Há 15 anos
eu tinha um primo, chamado Milton, que morava em Ponta Porã, no Mato Grosso do
Sul, cidade que faz fronteira seca com Pedro Juan Caballero no Paraguai. Uma
simples avenida separa as duas cidades. A região é famosa por ser rota de
drogas.
Milton, fora
transferido pela empresa de Curitiba para lá, há dois anos, gerenciando uma
unidade local da distribuidora de tratores. Era casado, tendo uma filha de 5
anos. Constantemente, me convidava para passarmos uns dias juntos e relembrar nosso tempo de juventude em Curitiba. Garantia que eu teria bons momentos,
com eles e os amigos. A cidade possuía um clima agradável, com uma vida noturna
agitada, tanto do lado brasileiro, quanto paraguaio. Como eu estava de mudança
de emprego, e iria iniciar minha faculdade daqui dois meses, pareceu-me ser um
bom passeio.
- Realmente,
a região é conhecida pela droga – respondeu-me - entretanto, aqui, a situação é
muito tranquila. Conhecemos o pessoal da sociedade, com quem convivemos, e não
nos metemos com o lado podre, que infelizmente existe. Quando ocorrem mortes,
normalmente, é acerto de contas entre eles. Não se deve andar nos lugares e com
as pessoas erradas. Para o cidadão comum, a cidade é bastante segura.
A estada
estava sendo muito agradável. No primeiro final de semana, um churrasco em sua
casa à beira da piscina, onde conheci vários dos seus amigos e amigas. Com
vários deles, em noites diversas, fomos a bares, boates e restaurantes, tanto
em Ponta Porã, como em Pedro Juan Caballero. Impressionante, a cidade paraguaia
tem uma faculdade de medicina, frequentada por muitos brasileiros. Encontramos
muitos desses jovens nessas saídas noturnas.
Numa das
tardes meu primo me diz:
- Vamos à La
Cubañita, quero que conheças o calor das mulheres da terra.
- Pera aí,
La Cubañita não é uma amiga de tua mulher, que combinou junto com algumas outras
amigas, se encontrarem para irem às compras?
- Sim, mas
ela é gerente de uma boate, onde naturalmente, além das bebidas, há mulheres.
- O que você
vai fazer num lugar desse, em que a gerente é amiga da tua mulher. Tá doido?
Ela também trabalha sexualmente?
- Uma
gerente de puteiro se não for discreta, ou seja, ter a boca fechada, não
consegue ficar no emprego. O que você acredita
que farei? Vou encontrar a Pérola, uma paraguaia deliciosa. A vantagem com La
Cubañita, é que conhece as meninas e não corro riscos maiores. Ela só gerencia,
não tente nada diferente que vai quebrar a cara.
- Não estou
a fim de um puteiro, não faz meu gênero.
- Vai ter
que ir, você é meu alvará para hoje à tarde. Terá a vantagem de conhecer a
mulher mais bonita, que já vi na minha vida. Cubana linda, delicada e fina. É um
encanto de mulher. Vais ver.
À tarde
pegamos o carro e seguimos para Pedro Juan Caballero, após, vai e vem de uns
quinze minutos, chegamos a uma casa, com um letreiro “Boite Lunar de Ypacaraí”.
- Olá,
Cubañita, este é meu primo Marcos, lá de Curitiba. É um alemãozão.
- Olá, todo
bien? Quieres algo?
Realmente a
mulher era lidíssima. Morena, cabelos levemente ondeado até os ombros, um corpo
bem distribuído nos seus 1,60 cm. Pelo decote, que não era pronunciado,
notava-se lindos seios. O olhar, a boca, o jeito de falar, o movimentar dos
lábios, tudo prendia e encantava. Era a personificação da tão conhecida e
tocada música na região: “eres linda e hechicera, como el candor de uma rosa”
(és linda e feiticeira, como a candura de uma rosa).
Meu primo,
pediu um uísque e perguntou o que eu queria, ainda enfeitiçado por aquele
olhar, respondi:
- Quero
coca.
Os dois se
olharam meio assombrados e meu primo reagiu na hora:
- Tá bom
Marco, uma coca, mas você pede assim de cara, mesmo nesta cidade, é um assunto
para se tratar com cuidado. Não sabia que você curtia.
Na hora,
percebo a bobagem que estava fazendo e rindo, digo:
- Não, não é
o que vocês pensam. Quero uma Coca Cola.
Meu primo
faz uma cara, pega seu copo e se perde por uma porta à frente.
Sento no
balcão e aprecio a beleza e a graciosidade de La Cubañita e pergunto:
- Você
nasceu realmente em Cuba?
- Sim?
- Como veio
parar aqui?
- Mi madre
es paraguaia com família, aqui em Pedro Juan Caballero.
