
Bem vestida, maquiada e animada, sentada a um canto batia
palmas e cantava as músicas. Seu rosto expressava alegria. Chamava-se Laura.
O grupo de jovens que periodicamente visitava o asilo cantava
e tocava. Um ou outro motivava algum dos
idosos para dançar, tocar ou cantar ao microfone.
Surgiam entre eles, invariavelmente, alguns artistas,
enferrujados pelo tempo, mas demonstrando que já tiveram seus tempos como
cantores, músicos ou bailarinos.
Vitor, um dos rapazes, convidou Dona Laura para dançar.
Depois de um pequeno tempo, ela pediu para retornar ao quarto a fim de
descansar.
Vitor a acompanhou. Ficou admirado com seu canto no quarto,
aonde havia mais três camas. Estava bem arrumado. Cama feita. Criado mudo limpo
com porta retratos. Encima da cama uma mala pronta, ao lado uma pequena
cadeira, sofá com um sobretudo arrumado.
Colocou a mala no chão ao lado e deitou-se. Depois de
acomodada Vitor perguntou:
- A Senhora vai embora?
- Sim, amanhã minha filha virá me buscar. Voltarei para
casa, onde ficarei junto dela, do meu genro e meus netos. Tenho dois. Veja as
fotos sobre o criado mudo. Não são lindos? Este é o Rodrigo e esta a Anita. Preciso
descansar para depois jantar e amanhã pela manhã estar bem disposta.
-Que bom, Dona Laura. Fico feliz. Bom descanso.
Vitor voltou para o grupo que continuava na cantoria, nas
danças e no alegrar das pessoas do asilo.
Uma parada para o café com bolachas.
Nesse intervalo, em conversa com o Dr. Almir, um dos administradores
do local, se referiu a simpática Dona Laura que estava com suas coisas prontas
para retornar para casa.
-Vitor, todos os domingos, ela se prepara para ir embora na
segunda feira quando a filha a virá buscar. É assim desde o começo, há oito meses.
Na segunda, não quer sair para caminhar no pátio nem ir ao
refeitório para o almoço aguardando a chegada da filha a qualquer momento.
É uma tristeza geral. Ninguém quer desmanchar o encanto da
vinda da filha. Muitos pelos cantos derramam uma pequena lágrima por saberem
que ninguém virá.
Ao final do dia, resignada, sem desmanchar o sorriso que
carrega nos lábios e nem o brilho dos olhos, desmancha sua mala e diz: minha
filha deve ter tido problemas. Ela é muito ocupada. Se não veio é porque não
pode, na próxima semana virá.
Coloca tudo novamente no armário e criado mudo. Ajeita sua
cama e deita. Temos que insistir que se levante para o jantar.
No dia seguinte, como se nada tivesse ocorrido, fica no
aguardo e na preparação para a próxima segunda feira.
No fundo é uma esperança que a mantem viva. Por essa espera
ela se cuida, come, se arruma e conversa.
Ela tem fé que a filha a virá buscar, de encontrar os seus e
com eles conviver na alegria.
É uma fé afetada por um cérebro corrompido pela idade, mas, uma
entrega que a faz feliz e a mantem vivendo melhor. Uma fé que ampara seus
sonhos e esperanças.
Muitos, como ela, tem fé em verdades falsa ou dúbias, mas
que os mantem firmes para enfrentar a vida por um possível amanhã ou um paraíso
após a morte.
Quantas Dona Laura não há pelo mundo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário