quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Tesão Dolorido

Estava no ônibus, quando uma graciosa loirinha se posiciona ao seu lado. No balanço da viagem, se aproximam e ela se encaixa a seu corpo.
 O ônibus está lotado e lá vão eles nessa doce sacanagem.
Quatro pontos a frente do seu, ela desce e ele junto.
Conversam, se tocam e em um dos cantos escuros da ruela se amassam.
Marcam para se verem no próximo sábado às 18,00 h. Pensa ele: bom horário, começa a escurecer, ninguém nos vê, e depois dá tempo de encontrar os amigos para ir a farra.
No dia e hora marcados, lá estão. Buscam um ponto adequado e começam o entrevero amoroso.
Ela lhe beija e abraça de uma forma louca. Tem sede de carinhos.
Ele passa mão, lhe aperta, tenta subi-la por dentro do seu vestido, do seu decote, mas ela não deixa. Seu membro está pegando fogo e ela o pressiona com a perna, aperta com sua mão. Mas tudo por sobre a roupa. Após uma duas horas de namoro se despedem.
Lá vai ele vencendo o percurso para encontrar os amigos.  A medida que anda uma dor lancinante vai lhe tomando os bagos. Mal consegue andar. Desiste dos amigos e vai direto para casa e para o banheiro onde tenta amenizar a tensão. Mas a dor não passa, se deita e lá se vão umas duas horas para se acalmar.
No próximo final de semana pensa: saio direto do encontro, pego o ônibus para não demorar, passo em casa, alivio a situação e depois vou encontrar o pessoal.
Assim o faz. Mas a medida que o ônibus anda a dor vai aparecendo. Segue para casa e direto para o banheiro. Nada da dor passar. Lá se vai a farra e os amigos.
Continuam os encontros, apesar das dores, pois os prazeres são maravilhosos.
Em uma das vezes ela lhe diz:  Meu pai não quer que eu fique namorando na rua, quer que eu namore no portão.
Tudo bem na próxima vez te encontro lá.
Não apareceu mais.
Passado menos de um ano, quando estava na porta da igreja, onde namorava uma das meninas do pedaço, a viu entrando. Fizeram que não se conheciam.
Um tempo após a sua saída correu para saber o que tinha ido fazer.
Veio marcar seu casamento.
Pensou: do que me livrei, o outro não agüentou e vai acabar casando !

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Déja-lo Maria, La Vida Le Vá Enseñar

Carlos era um daqueles conhecidos que se perdeu no tempo. Fomos amigos entre os 16 e 20 anos. Os encontros foram rareando, pelo namoro dele, cada vez mais sério, tanto que acabou se casando com a primeira namorada, além do trabalho e dos estudos.  Do meu lado, por razões similares.   Acabamos, finalmente, nos distanciando quando mudou de cidade.

“O mundo gira e a Lusitana roda”, propaganda antiga de uma empresa de mudanças.

Depois de muito tempo retomamos os contatos. Desta vez, num jantar em sua passagem por São Paulo, onde junto com Curitiba e Jundiaí divide sua vida, nos encontramos para colocar o papo em dia.

Carlos viajou a inúmeros países da América, Europa e Oriente, mas apesar da descendência portuguesa, tem um especial apreço pela cultura espanhola. É voraz consumidor de filmes, documentários, livros sobre a Espanha e sobre a infeliz guerra civil que assolou o país entre 1936 e 1939.

Nesse jantar, relembramos fatos vividos e conversamos sobre nossas famílias, principalmente, filhos. Os endereços mudam, mas os problemas são relativamente iguais. Muitas vezes, eles só aprendem dando cabeçadas, apesar dos conselhos.

Em sua casa, quando começam discussões , Carlos pergunta aos filhos qual é a frase a ser usada. Eles respondem:
- “Déja-lo Maria, la vida le vá a enseñar” (Deixe-o Maria, a vida o ensinará).