Passamos a
trocar frivolidades, eu contando de minha vida em Curitiba, e do tempo de
juventude com meu primo. Nesse ínterim, seu celular tocou, atendeu e foi ter
uma conversa ao fundo, em voz baixa e demonstrando grande preocupação no
semblante. Terminando, grita, mostrando pressa, recolhendo suas coisas.
- Ramona,
Ramona corre aqui.
Apareceu uma
mulher, alguns anos mais velha, que parecia estar se arrumando para o início
dos trabalhos, dali uma hora.
- Fala
Chefa, o que foi?
- Mi hijo,
não está passando bem. Preciso levar ao médico. Cuida de tudo. Voy chamar um
taxi.
Prontamente,
me coloquei à disposição em levá-la.
- A Ramona
que avise meu primo, o que está acontecendo, e volte para casa de taxi.
Ela,
bastante preocupada, não pensou duas vezes e aceitou minha proposta. No
caminho, não conversava, só me indicava a rota. Só me respondeu, que seu
filho tinha quatro anos, não se estendendo no assunto.
Uns quinze
minutos depois estávamos em sua casa. Mal parei o carro, desceu desesperada.
Foi entrando, deixando a porta aberta para que a pudesse acompanhar. Principiou
a conversar em espanhol, misturado de guarani, com sua mãe e tia, numa
velocidade que não conseguia acompanhar. Havia uma bolsa pronta com coisas da
criança. Envolveu o menino em um cobertor, cobrindo a cabeça e pediu para irmos
para o hospital.
- Ele pode
estar com meningite. Falou desesperada. Há dias no está bien. Ahora, teve
vômitos, febre mui alta com convulsion. Mi madre tuvo que lhe dar um banho,
para conter a temperatura.
Quando
chegou no hospital, rapidamente, entrou com o garoto nos braços pedindo atendimento,
falando em espanhol, misturado com guarani. Precisava de um médico. Foram
rápidos, em cinco a dez minutos, foi atendida por um doutor, que encaminhou o
garoto para medicação e exames. Parece-me, que o hospital, mantinha uma
parceria com a Universidade Central do Paraguai, propiciando, com isso, bom
atendimento.
Havíamos
chego no hospital, próximo das 20,00 h. Meu primo me ligou e expliquei o que
estava ocorrendo. Pediu para que ficasse tranquilo e ajudasse Cubañita no que
necessitasse, pois, ele e a mulher gostavam dela, era uma ótima pessoa.
Depois de um
tempo de espera, no objetivo de passar o tempo perguntei:
- Como veio
parar aqui em Pedro Juan Caballero?
- Mi padre,
em 2007, fazia parte de um conjunto musical que se apresentava em Pernambuco.
Ele e mais dois companheiros, fugiram del grupo, queriam permanecer no país. Em
Cuba sofriam pressões, pois, insistiam em estudar ritmos latinos, com isso, eram
bastante criticados e perseguidos. Tenia dificuldades de trabalho, fora que ganava
pouco. Aproveitando a oportunidade, pediram asilo político. Por um tempo,
tiveram miedo que ocorresse com eles, o que ocorrio com dois boxeadores, que se
desligaram da delegação dos jogos Pan Americanos, daquele ano, no Brasil. Foram
localizados pelo governo brasileiro, que era muito amigo do cubano, e deportados
a pedido de Cuba. Há muita versiones nessa história, alegando ser vontade
deles, el fato, que después de um tempo, um deles, fugiu de barco para o
México.
Busca um
copo de água e continua:
- Com isso,
ficamos mi madre e yo solas em Cuba. Fue um tiempo difícil, o governo ficava de
olhos em nós, por causa de mi padre. Mi madre és paraguaia, Despues de várias
dificuldades, pois no facilitavam as coisas, ela conseguiu autorização para
viajarmos. Su família é daqui de Pedro Juan Caballero. Com isso, viemos parar
nesta cidade. Mi padre morreu, nos primeiros meses no Brasil, no conseguimos
nos encontrar de novo. Hoy, soy yo, mi madre, mi tia e mi hijo. Quando saí de Cuba, estaba para
casar, mas, por tudo o que ocorria, nós conseguimos sair e ele não. Soube que
estava grávida aqui no Brasil. Ele tentou sair, depois, com balseiros, para
Miami. É uma travessia arriscada, apesar de somente 150 km de Havana. Morreu
afogado no trajeto.
Enquanto me
contava, seu olhar se perdia nas lembranças do passado e de tempo em tempo
retornava ao presente e ao momento que o filho passava, angustiando o
semblante.
Tratei de
comprar, água, café e bolachas em uma máquina que havia no corredor. A noite
avançava e não havia notícias. Era meia-noite e trinta, ela se desesperava.
