A vila, uma dúzia de casas perdidas no sertãozão de Deus,
onde o trabalho maior é ter o que comer e principalmente beber.
O sino da pequena igreja, há muito abandonada, onde Deus nem
mais estava, tocou. Lá as primeiras letras e catecismo.
Um padre distante, de tempo em tempo para batismos,
casamentos e raras missas.
Pouco a pouco, a igrejinha foi se perdendo, pelas escassas
procuras e pela inclemência do tempo que paredes e telhados fustigava.
A cidade toda acudiu ao tocar.
Envelhecida, a porta foi aberta, com dificuldade, pelo peso
dos anos não mais usada.
Uma faixa de sol adentrou, formando um caminho de pó e
descobrindo um tapete de merda de pássaros. Ouviu-se o agitar de corujas,
enquanto o atônito voar de morcegos ocorria.
Com cuidado, subiram os degraus carcomidos que levavam ao
campanário.
Quem voltou, trazia os olhos esbugalhados e o pálido no
rosto.
- Não tem ninguém!
- Como? Cruz Credo! É o demo! Um sinal!
Era meia manhã, horário que não pertencia às almas.
A cidade todas as noites se reunia à porta das casas, para o
conversê. Corriam estórias, valentias, o desconhecido e as premonições. As conversas eram envoltas da fé herdada,
misturadas de personagens das lendas e cultos.
O distanciar da fé clerical, somado à crendice criou um caldo
próprio de religiosidade.
Os mais velhos diziam: castigo, um dia iria acontecer. Os
mais novos, tremiam nas suas incertezas.
De então, as conversas ao pé da porta se encheram de novos
personagens e medos.
O recolher tornou-se mais cedo, crentes que atrás das portas
e trancas estariam mais protegidos.
Um rosário, de vez em quando era puxado. O silêncio se
abatia. Em alguns o balbuciar da oração, em outros o olhar fixo na noite, perdidos em seus demônios.
O assunto ficou falado, mais que o bezerro entalado, o
cachorro de duas cabeças e o sol se apagando no meio do dia.
Não havia riso que se sustinha e imaginação que se aquietasse.
O acontecido mexia com o batido do dia a dia e a mesmice da vida.
O tempo foi passando e a igrejinha benta em maldita se
tornou. Os adultos a contornavam e as crianças não mais por lá brincavam.
Os ouvidos, que por um tempo eram aguçados na busca de algum
batimento, encheram-se do som dos animais, dos pássaros e por vezes do ruído do
vento na caatinga açoitando o mandacaru.
A vida continuou mesmeira, mas, o fato ficou.
No dia em que coloquei pé na estrada da vila, que dia a dia
se esvaziava dos que morriam ou se iam, ao me distanciar, acredito ter ouvido o
tocar do sino.
Quem sabe, desejando sorte no meu caminhar. Que a vida não
fosse o silêncio batido de viver por viver.
Até hoje o tenho nos ouvidos

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