natural, os lábios se encontraram.
O querer, somado ao desejo, os envolveram nos passos das músicas. Retornaram ao
hotel e nessa noite, pela primeira vez, dormiram juntos, embalados pelas
lembranças do dia e a vontade de acalmarem seus amores nos abraços, beijos e
sexo. Eram duas pessoas curtidas pela vida, maduras nos seus sentimentos, que
iniciavam um novo momento, quando muitos se recolhiam a solidão.
Ao
retornarem para São Paulo, para surpresa das filhas de Alba, resolveram morar
juntos. A vida se tornou, entre eles, uma grande parceria. Respeitavam seus
passados, os elos que os ligavam a eles, mas, o principal, principiaram a
traçar uma nova vida.
Várias vezes
relembraram as coincidências do compadre Osvaldo, propondo, no mesmo dia da
aparição de Costa para Alba, um almoço, no qual Vicente foi convidado por
acaso, possibilitando o contato entre ambos. Lembraram a mensagem que a
despertou e a reergueu da dor, possibilitando se reencontrarem.
- Alba, tudo
já deveria estar pronto, o pessoal está chegando.
Viajaram
pelo país, para o exterior, cruzeiros marítimos, finais de semana improvisados
na ida a um novo lugar, em um espírito de aventura, para depois por lá se
acomodarem e encontrarem as maravilhas do local. Amigos, almoços, cantos e
danças. Tudo, envolto em um espírito de companheirismo, cumplicidade, respeito
e amor.
As filhas de
Alba, passaram a gostar do padrasto, pois, viam o quanto a fazia feliz. Era o
que importava. Começaram a dividir momentos, com as filhas de Vicente.
Um dia,
Alba, tem oportunidade de conversar com as filhas dele, Lúcia e
Márcia. Lúcia lhe disse:
- Quando começou o namoro, eu e minha irmã, não gostávamos de você.
Acreditávamos que estava tirando meu pai da minha mãe.
- Não.
Quando comecei a namorar teu pai, ele já estava separado e morando sozinho.
- Agora,
sabemos – respondeu Márcia – inclusive, tivemos oportunidade de observar pela
vida que meu pai começou a ter contigo, o quanto a relação com minha mãe devia
estar lhe fazendo mal, por isso, se separou.
- Meninas,
não tenho nada contra tua mãe. Hoje, quero vocês como filhas. No momento, o
Vicente está dividido, no próximo dia das mães, gostaria de passar comigo e
minhas filhas, mas sente o dever de passar com vocês e tua mãe.
As duas se
entreolharam, concordando.
- Proponho,
o seguinte. Venham, com tua mãe e tuas famílias, almoçar conosco. Diga a ela
que não tenho nada contra, pelo contrário, tenho que respeitá-la por ter sido
companheira de Vicente, por tanto tempo. Que te parecem?
As duas
concordaram e ficaram de conversar com a mãe.
No dia das
mães, apareceram as três. Foram recebidas com muita emoção por Vicente e Alba e
alegremente pelo restante da família. Foi um almoço feliz. As famílias se
confraternizaram.
Em
determinado momento, Alba abraçou Vera e lhe disse:
- Eu te
quero bem, por ter sido parceira, por tanto tempo, do Vicente. Não tenho nada
contra. Gostaria que fossemos amigas e que nossas famílias se reconhecessem
como família.
- Concordo.
Vejo o quanto você os faz feliz, portanto, minhas filhas estão felizes e vejo a
alegria que representa estarmos juntas.
- Vera,
provavelmente em vidas passada, você, eu, meu falecido marido, o Vicente,
nossas filhas, todos devemos ter tido nossas vidas entrelaçadas e retornamos,
com a possibilidade de reencontrar-nos para crescimento através da compreensão
e do amor.
A vida nos
mostra famílias que se desmembraram, por razões diversas, mas que voltam a
se encontrar, e envolvidas pelo amor e respeito, formando novas famílias.
Como diz a
sabedoria popular:
- Separados,
mas todos juntos.
Maravilhosa história! Muito familiar!
ResponderExcluirParabéns seu Mário!
Excelente mensagem de reconstrução de vidas
ResponderExcluirVidas que seguem ! Belo conto ! Mário .
ResponderExcluirEhhh!! Parabéns pela história que virou conto!!! Ju
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