Vendo aquilo, tratei de entrar pelos corredores, pedindo em altos brados, em
português, que queríamos notícias. Um rebuliço iniciou e seguranças foram
chamados, trataram de me segurar e puxar para fora da ala interna do hospital.
Cubañita, na
mesma aflição, cobrava em seu castelhano/guarani. Os corredores ficaram
agitados, até que o médico, que levou o menino para dentro, apareceu, pediu que
nos acalmássemos e nos explicou:
- Mediquei o
garoto e solicitei vários exames, para confirmar se é meningite, o que me
parece não ser. Caso confirmado, liberarei o paciente para seguir para casa. Um
pouco mais de calma.
Ficamos, só
nos dois na sala de espera. Olhou para mim, com um pequeno sorriso de alegria e
me abraçou. Chorava em meu peito. Só me restava, dar palavras de apoio e
consolo, acolher a mãe que relaxava a tensão do momento, e sentir em meus
braços, uma mulher que necessitava de amparo.
Depois das duas
da manhã fomos liberados. Ela com o pequeno Miguel, envolto nas cobertas. A
madrugada era fria. Novamente, nada falando, simplesmente murmurando uma canção
de ninar, foi me ensinando o caminho.
Quando chegamos, peguei o garoto de seu colo e ela abrindo a porta,
sendo recebida pela mãe e a tia, com quem rapidamente explicou a situação,
levei até o seu quarto e coloquei na cama ao lado da sua. Eram duas e meia da
manhã, quando me despedi e ela retrucou:
- De forma
nenhuma. Vai dormir aqui. É tarde, no conoces la cidade e no ficará andando por
aí. Mi cama é grande. Você duerme de um lado e eu do outro. Espera um pouco.
Depois de um
tempo retornou, vestindo um pijama bermuda, trazendo uma toalha nas mãos, uma
camiseta larga e um bermudão de sua tia.
- El
banheiro é ao lado. Tem uma toalha, caso queira tomar um banho ou só se
refrescar e veja se essas roupas sirvem.
Lavei-me,
tirei a roupa e vesti a que me dera. Retornei ao quarto. Ela estava deitada do
lado da caminha do garoto, parecia dormir. Havia, um pequeno abajur no canto do
quarto, conferindo luminosidade ao ambiente. Deitei. Comecei a fechar os olhos,
quando, noto um movimento ao meu lado. Abro os olhos e vejo que ela está me
observando, com um olhar cheio de amor. Passa a mão com carinho em meu rosto e
me dá um beijo, se aconchega em mim e dorme.
Na manhã
seguinte, me acorda, dizendo ser dez horas e que o café está na mesa, me
aguardando. Me troco, vou ao banheiro, me lavo e sigo para a cozinha, onde, uma
mesa com frutas, pães, manteiga, queijo, geleia, leite e café está montada.
- Senta,
ali. O que quieres?
Sua mãe se
levanta da mesa, pega minhas mãos entre as suas, as beija e me agradece:
- Gracias,
fueste um angel que viniste del cielo.
Foi um café
da manhã delicioso, conversa agradável, sorrisos e risos, enquanto o pequeno
Miguel dormia na sala. Quando me preparava para ir embora, sua tia me abraçou,
me beijou o rosto e em brasileiro me disse.
- Marcos, Deus,
em determinados momentos nos coloca pessoas no nosso caminho, que de início não
sabemos para que, mas depois temos a grande resposta. Obrigado. Precisando de
nós, pode contar.
Agradeci, e
num abraço de despedida em Cubañita, falei:
- Vou
embora, precisando de algo, pode contar comigo.
Abraçando-me
se despediu dando um beijo em cada lado da face, mantendo seu olhar dentro do
meu por um tempo.
Voltei para
Curitiba, começando trabalho novo e iniciando minha faculdade de direito. Meu
primo, morou mais um ano em Ponta Porá, sendo posteriormente enviado para Bagé
no Rio Grande do Sul. O que soube de La Cubañita, por ele, que continuava
trabalhando na boate, onde meu primo ocasionalmente visitava, estudava direito
pela manhã e continuava sendo uma linda e simpática mulher, gerenciando um
puteiro.
QUINZE ANOS
APÓS
Após
formado, com mais dois colegas, abrimos um escritório em Campo Grande, que
estava em forte crescimento. Tínhamos um bom nome na praça e uma clientela
respeitável. Começamos a ter uma grande demanda de trabalho em Dourados,
cidade que fica a 250 km de Campo Grande, por parte dos nossos clientes
tradicionais.
Resolvemos abrir um escritório local. Por eu ser o solteiro, fui indicado para administrá-lo.