Surpreso, perguntei de onde tirou esta frase. Ele me disse:
- Ouvi seu pai dizer a sua mãe, inúmeras vezes quando você discutia com eles sobre os mais diversos assuntos. Aliás, observar um homem curtido pela idade e pela guerra, sem maior cultura, mas com sabedoria e com um comportamento agradável com as pessoas me fez admirá-lo.

Carlos confessou que meu pai incutiu nele um interesse pela Espanha, pela Guerra Civil.  Esse interesse mexeu com sua vontade de aprender e ampliou sua visão da vida. Isto o fez uma pessoa diferente.
Ouvindo aquilo fiquei emocionado e alegre pela influência que meu pai teve em sua vida.

Mais tarde, pensei.  Quantos gestos, palavras e atitudes nossas, influenciaram pessoas sem que ao menos nos déssemos conta e a quantidade de vezes que desperdiçamos com inutilidades ou nada agregando de bom.

Quantas oportunidades perdemos de melhorar o mundo, nem que fosse emanando pensamentos positivos, olhares agradáveis, sorrisos cativantes, gestos gentis?

Estudamos, nos formamos. Imaginamo-nos inteligentes, donos das palavras. Entretanto, teremos, em algum momento, tido o mesmo papel que meu pai teve na vida daquele garoto de pouco mais de 16 anos? Um homem sem formação cultural, um mero operário de obras. Tinha as mãos ásperas como uma lixa de dobrar ferro para formatar estruturas  a serem concretadas. Mas tinha um olhar calmo e comentários desenvolvidos pelos momentos de agruras que a vida lhe fez passar. Reiniciou sua vida do nada em um país estranho aos 51 anos.

Buscamos respostas, caminhos, conselhos nos livros, em palestras, nos estudos.  Acreditamos que elas estão nos grandes conhecimentos, quando podem estar ao nosso lado, nos gestos e nas pessoas mais simples.
Eu tive a graça de ter tido algumas delas que influenciaram a minha vida, mas será que tive a graça maior de ter exercido esse papel?




quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A Feira

Ver imagem em tamanho grandeGostava de ir a feira. Principalmente na barraca de frutas do Sr. Manoel português, que tinha uma filha maravilhosa.
Esperava a semana para vê-la.
As uvas, refletiam o verde de seus olhos. Sua pele era acetinada como um pêssego, seus dentes tinham a brancura do melão e seus lábios eram como morangos.   
Os seios, estes não eram frutos nos seus devaneios, mas puro desejo, assim como o resto do corpo.
Ele tinha 32 anos, ela em torno dos 19. Era o pomar que sonhava para sua vida.
A semana voava com facilidade, para chegar o domingo.
Passava na barraca escolhia uma ou duas frutas, mas somente com ela, e dizia que ia olhar o resto da feira e depois voltava, para escolher outras variedades.
Brincava com o Sr. Manoel que um diria iria raptá-la, pois era a melhor fruta da sua barraca.
E o Sr. Manoel ria com seus bigodes, pois o cliente era bom, gastava bem, simpático com a filha e ficava satisfeito com a forma educada como a tratava.
O encanto por ela aumentava e a semana começou a se tornar vagarosa.  O domingo demorava a chegar.
Pensava no seu sorriso, constantemente. Tinha a impressão que sorria para ele diferente de para com os outros. Ria com gosto das suas brincadeiras, dos seus galanteios. Seu olhar parecia lhe dizer palavras, desejos.
Eram meses nesse andar de esperar, de alegrias, desejos, pequenos prazeres nos gestos, sonhos.
Finalmente se decidiu, na próxima semana iria falar com o Sr. Manoel. O português parecia que gostava dele. Além do mais tinha toda a condição para se casar e sustentá-la.
No Domingo, na barraca, pergunta: Sr. Manoel cadê a Maria?
Ora pois, não sabes? Casou-se, e como o marido também tem barraca de fruta na feira vai ajudá-lo, só que é em outra freguesia.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Putero

