Conto emoldurado pelo poema do Poetinha Vinícius de Moraes: "PARA VIVER UM GRANDE AMOR".
- Deixa que eu vou, diz Rosa.
Retorna com um lindo buquê de rosas. Olha o buquê com olhos
brilhantes.
- Tem um bilhete! Rosas para a Rosa mais linda.
Sílvio, observa o que ocorre, estupefato.
- Oi, amor, obrigada. Você sabe como gosto de flores,
principalmente rosas. Deixa o buquê sobre a mesa, senta em seu colo e lhe enche
de beijos. Te amo, te amo. Mas, não temos nada a comemorar ou estou enganada. Adorei
vou colocar em um vaso.
Silvio, sem nada dizer e perdido em relação ao que está
ocorrendo, olha o cartão é lê da “Floricultura Estação das Flores”, localizada
em um bairro distante do deles. Toma rápido seu café e pede ao filho para se apressar,
estará no automóvel aguardando.
- Desculpe amor, preciso ir, tenho uma reunião cedo.
- Amor, você fez o meu dia feliz. Obrigada.
Novos beijos, aos quais corresponde, um tanto desconfortado.
A caminho do trabalho, após deixar o filho na escola, vai
pensando:
- Deve ter sido engano. A floricultura é de um bairro
distante. Mas, estava com o nome dela. Deve ser coincidência. Durante a viagem
foi esquentando o assunto.
Ao chegar ao serviço, o dia foi corrido, e crente de ter sido
um engano, acabou esquecendo a surpresa da manhã.
Passaram-se dias. Novamente no horário do café, toca a
campainha. Um calafrio percorre a espinha de Sílvio, ao vir a memória o que
ocorrera e tudo o que abafara de pensamentos a respeito.
Rosa retorna trazendo um vaso de Girassóis. Está feliz, ri e abre
um lindo sorriso.
Lê o cartão que acompanha, o faz levantar da cadeira e o
abraça com carinho, estreitando seu rosto em seu corpo. Deposita sua boca sobre
a dele com suavidade e ternura.
Ele estremece com a maciez e a umidade dos lábios. Um grande
sentimento de querer invade seu coração. Pensa:
- Meu Deus, como a quero! Mas, que loucura o que está
acontecendo.
Rapidamente se recompõem, visto não ter sido quem enviara o
vaso. O cartão e da mesma floricultura e diz: “Girassóis buscam o sol como vida,
eu busco você”.
“Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se
cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do
corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma
espada — para viver um grande amor”.
Após deixar o filho na escola, segue para o escritório.
Fecha-se em sua sala e diz a secretária que não atenderá ninguém. Sua cabeça
está um turbilhão. Alguém está flertando sua esposa, pelo visto, ela não
percebeu, pensa que as flores são dele. Liga para floricultura dando o endereço
de sua casa, dizendo terem recebidos as flores, porém não sabem de quem se
trata e solicita informações.
- Desculpe, não posso informar. É regra da casa.
- Sabe me dizer se é homem ou mulher.
- O máximo que posso dizer, a encomenda é feita por telefone
e o dinheiro depositado em conta.
Perpassa por sua cabeça a figura de cada amigo, casado ou não.
Amigos anteriores à época de estarem juntos. O personal trainer é homossexual.
Três vezes por semana vai à aula de artes, mas, conhece o grupo e somente há
mulheres. MULHER. Pode ser uma mulher! Não, não é o jeito dela.
Pensando em esclarecer o assunto, resolve convidá-la para
jantar.
- Oi, amor, gostaria sair para jantar, hoje à noite. Poderemos
ir ao Pátio, que tal? Fala com teus pais para ficarem com o Enzo.
Como as noites têm sido quentes, liguei para o restaurante e
reservei uma mesa na área externa, onde há uma fonte tendo em volta vasos, flores
e pedaços de lua se infiltrando entre as árvores. Um pequeno conjunto toca ao
fundo, havendo pistas de dança dispersas pelo jardim. É um lugar simples, mas
que encanta Rosa e onde trocamos muitas juras de amor.
Preciso saber, quem é o filho da p... que está se engraçando
com minha mulher e o mais importante, o que sente ela em relação ao possível
flerte. Tenho que proteger meu casamento e não posso perder a mulher que amo.
Sinto-me um cavalheiro defendendo sua dama.
Ao chegar em casa, ela está se arrumando. Tomo banho e me
troco, colocando uma roupa própria para uma noite de verão. A espero na sala,
cercado de vasos de rosas e de girassóis, apreensivo.
Recordo-me do primeiro beijo, roubado de relance, ao nos
despedirmos em uma conversa entre amigos. Do coração disparado pela ousadia, inicialmente
mal recebida, pois, por sua cabeça não passava o meu interesse. Ela tinha
pretendentes em volta e eu nunca estive no radar. Ela foi sempre firme, elegante e
alegre. Eu, sorumbático, rodando amores e sonhando quereres.
Quando ela apareceu, fiquei enfeitiçado. Linda em uma blusa
branca com desenhos em preto, uma leve saia plissada preta até o joelho, suave
ao toque. Porém, o que mais chamava a atenção, era o sorriso e o olhar que
trazia nos olhos. Caramba, como estou apaixonado.
“Para viver um grande amor, na realidade, há que
compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um
grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da
liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.”
No automóvel, pensava ser descabida a ideia de ela estar interessada
em alguém, pela forma como me olhou ao estar pronta, como afagou meu rosto, como
se encostou levemente em meu ombro para não estragar a maquiagem, era puro
sentimento.
Comemos, bebemos, rimos, dançamos. Não, era momento de
discutir suspeitas. Era uma noite de pura magia. O clima continuou em nossa
cama, com roupas tiradas pelo corredor e lançadas ao chão. Na nudez de nossos
corpos é quando mais me senti vestido de nós dois. Dormimos na exaustão do
prazer.
O amor por essa mulher me envolve totalmente, não aceito que
ele seja dividido.
Ou se ama ou não se ama; o meio caminho é conveniência.
Passaram-se duas semanas maravilhosas, regadas a conversas,
beijos e momentos íntimos. Algumas dúvidas, de vez em quando surgem: “Será que
está tão amorosa por estar com culpa no cartório?”
“É muito necessário ter em vista um crédito
de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao
grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor,
de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...”
Numa manhã, mesmo horário, o tocar da campainha.
- Não é possível – gelei.
Lá veio ela com um lindo buquê de flores
primaveris.
- Não acredito, você leu meus pensamentos. Eu vi
um vaso destes esta semana em uma loja e me encantei.
Espero que ela não tenha percebido o choque que
tive. A mesma floricultura. Fechei a cara e resolvi sair rapidamente.
- Leve o Enzo na escola, preciso sair.
- O que houve? Você não está passando bem?
- Tenho uma reunião e estou atrasado.
“É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja
apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor”.
Minha cabeça latejava, minha vista doía, meu
estomago parecia um vazio dolorido. A força se esvaia pelas pernas, pelos
braços, pelos dedos. Entrei no automóvel e mal conseguia dirigir. Andei a esmo
pela cidade. Quem seria o filho da p...? Estava emaranhando nosso amor. Interpondo-se
nos nossos sentimentos, ou seria só o meu?
Pedaços de filmes passavam pela minha cabeça,
homens sorrindo, abraçando, sussurrando próximos aos seus ouvidos. Ela rindo,
confidenciando, trazendo para próximo de si os amigos, as esposas e todos em
volta, numa relação de amizade. Nada, ninguém, nenhum olhar suspeito por parte
dela, nenhum desquerer. Pelo contrário, dez anos de casados e parece que foi ontem.
Mais carinho, mais achego, mais calor no corpo, nos olhos, nas palavras e nos
cuidados. Estou ficando louco.
“Para viver um grande amor é muito, muito
importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não
morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também
com a mente, pois qualquer “baixo” seu, a amada sente — e esfria um pouco o
amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia;
saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor”.
Seu sócio tinha falado em uma pousada em São
Francisco Xavier. Após se informar, passou a sonhar com o local. Bangalôs dispersos
pela serra no meio da mata, uma enorme banheira com uma grande janela para o
vale, o quarto todo em madeira, uma enorme cama de casal e uma lareira, para se
aquecerem e fazer amor sobre um cobertor estendido no chão.
Planejou e reservou para um final de semana de
quinta a domingo. Seu filho viajaria com os avós, visitando uns parentes no
interior. Ela achou estranho, mas, ele alegou cansaço. Ao final, se empolgou.