Tinha uma bela casa, com piscina, carro, uma empregada que vinha duas vezes por semana e
a vida que qualquer solteiro pode desejar, aos 32 anos. O que meus sócios não
sabiam, era que aceitei a mudança pela distância de Dourados a Ponta Porã ser de
120 km. Desejava encontrar os rastros da La Cubañita, na cidade ou em Pedro
Juan Caballero.
Os primeiros
meses, foram intensos, instalação da casa do escritório, ações na cidade,
ampliação de relacionamentos com as pessoas que já conhecia e com as que conheci.
Nisto,
surgiu a ação de um cliente grande de Campo Grande, produtor de soja, tanto no
Brasil, quanto no Paraguay, que teve um lote de cocaína, encontrado escondida no
meio de uma de suas cargas de soja. Graças aos documentos que possuíamos, o
nome e tradição do pecuarista, a carga foi liberada. Entretanto, para
finalização do processo, teria que se apresentar em juízo em Pedro Juan
Caballero.
A audiência,
seria com uns dos três juízes, extremamente renomados, pela perseguição a
narcotraficantes: Vallenjuelos, Benitez e Lunares. Eram tão temidos pelo tráfico, que estavam
jurados de morte, tendo, já, sofridos atentados.
Na
empolgação de ir à cidade poder procurar pelo que me interessava, e pelo fato
da audiência ser mera formalidade, estando organizada pelo meu assistente,
junto ao cliente, segui na alegria de estar retornando à cidade, após quinze
anos.
- Todos de pie para la entrada de la juíza Ana Rosa
Vallenjuelos.
Tenho uma
grande surpresa!
A juíza era
La Cubañita. Devo ter ficado de boca
aberta e olhos arregalados.
- Puedem
sentar.
Ela deve ter
me reconhecido, ao permanecer alguns segundos me encarando, porém, mantendo uma
postura rígida, não transparecendo nenhum sentimento. A audiência foi de uns
quinze minutos, onde o cliente teve que responder algumas perguntas. Após, houve
a formalização da inocência e o encerramento do processo. A audiência
transcorreu, para mim, sob uma nebulosidade de sentimentos, não lembrando claramente, como aconteceu.
Como era
próximo do almoço, resolvi aguardar na porta de saída do fórum e interpelá-la. Surgiu
e principiou a descer as escadas, dirigindo-se para o carro que parou a meio
fio. Segui em sua direção, de repente, recebi uma forte pancada que me derrubou
ao chão, com alguém com o joelho sobre minhas costas, tirando-me o fôlego.
Quando ela gritou:
- Pare
Santiago, es mi conocido.
Ele me
levantou, arrumou meu paletó, enquanto eu tomava fôlego e pegou minha pasta no
chão.
- Olá, Marcos.
Desculpe, ele é meu guarda-costas. Está se sentindo bem?
- Sim.
- Venha
almoçar comigo.
Falava um
português de bom nível, apesar do sotaque espanholado. O Santiago, abriu a
porta de trás para que entrasse e fez sinal para que eu desse a volta.
Sentou-se no banco da frente.
Arrancamos.
Sua imagem era fria, parecia uma esfinge egípcia, sorriu um leve sorriso e
manteve-se na postura fria que observei durante a audiência. Ao chegarmos ao
local, Santiago desceu, deu uma observada geral, abriu a porta para ela,
seguindo logo atrás, enquanto eu saia do outro lado e os seguia. O maître, já
devia estar acostumado, cumprimentou-a com mesuras e nos levou a uma sala à
parte, onde, Santiago, permaneceu à porta.
Tão logo
sentou, seu rosto se descontraiu, sorriu, abriu o lindo olhar que me lembrava o
passado e com carinho falou:
- Quer dizer
que você é advogado e agora atua por aqui. Que maravilha!
Nossa
conversa, durante o almoço, transcorreu sobre nossas vidas, nos últimos quinze
anos. Ela totalmente desfeita da rigidez da figura, voltando a ser a Cubañita
que conheci. Seu olhar, seus lábios, o cabelo, constantemente colocado atrás da
orelha e principalmente o sorriso e a voz suave e deliciosa que permanecia em
minha memória.
Relatei a
minha volta a Curitiba, troca de trabalho, faculdade, o escritório em Campo
Grande e agora em Dourados.
Contou-me
que continuou trabalhando no “Lunar de Ypacaraí”, estudando de manhã, trabalhando
à noite. Manteve a boate sempre longe do lado podre do ramo. Protegia e cuidava
das meninas, suas necessidades, família e saúde. Só largou o trabalho quando se
formou.
- E teu
filho?