Eram seis amigos e estavam discutindo a ida a um putero.  Naquela época uma das raras formas de se fazer sexo. Não como hoje, em que tudo é mais fácil.  Alguns nunca tinham ido, outros uma ou duas vezes. Seria a segunda vez do Pedro.
Vamos no próximo sábado?  Não dá o Paulinho só faz 18 anos na próxima semana.
Vem cá será que não dá problema ir no putero só com 18 anos, não precisa ter 21 anos, ser de maior ?  
Besteira eu já fui e não tenho 21 anos.
Não sei não, filme de sacanagem é proibido para 21 anos, quanto mais no real.
Tá com medo ?
Decidiram a data. No dia lá se foram, com o dinheiro justo para a metida e mais algum para as cervejas depois. Seria a hora de contar vantagens. Todos já tinham tido experiências. Era todo mundo comedor.
No fundo uns grandes mentirosos, no máximo uns pegas mais ousados com alguma menina.
Chegando no local a mulherada ficou louca. Carne fresca e inexperiente. Cliente bom, rápido, pois já estavam com a bala na agulha e em ponto de disparar.  Após algumas conversas, cada um foi pegando a sua e seguindo para os quartos.
E lá foi o Pedro. A mulher tirou a roupa. Seus seios que eram grandes, imponentes se prostraram em direção ao solo. Sua barriga tinha umas ondinhas que pareciam umas marolinhas.
Mais abaixo o grande foco do desejo.
Tirou sua roupa. Começou a lhe acariciar, alisar seu membro que já estava em ponto de ataque e o encaixou no seu sexo.
Estavam no agradável vai e vem do prazer quando batem na porta com força.
Pedro pensa: caralho, tô fodido, é a polícia. Não tenho 21 anos. Broxou na hora.
Batem novamente com força.
A mulher lhe pede, põe as calças e veja o que é. La vai ele tremendo, mal afivelando o cinto, mal abotoando a camisa para abrir a porta.
Qual não é a sua surpresa, o Paulinho, sem camisa com as calças nas mãos.
Me empresta algum para completar o pagamento pois ta faltando?
 Feito empréstimo, retorna. A essa altura com o membro em plena prostração.
A mulher o vendo naquele estado diz: Vem benzinho vou dar um jeito em você.
Lambe a sua orelha, corre sua língua pelo seu pescoço e mamilos. E vai descendo. Brinca com seu umbigo. E vai descendo. Passa pelos pentelhos. E vai descendo.
De repente, Pedro descobre a maravilha, de que havia outra forma de se fazer sexo.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O Sorriso

Estava parado no farol.  No carro ao lado havia um menino que sorria.
Seus pais conversavam no banco da frente e ele no detrás sorria pela janela.
Olhou em volta para ver a quem sorria. Não havia ninguém.
Estava sorrindo para ele. O menino devia ter uns 6 ou 7 anos, cabelos castanhos com alguns fios caindo sob a testa. O sorriso era largo, se espraiava pelos olhos e estes brilhavam.
Ficou hipnotizado com o sorriso.
De repente,  o trânsito andou e o carro com o menino se foi.
Tratou de por o seu  em movimento,  neste momento olhou no espelho retrovisor e notou que estava sorrindo e que possuía nos olhos o mesmo brilho do menino, só que com uma pequena lágrima no canto.

Alzheimer




Ele observa seus olhos. Estão fixos no vazio.
Ri e canta algo que está perdido no tempo.
De repente para e pergunta: Quem é você ?
Seu marido, meu amor. Lembra da nossa casa, nossos filhos ?
Os olhos se voltam para ele, mas de repente, se apagam escapando do presente e voltando para o passado.
É triste relembrar a mulher bonita, a mãe amorosa que tinha a grande alegria de agregar todos a sua volta. Agora uma simples presença física.
Toca-lhe o rosto, beija a testa e lhe acaricia as faces. Busca um sinal, por menor que seja, de reconhecimento.
Quem é você ? Meu pai me levava a todos os brinquedos. Andava de carrossel, roda gigante, bate-bate.
Começa a cantar cantigas de roda antigas.
Coloca o prato de comida a sua frente e os talheres a mão.
Ela observa sem entender do que se trata.
É a tua comida. Come !
Começa a comer.
De repente para e fica olhando para o prato.
O que é isto? É a tua comida.
Onde está o negócio de comer ?  Os talheres estão na tua mão.
Novamente começa a comer.
Está linda, tem a pela macia e os cabelos sedosos que sempre o encantaram.
Seu corpo mantém a forma.  É a mulher da sua vida com quem vive há anos e que foi cada vez mais se perdendo dentro de si, deixando de pertencer ao presente, tornando-se outra pessoa, perdida, confusa, às vezes agressiva.
Não conhece ninguém. Nem a ele. Só lhe permite que a ajude. Ele a leva para as necessidades a mais das vezes incontidas, lhe banha, troca.  A arruma como se fosse a uma boneca.
É um ser desconhecido com todas as formas e às vezes com o sorriso e o olhar de antes.
Ele sente como se estivesse velando dia a dia um corpo presente cuja alma se foi. Só resta a matéria.
Ela se perdendo do presente e ele do futuro.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Casamenteiro