- Amor, deixa que cuido de tudo. Veja só nossa
roupa e de preferência para momentos íntimos. Como tem uma banheira, leva xampus
e perfumes. – falou Sílvio.
Desenvolve, em sua cabeça, a ideia de um fim de
semana romântico, como há muito tempo não tinham, para defrontá-la com o que
estava acontecendo. Caso a resposta não fosse favorável, seria o enterro do seu
casamento. Não aguentava mais aquela situação.
Na viagem foram ouvindo música, cantando,
relembrando momentos passados, muitos deles hilários. Petisquinhos na boca,
passada de mãos, excitamentos. Foi uma viagem prazerosa.
A pousada era tudo o que podia esperar de melhor,
simples, mas, de muito bom gosto. Tinha um bangalô maior, onde serviam o café
da manhã, que também podia ser no quarto, um fogão de lenha constantemente
aceso, com um café e cestas com pão de queijo, pequenos salgados e doces. Na
maioria das vezes recém-feitos.
Tudo era produzido no local. O ambiente era
acolhedor, estimulava a permanência e a conversa, entre os hóspedes e os donos
do local, um casal de goianos, que ao final da vida resolveram realizar um
sonho: ter uma pousada. Eram cultos, viajados e com uma conversa muito
agradável.
Recomendaram aos hóspedes, que aproveitassem as
manhãs e as tardes para visitar a cidade e o entorno, com seus inúmeros
restaurantes e pequenas lojas, pois a tarde costumava cair a temperatura, com
possível chuva. À tardinha, o pôr de sol de fronte as janelas dos bangalôs,
estimularia o aconchego de seus quartos. Caso quisessem, teriam caldos no
jantar, doces, chás, chocolate, leite e café, que poderiam ser servidos nos
quartos. Os restaurantes da cidade à
noite, também, era uma ótima pedida.
Com outro casal, que conheceram no hotel,
correram a cidade, tomaram chocolate quente, comeram alguns pães e doces e às
17:00 h resolveram voltar, pois, o tempo mudara radicalmente. Fazia frio e havia
uma garoa insistente.
“Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos,
camarões, sopinhas, molhos, strogonoffe – comidinhas para depois do amor. E o
que há de melhor que ir para a cozinha e preparar com amor uma galinha com uma
rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?
Sílvio encheu a banheira, pedindo a Rosa diluir
perfumes na água. Manteve à mão xampus para os cabelos e óleos para a pele que pedira
a ela que levara. Acendeu velas perfumadas em torno da banheira e pelo
ambiente. Próximo à banheira colocou uma pequena mesa, com queijos diversos,
frutas secas, torradas, patês e frios cortados. Para beber, Proseco, em um
balde com gelo. Solicitara a recepção taças altas e finas. Pensou, não sabia
cozinhar, mas daria a ela o prazer de ser servida pelo seu amor (assim esperava
ser).
Antes de entrarem na banheira, acendeu a lareira
e colocou um cobertor felpudo no chão, com lençóis e travesseiros espalhados em
volta. A luz era a das velas, no ar uma música baixa e envolvente.
Despiram-se e entraram cada um dos lados da
banheira. A janela ampla permitia ver o pôr do sol amarelado, as copas das
árvores balançando em compasso de dança, pássaros em voos rápidos buscando
abrigo para a noite. Fora, o barulho do vento entre as copas e pelos vãos dos
beirais. Pouco a pouco o ambiente foi sendo tomado por uma penumbra agradável.
Depositou em uma pequena torrada um pedaço de queijo
brie com damasco seco e a ofereceu. Ela comeu, sorriu e devolveu a gentileza.
Serviu um pouco do Proseco nas taças, brindaram e beberam. Comentários gentis e
sensuais, gracejos, risos, lembranças íntimas. Perderam-se no tempo servindo um
ao outro. Por vezes um massageando ao outro e brincando com suas intimidades.
Sílvio a fez escorregar e deitar encostada em seu
peito. Colheu os seios em suas mãos, sentiu o quanto ela gostara. Correu sua
mão até atingir seu sexo, brincando com ele. Rosa puxou a boca de Silvio para a
sua e elas se transformaram em uma só, em lábios, línguas, salivas, desejos,
gemidos, anseios. Trocaram goles de vinho boca a boca. Rosa sentiu a rigidez de
seu sexo. Ondas de desejo corriam seus corpos.