- Está
estudando direito em uma das cidades do estado de São Paulo. Pelos riscos que
vivo, consegui novos documentos para ele, que mora com familiares de minha mãe,
com um nome que não o associa comigo. Infelizmente, pelo meu combate, com
outros juízes, aos chefões do narcotráfico, recebo inúmeras ameaças. Sofri, inclusive,
um atentado, que graça a Deus, não gerou consequências, mas que levou a ter as
atuais medidas de segurança.
No retorno,
deixou-me próximo do fórum. Forneceu-me seu telefone exclusivo, pedindo que não
fosse passado a mais ninguém, e que eu usasse caso tivesse alguma necessidade.
Ao me despedir, só tive tempo de dizer:
- Vamos
voltar a nos ver.
Ela só
sorriu.
Em Dourados,
o trabalho foi tomando corpo, a clientela aumentava e além do auxiliar, passei
a contar com uma secretária, que atuava como telefonista, quando necessário.
Doutora Ana
Rosa, la Cubañita, não me saia da cabeça. Podia sair com qualquer mulher, por
mais encantadora e linda que fosse, quando retornava para casa era sua imagem
que invadia minha cabeça. Era dia e noite. Estava obcecado. Precisava vê-la.
Em um
horário, à noite, quando imaginei que poderia estar em casa, telefonei ao
número restrito. Ela tendeu:
- Marcos?
- Olá,
Doutora Ana Rosa, ou Cubañita, como devo chamar?
- Somente
Rosa.
- Gostaria
de poder voltar a almoçar ou jantar contigo. Não sei se quer vir a Dourados ou
onde quiser?
- Quer vir
almoçar um sábado em minha casa, aqui em Pedro Juan Caballero? Cozinharei para
você.
Marcamos.
Explicou onde deveria deixar meu carro e aguardar por seu segurança Santiago.
Sua casa
parecia uma fortaleza. Muros altos, um jardim rasteiro na frente, a sala e
cozinha voltadas para os fundos com grandes janelas, onde se via uma piscina e
muito verde. Por trás, um grande muro protetor, com o que me pareceu, cercas e
alarmes. Depois, soube, que, na entrada, havia uma guarita, com seguranças,
monitorando, câmeras do lado de fora e em algumas áreas da casa e controlando a
abertura do portão.
- Como pode
ver, vivo presa. Os bandidos, lá fora, soltos, alegres, divertindo-se e eu aqui
emparedada. Quando, tive que implantar estes esquemas de segurança, minha tia,
que vivia comigo, acostumada a uma vida simples de povo, com portas abertas,
cadeiras na calçada, entrou em processo de estresse. Precisou ir embora. Foi morar com o filho na
capital.
Ela preparou
um peixe ao leite de coco, mais arroz e uma deliciosa e diferente salada. De
sobremesa, havia alguns doces, que deve ter comprado em alguma padaria de
renome na cidade.
Nossa
conversa foi agradável, relembrando períodos da infância, das dificuldades que
viviam em Cuba, mas da alegria e liberdade que tinha, quando menina. Eu, da
minha parte, as artes de moleque. Foi uma tarde deliciosa. No final do dia nos
despedimos, com promessas de repetirmos o encontro.
Foram mais duas vezes, num dos sábados, nossa conversa foi até tarde e quando me
despedia para ir embora, disse que não.
- É muito
tarde. Não quero você pegando estrada nesta hora para Dourados. Durma aqui,
tenho quarto sobrado. Lembra, você já fez isso uma vez, no passado? – riu
Concordei.
Era algo como uma meia da madrugada, quando noto, ela andando pela sala. Devia
estar com insônia. Resolvi levantar e conversar.
- Rosa, não
consegue dormir?
- Às vezes,
sofro de insônia.
- Posso me
sentar ao teu lado, no sofá?
Sento-me
perto. Sinto o calor do seu corpo. A luz está a meia-luz. Vejo seus olhos
brilhando na penumbra, perscrutando meu semblante. Olho, sorrio. Ela sorri. Não
resisto, a tomo nos braços e docemente a beijo. Ela se entrega. Lentamente,
tiramos nossas roupas e no caminho vamos soltando nossos desejos. Ao final,
uma relação cheia de prazeres e delicadamente saboreada. A realização de um ânsia, que estava em nós, aguardando o momento para se expor. Foi calma, mas
profunda nos sentimentos. Dormimos abraçados.
Na manhã
seguinte, quando acordo, ela não está a meu lado. Há um jogo de toalhas no pé
da cama. Tomo banho e me visto. Na sala o café da manhã está servido. Ela lindíssima,
com uma pequena bermuda e camiseta que mal cobre seus seios. A abraço por trás
e deposito um beijo em seu pescoço. Rispidamente, diz que sente e que tome o café
da manhã.