O Santo é casamenteiro,
O pão é bento.
Na fila rezo:
Quero um marido.
Comendo o pão acrescento:
Que não seja enrustido,
Nem mulherengo.
O Santo responde:
Somente sou Santo.
Pede pra Deus,
Não consigo tanto.





quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O Velho Anarquista


O velho anarquista, em Valencia, em frente a La Lonja de La Seda, uma obra gótica dos Sec. XV e XVI, patrimônio da humanidade, olhando para a Igreja de Los Santos Juanes, que fica em frente e foi construída em cima de uma mesquita do Sec. XIII, disse:
- Eu e a companheira, ficamos daqui vendo o povo colocar fogo nesta igreja, quando da Guerra Civil (tanto que até hoje a suas pinturas estão enegrecidas pela fumaça), queimando na praça seus santos, seus paramentos.
A Guerra Civil Espanhola, de 1936 a 1939, dizem ter sido a última guerra ideológica. Este é um assunto que exige uma análise longa.
Na época, o povo oprimido pelo império, pelos latifúndios, pelo pouco trabalho com baixíssimas condições, pela dificuldade de ter o seu pedaço de terra e produzir, tentou tomar o poder e se voltou contra tudo o que representava o passado e a opressão.
A Igreja era uma dessas figuras do poder. Foi atingida pelo turbilhão em função do pior que representava.
Queimaram templos, conventos. Mataram e perseguiram padres e freiras. O mais estranho é que no fundo o povo espanhol era crente.
A Igreja, na época, usufruía das riquezas e do poder e distribuía ao povo o consolo de um mundo melhor. Só que depois da morte. Vendo-os serem oprimidos e pouco fazendo.
No passar do tempo se distanciou do Cristo, na busca do poder temporal, e ditou as verdades que lhe convinha. Não era mais a representante das suas palavras e sim a sua proprietária.
Construiu templos faustosos para exaltar a Deus, mas, os construiu com muita dor e sangue.
Vidas se foram nas construções. Algumas por abnegação, outras por cobranças, outras por necessidade.
Muitos morreram para cobri-los de ouro, para os seus ostensórios, cruzes, andores. Para ornamentá-los de pinturas e das mais diversas riquezas.
Muito do corpo e sangue de Cristo, se misturou com o corpo e sangue dos que morreram para a criação e manutenção de sua grandeza e fausto.
Não bastava mais um simples pão e uma taça de barro, eram necessários patenas e cálices de ouro. Paramentos luxuosos.
Era essa igreja que os espanhóis queimavam na sua ânsia de um mundo melhor.
O velho anarquista dizia:
- La iglesia no era de Diós e si del diablo.
Quando se entra nas suntuosas Igrejas da Espanha, tem-se a sensação de se estar perto de Deus, pela suavidade dos seus ambientes, pela imponência dos seus altares, pelos vitrais, coros e colunas. Pela beleza distribuída por todos os lados. Mas, pode-se sentir a dor entranhada nas suas paredes, das vidas dos índios do novo mundo, quando da busca do ouro e da morte que rodou todos os continentes para o seu maior engrandecimento e riqueza.
As palavras do Filho, permaneceram, com uma força superior aos templos, igrejas, seitas, religiões que se criaram em seu nome. Ela não necessita de bens, mas sim, que vivam a sua essência.
Quem sabe o velho anarquista deveria ter dito que a Igreja não era do Diabo, mas, sim, tanto de Deus quanto do Diabo.