Levantaram-se da banheira, mal se enxugando,
deitaram em frente a lareira sob os tecidos. Foram momentos em que se
saborearam. Ele escorreu o vinho no meio de seus seios e sorveu o líquido no
correr do seu corpo. Ela repetiu com ele o mesmo gesto.
Não houve canto, nem recanto que não se tocassem, nem
desejos que reprimissem. O mundo, com todos os seus horizontes, estava centrado
naquelas quatro paredes. Não aguentando mais os prazeres do momento, fundiram-se
em um só e no ápice dos sentimentos, liberaram seus gozos, envolvidos de amor e
carinho.
Nos dias seguintes, com o casal companheiro de
hotel, alugaram um bugue e correram os caminhos pelas montanhas onde
encontraram cachoeiras com águas gélidas, criatórios de tilápias e seus
diversos produtos, vistas esplendorosas, alambiques com suas bebidas e licores
de embebedar, artesanatos, pequenos restaurantes com seus salgados ou comidas
típicas.
Com eles, se divertiram pela cidade, mas a noite
preferiram o aconchego de seu quarto. Ali estava o que necessitavam: um ambiente
só deles. Traziam alguma comidinha para consumirem, reforçaram a bebida, mas o
enredo era feito na hora, elaborado toque a toque. Passaram o óleo que
trouxeram em seus corpos, cada um curtindo pedaço a pedaço o
companheiro. Se abraçaram, se apalparam, se esfregaram, escorregaram e se
amaram intensamente.
Devido ao prazer de estarem juntos, curtindo,
Sílvio não encontrou como abordá-la em relação ao que desejava. No último dia da
estada, aquilo o agoniou, mas, não conseguiu conversar a respeito. Tudo estava
maravilhoso. Tinha receio de perder o que estava ocorrendo.
“Para viver um grande amor é muito, muito
importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto – para não
morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a
mente, pois, qualquer “baixo” seu, a amada sente – e esfria, um pouco o amor.
Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber
ganhar dinheiro com poesia – para viver um grande amor”.
Nos dias seguintes ao retorno, Silvio ponderou: “Alguém
apaixonado por ela deseja chamar sua atenção, enviando flores”. Entretanto, minha
mulher está tão envolvida comigo, que não consegue perceber que alguém se
aproxima. A melhor forma de a proteger e estar presente, amá-la e manter meus
pensamentos no fortalecimento do nosso amor. Saborear com ela e com meu filho a
felicidade de uma família. Manter-me firme na defesa de minha Dulcineia. Tenho
notado, nestes dias que estamos mais juntos, o valor das pequenas alegrias
preenche mais do que a busca de grandes momentos, que muitas vezes são
efêmeros.
Sílvio recordou-se do final do poema
musicalizado:
“Mas tudo isso não adianta nada, se
nesta selva
oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para
viver um grande amor”
Sorriu e sentiu-se feliz, ele tinha um grande
amor.
Assim pensava, enquanto voltava para casa, feliz com a surpresa que daria à Rosa ao retornar mais cedo, para buscarem juntos o Enzo
na saída da escola e depois, um sorvete com muitos risos e felicidade.
Chegou em casa sem ser notado.
Rosa estava no viva-voz do telefone, aguardando que a
chamada fosse atendida:
- Floricultura Estação das Flores, pois não?
- Boa tarde, Juvenal. É a Rosa, necessito de um
buquê de rosas-brancas.
- É para o endereço de sempre?
- Não, é para uma amiga, vou te passar o endereço.
Sílvio parou ao ouvir a conversa. Ficou chocado.
Sua mulher o estava manipulando, seguindo as etapas de como viver um grande amor?
Teve o impulso primeiro de desmascarar a situação, deixar a verdade submergir, escancarar a manipulação ou deveria sair, sem se fazer notar, e permitir que uma mentira envolta em encanto continuasse? Estava confuso. O que fazer?
O que diria o Poetinha?
“A vida é a arte do encontro embora haja tanto
desencontro pela vida. Há
sempre uma mulher à sua espera com os olhos cheios de carinho e as mãos cheias
de perdão.”
Texto maravilhoso, que nos faz passear por cada trecho percorrido e imaginar as cenas e a seguinte questão... quem estava mandando as flores?
ResponderExcluirMas próximo ao fim, já estava considerando este desfecho! Continue a escrever esses textos que nos faz pensar além do que os olhos veem.