- Não
podemos fazer isso, ter vínculos maiores. Entenda que a vida entre
nós dois é impossível. Sou uma mulher jurada de morte, não posso ter junto de
mim, pessoas que eu goste, pois, elas podem ser mortas.
- Não me
importo Rosa. Caso tenha que morrer contigo, morro, mas quero estar contigo. Eu
te amo.
Quase
desesperada e em um tom alterado de voz:
- Não, não
podemos nos apaixonar! Eu não tenho o direito de ter o teu amor e nem de
depositar o meu em você. Não há futuro, não há vida, só a perspectiva de morte.
Quero que você vá embora.
Com muito
empenho, abraçando-a, chorando, beijando-a, nos despimos e retornarmos a fazer
amor com furor, aplacando as incertezas que surgiram naqueles momentos.
Passamos a manhã entrelaçados em nossos temores.
Ao me
despedir, me faz jurar que não a procure. Afirma, que não mais me receberá. Que
eu leve minha vida e ela a dela.
Dois finais
de semanas após, a procuro e novamente, o calvário de medo, de dor, do amor e
de prazer se repete. Assim, vamos nos vendo, intercalando momentos de distância
com reencontros cheios de paixão.
Alguns
finais de semanas após, me informa, que sigilosamente, o julgamento do Molinete,
um dos principais líderes das quadrilhas de narcotráfico da região, após várias
reuniões, entre os principais juízes, caiu em suas mãos. Irão reforçar a
segurança. Haverá um carro escolta blindando, com motorista e um segurança,
que a acompanhara por onde for. Farão algumas reformas, na edícula da entrada,
onde permanecem os seguranças, para mais espaço e beliches. Estão selecionando
a dedos os policiais que a protegerão.
- Marco,
quando isto vier a público, as ameaças aumentarão, assim como os riscos. Não
quero você envolvido nisso.
De novo,
falsas promessas de não nos encontrarmos. Para despedida, no final de
semana, vamos para um hotel exclusivo perto de Bonito. A simples mudança de
cidade, faz com que Rosa se solte. Roupas mais leves, maquiagem primaveril,
abraços e palavras de amor a todos os momentos. É a vida que desejamos e que
nos é proibida. Naquele final de semana resolvemos esquecer de tudo e
aproveitarmos.
A informação
do julgamento, quando veio a público, foi notícia em todos os órgãos, tanto no
Brasil, quanto no Paraguay. A atuação desse grupo impacta nas cidades em volta,
e no fluxo de material enviado para a Europa e Estados Unidos. Portanto, até o
FDA, americano, estava de olho no que poderia acontecer.
A tensão em
Rosa e nos seguranças, aumentou. Ao sair de casa, uma verificação era feita. O
carro escolta sai primeiro e parava em frente, com um dos seguranças de
metralhadora na mão. Depois o carro de Rosa, sendo imediatamente seguido pelo
carro escolta. No Fórum, entrava por uma porta lateral, só descendo do carro
dentro do edifício.
Para aumentar
o clima de tensão e terror, os narcotraficantes, metralharam a casa do juiz Lunares.
Não visavam atingir ninguém, sim, dar um recado.
Rosa me
ligava e pedia desesperadamente que não aparecesse.
- Prefiro
morrer contigo, do que viver sem você.
Passaram-se
quatro semanas, em que o julgamento estava em andamento e que não nos víamos.
- Quando
terminar, nos encontramos.
- Irei este
final de semana por aí.
- Não.
Lá eu
estava. A mesma cena de sempre, nos abraçamos, nos cobrimos de beijos, tirávamos
nossas roupas na ansiedade do momento e fazíamos amor por vária horas,
interrompidas por alguma bebida, um banho, uma piscina e almoço.
- Amanhã, haverá
uma confraternização das minhas equipes. Oficialmente, não estarei presente.
Devo aparecer de surpresa e, na verdade, enquanto as famílias se divertem,
definiremos a etapa final do processo, em termos jurídico, logístico e de
segurança. Você pode ficar em casa.
- Não, eu
irei.
A reunião
transcorreu conforme o previsto. Durante a mesma, permaneci em um canto, muito
pouco interagindo com as pessoas. Creio que algumas chegaram a pensar que eu fosse
um simples guarda-costas.
Quando
voltávamos para casa, na estrada, um carro surgiu de uma das ruas e emparelhou
ao nosso. A janela do passageiro, estava aberta e mostrava a ponta de um lançador
de granada
Grito para Santiago:
- Agora acabam
conosco!
Ele trocou
informações com o carro escolta, que se aproximou e deu uma batida na traseira
desse veículo. Esse desiquilíbrio, permitiu que Santiago com sua metralhadora
atirasse em direção à janela do perseguidor. Algo aconteceu, pois o carro
guinou a esquerda, saindo da estrada, quando vinha um veículo em sentido
contrário. O carro escolta, parou atrás de nós e fez um bloqueio para o veículo
que tentou nos atacar. Houve trocas de tiros.