Ele e Ele Mesmo

Ele se viu andando do outro lado da rua. Resolveu segui-lo. Entrou em uma joalheria e pela vitrine observou que escolheu um anel e pagou com o cartão.
Tão logo saiu, ele entrou na loja. A vendedora lhe vendo perguntou: Esqueceu algo?
A cópia do pagamento com o cartão.
Eu lhe dei mas vou providenciar uma 2ª via.
Ao voltar falou: sua mulher vai realmente gostar do presente, tenho certeza.
Caramba ! Esqueci que era seu aniversário, ainda bem que ele lembrou.
Correu para casa e chegando se viu entrando.
Pela janela observou que beijou a esposa, abraçou e entregou o presente.
Ela ficou feliz, riu, e pulou de alegria.
Ele disse que ia subir e trocar de roupa.
Aproveitando este momento entrou em casa. Aproximou-se da mulher e a abraçou pelas costas.
Ela se virou e exclamou admirando o anel: você adivinhou, era meu sonho.
Abraçaram-se. Nisto notou por sobre o ombro dela que ele estava voltando, descendo as escadas.
Parou ao pé da escada e ficou admirado de se observar abraçando a esposa. Seus olhares neste momento se cruzaram e como se em um entendimento, voltou, subiu as escadas e se dirigiu ao quarto.
Enquanto isso ele na sala a beijava e acariciava.
Ela lhe disse: Vamos comemorar no quarto, teremos uma noite inesquecível.
Passou pela cozinha pegou uns queijos, duas taças e uma garrafa de vinho e subiu.
Ele ficou na sala.
Ela entrando no quarto já o encontrou na cama. Bem como você foi rápido. Trouxe vinho e queijo.
Enquanto tiveram uma noite de prazeres, ele ficou na sala vendo TV.
Cedo levantou da cama e desceu. Encontrou-se dormindo no sofá. O acordou para que aproveitando o sono da esposa se trocasse para ir ao trabalho.
Mais tarde, a mulher o encontrou de pijama na sala lendo o jornal.
Não vai trabalhar?
Daqui a pouco.
No meio da tarde, a mulher telefona: Bem, pega as crianças na minha mãe depois do trabalho.
Ele se telefona e pergunta: Onde você está ?
Estou jogando tênis e depois vou sair com os amigos, e você ?
Vou buscar as crianças, pegar nossa esposa em casa, ir ao cinema e depois jantar fora.
Tudo bem. Aproveita, é a sua vez. Eu vou chegar tarde. Amanhã irei trabalhar e você fica na folga.
Divirta-se !