O escolta os
deixou na estrada e veio atrás de nós, pois, temiam novos ataques, o que
ocorreu na próxima encruzilhada. Quando um caminhão atravessou a pista, com uma
grande camionete. Freamos, o carro escolta passou a nossa frente e começou a
atirar contra a camionete, da qual saíram vários indivíduos com armas pesadas.
Nós parados.
Turco, nosso
motorista, engatou o veículo e seguiu a toda velocidade para a ponta da
camionete, para fazê-la rodopiar com a batida e passarmos. Só ouvi o grito:
- Se segura.
Ele bateu
com força, a camionete, rodopiou um pouco, dando brecha para passagem,
rapidamente, entramos à esquerda no cruzamento. O nosso carro escolta
permaneceu no local, trocando tiros e retendo a movimentação dos bandidos. O
caminho foi modificado, avisando pelo rádio o carro escolta e a base. Seguíamos
em uma velocidade louca, por pequenas ruelas e travessas, nos distanciando das
vias principais, mas seguindo cada vez mais em direção de casa.
Alguns quarteirões
depois, o carro escolta se aproximou do nosso, informando que estar tudo bem,
pediu para passar a nossa frente, pois nos aproximávamos de casa e queriam
garantir que o perímetro de chegada estivesse tranquilo.
Desde o
primeiro momento, do ataque, Rosa adquiriu a forma de esfinge, dura, olhando
com olhos de águia, firme, sem nenhum sorriso e nem demonstração de medo.
Ao chegarmos
em casa, conversou com os seguranças, que já haviam comunicado as autoridades.
Entrou. Disse que ia tomar um banho. Em verdade encheu a banheira de água
quente e ficou por lá por um bom tempo.
Ao sair,
voltou com a mesma cantilena, de que eu não deveria ficar por lá. Disse que nos
próximos trinta a quarenta dias se daria o andamento do final do processo. Não
me queria por perto. Deu-me um beijo de boa noite e avisou para que eu não
estivesse na casa, no dia seguinte, pela manhã. Que fosse embora cedo. Pediu ao
Santiago que monitorasse minha saída. Foi para o quarto e pediu que eu dormisse
no de visitas. Fria, como uma esfinge egípcia.
Minha noite foi
turbulenta de sentimentos, envolvendo muito medo, por mim e por ela. Revi na mente
o que passamos. Não era possível que a bandidagem estivesse nos roubando a
vida.
Os trinta
dias seguintes, foram agitados e temerosos. A cidade reforçou a segurança, por
todos os lados, inclusive com o apoio de força-tarefa composta de policiais do
Brasil e do Paraguay. Temiam que os grupos tentassem, em uma ação mirabolante, resgatar
o chefão. A segurança era forte nos dois lados da fronteira.
Nesse
período, só nos vimos uma vez e graça à forte insistência minha. Passamos
sábado e domingo conversando, como se necessitássemos explorar a permanência
juntos, o máximo possível.
Depois,
dessa ocasião, só conseguia ter notícias pelo Santiago. No final do processo
Molinete, mais cinco braços direitos e alguns sicários, foram condenados, entre
20 a 25 anos de prisão. Foi um forte golpe. A polícia paraguaia, mais, a
brasileira, manifestaram parabéns ao sistema judicial paraguaio pelos
resultados. O fato foi notícia que correu o mundo.
Acabamos,
nos encontrando. A ânsia de saciar
nossos desejos e de maximizar nosso querer, dominou o sábado. No domingo cedo,
a encontro sentada no sofá, com um copo de café na mão e olhando a jardinagem.
- Marco, faz
quatro anos que não vejo meu filho. Tenho que ir a uma reunião das polícias e
judiciários do cone sul em Bogotá. Na volta, tirarei quarenta dias de férias,
encontrarei meu filho em um país da Europa e passearemos junto. Não sei quando
poderei fazer isso novamente. Quanto a nós, aqui termina a nossa história. Não
quero que você faça parte do que possa haver de triste nela. Sei que me ama,
como eu te amo, mas este é um sentimento que não podemos nutrir entre nós. Não
me encontrarei mais contigo. Você passará a fazer parte das lembranças.
- Calma,
tira férias, viaja e na volta conversamos.
Levantou, me
abraçou, como se fosse a última vez, pegou o carro que a esperava e saiu. Tive
que catar minhas coisas e voltar para Dourados.
Depois de
duas semanas de tristeza e de desejo de vê-la, soube por Santiago, que ela
sofria com nossa separação, mas não se queixava. Via-se no semblante. Minha
esperança era encontrá-la antes da viagem para a Europa. Retomar nosso amor e
reatar nossas vidas juntos, quando voltasse da viagem.
Estava em
Bogotá e voltaria no próximo fim de semana.
Estou no
escritório em Dourados, quando a secretária diz para ligar a televisão
rapidamente. Vejo a notícia: “Juíza Ana Rosa Vallenjuelos, sofreu atentado no
aeroporto de Ponta Porã, em retorno de viagem a Colômbia”.
Busco
notícias na internet. Falam do atentado, mas não relatam o estado da juíza. Tento
falar em seu celular, que não atende, e resolvo ligar para o Santiago, que
rapidamente me atende.
- Santiago,
como ela está? – pergunto gritando.
Um grande
silêncio recai sobre nossa conversa. Noto que ele tem dificuldade em se
expressar.
- Como, como
aconteceu? Ela tem você de segurança, como conseguiram?
- Um pouco
antes do desembarque, ela vestiu o colete à prova de balas, por baixo da
jaqueta. Teve prioridade no desembarque. Um pessoal da equipe pegaria sua
bagagem. Iriamos sair por uma área aparte. Ocorre que os narcotraficantes
estavam a posto, tendo inclusive pessoal do aeroporto com eles, e avisaram a
imprensa, que correu para essa área. Tratamos de isolar a imprensa em um canto.
Nesse momento o bandido, se aproximou rapidamente e deu dois tiros.
Imediatamente reagimos e ele foi morto. A levamos rapidamente para o hospital.
- Como ela
está? – pergunto, quase gritando.
- Um dos
tiros pegou no colete e o outro no ventre. Ela está sendo operada, para retirar
a bala e verificar a extensão do dano.
- Quando
posso vê-la?
- Não pode.
Toda a área que ela está, no hospital, está interditada. Só os médicos e
enfermeiros, mais, a segurança. Não queremos que teu nome seja associado ao
dela, senão você também poderá correr riscos.
A notícias,
nos dias seguintes, davam informações dela estar entre a vida e a morte, não
detalhando o estado. Sobre o atirador, descobriram, que tinha penas pesadas a
pagar, junto ao grupo de Molinete, por desvios de drogas da quadrilha. Ele
sabia que era matar e morrer.
Foram dias
de dor, entre a realidade e o desejo que tudo não passasse de um pesadelo. As
notícias surgiam mais claras nos jornais, o que fazia o meu sofrimento aumentar.
Passadas
três semanas, recebi um telefonema de Santiago.
- Te ligo,
a pedido de la doutora. Ela está bien, pero deverá se afastar, para se tratar.
Como sabes, ela deseava fazer una viagem, por uns meses. Ella ficará fora del
circuito. Pedió para dizer que te ama, mas não quiere, nunca mais te encontrar.
Sabes el por quê.
Foi a última
vez que tive contato com o Santiago. Ela viajou e por um bom tempo não surgiu
notícias a seu respeito. Tentei contato, procurei no fórum e nada dela. Depois
de seis meses, noticiaram que ela voltara a atividade, mas, que o governo a transferira
para a capital, Assunção, onde iria presidir um grupo de policiais e juízes, no
combate a lavagem de dinheiro.
No primeiro
ano, tentei contatos, que me eram barrados. Fui a Assunção, para tentar algo
pessoal, mas, não consegui. O máximo que encontrei, foi Santiago, à distância,
que me viu, mas fez que não com a cabeça. Desisti.
Tentei, nos
próximos meses, tirá-la da cabeça. Larguei o escritório de Ponta Porã, com um
novo sócio, que encontramos na cidade, e voltei para Campo Grande. Tratei de
voltar a uma vida social normal. Estive com algumas mulheres, mas, em nenhuma
encontrei o que sonhava. Ou seja, ela. Meus sócios, que posteriormente, souberam
de minha relação, tratavam com suas mulheres e amigos, de apresentar mulheres,
para que me enamorasse e começasse uma vida nova. Passaram-se três anos. Cheguei
a viajar de férias, por duas vezes, com mulheres com quem tinha um
relacionamento mais intenso, mas nada engrenava. Meus sócios diziam que eu era
um caso perdido.
Adquiri uma
pequena chácara, as aforas da cidade, onde me recolhia nos finais de semana,
com meus cães, minhas flores, meus livros e minhas lembranças. Ocasionalmente, alguns
amigos, para um churrasco, algumas pescarias na redondeza e algumas bebedeiras.
Em um sábado
o telefone toca e atendo:
- Marcos?
Aquela voz,
não pode ser! Ilusão minha, fruto dos meus sonhos. Imagens passam em minha
cabeça.
- Rosa, é
você?
- Sim.
Um grande
sorriso se abriu em meu coração.
amaad