O Telefonema

Ela acordou, olhou o relógio. Nove horas, resolveu ficar um pouco mais na cama relembrando o telefonema da noite passada.
Levantou, pijamão de flanela, chinelão velho.
Bom dia Cáca. A sua boa e velha companheira. Uma alegre cachorra schnauzer, com quem passava o dia inteiro conversando.
Preparou o café numa pequena cafeteira enquanto contava do seu telefonema.
Colocou uma velha e folgada roupa, para que não lhe aperta-se e nem banho tomou. Já havia tomado um dia antes. Penteou o cabelo cheio de mechas brancas que demonstravam a necessidade de um cuidado maior.
Deu uma pequena arrumada na casa, lavou algumas peças de roupa, guardando os detalhes do que acontecia para que no telefonema daquela noite os pudesse comentar.
O almoço, uma quantidade de macarrão, com uma porção a ser guardada para a noite. O molho era de lata, que já estava pela metade. Não valia a pena preparar um de tomates frescos só para ela.
Sob a cristaleira algumas fotos antigas. Seus pais, avós.
Uma das fotos era de quando debutou aos quinze anos.
Cacá veja como eu era bonita, como eu estava linda. Foi uma noite maravilhosa, dancei com vários rapazes. Aliás, preciso lembrar melhor dos detalhes para contar no meu telefonema de hoje.
À tarde TV, principalmente com a novela que é reprisada.
Cacá essas novelas antigas é que são boas. Não tem esse agarra agarra de hoje, sexo a todo momento. Não havia nem gays e lésbicas! Alias esse é um assunto interessante para a conversa de hoje à noite. Relembrar o valor do amor puro, companheiro, solidário. Do querer afetuoso.
Cacá você não acha que eu tenho razão ?
E a cachorra como que concordando abanava o rabo.
Depois o folhear das revistas com os titis das novelas, os fuxicos dos artistas.
Um pouco mais de TV com os programas falando mal da vida dos outros.
E a noite. Ah, as novelas! Uma atrás da outra. Emoções, ódios, desejos, vinganças. Aquilo era vida, aquilo enchia o seu viver.
Quando uma novela terminava era como se um ente querido se fosse.
Todas as emoções lhe vinham à pele. Eram elas que embalavam a conversa telefônica noturna.
Após as novelas, uma vez por semana, a comédia que falava da família. Relembrava a sua. Ria, às vezes chorava, com os fatos que pareciam com os vividos.
Ai vinha o monótono jornal da noite.
Abria a janela do pequeno apartamento e observava a vida lá fora. Pela janela dos prédios via gente jantando. Conversando e rindo na sala. Crianças correndo no quarto e mãe entrando e ralhando.
Nesse momento a solidão tomava conta do seu coração. As lembranças das fotos na cristaleira eram parcas.
A grande noite de insônia iria começar. Era o momento do tão esperado telefonema.
Disca lenta e ansiosamente os números.
Uma voz melodiosa atende:
C.V.V. * boa noite !


* Centro de Valorização da Vida

Supermercado

Como é duro ir ao supermercado com a mulher. Ser um ajudante de luxo. Uma agonia, uma paciência nipônica.
Bem, pega alguns limões. Pega meia dúzia de detergentes. Esses não. Já te falei só gosto dos transparentes.
Pega uma margarina. Droga qual é a que a gente usa em casa ?
Olha a prateleira. Tem inúmeras marcas. E o pior, as embalagens todas se parecem.
A mulher quando olha para uma prateleira seu olho clínico consegue ver a embalagem de um produto novo. Deve ter um raio x especial. E trata de pega-lo.
Ele olha e é uma profusão de cores, rótulos. Os olhos se embaralham e não conseguem se fixar em nenhuma, são todas iguais.
A mulher adora cheirar os produtos de limpeza que aparecem. Abre a embalagem e sente o aroma. Ele já disse: devia arrumar um emprego de piloto de prova de produtos de limpeza.
Agora mesmo, vai pega um, abre a embalagem e cheira, mas, o produto branco começa a sair do frasco e se avolumar, começa a tomar seu braço e vai se multiplicando, avançando para seu corpo. Toma seu rosto e ela começa a gritar. Ele corre para socorrê-la, assim como outras pessoas do mercado. Mas seu corpo vai se transformando em uma massa só.
Já se imaginou na frente da TV explicando que sua mulher foi engolida por um produto de limpeza. Que a sua perda é grande mas que irá acionar a empresa fabricante.
Alguns amigos o verão na TV e dirão: coitado não há valor que pague o ocorrido, outros, que sortudo e ainda vai botar a mão em uma grana.
Nesse desespero de imagens e pensamentos tenta ver qual a embalagem que está na mão de sua mulher, mas junto com todo o seu corpo se transformou em uma massa só.
Pensa: qual o fabricante? A quem vou acionar ? Seu desespero aumenta.
Nisso uma voz pergunta: jasmim ou lírios do campo? Meu Deus o que importa o aroma? Será que ajudará na identificação do produto ?
E a voz ainda mais forte: Jasmim ou lírios do campo?
Ele desperta do seu devaneio e vê sua mulher com dois frascos nas mãos, perguntando:
Benzinho eu prefiro jasmim. E você: jasmim ou lírios do campo?
Meio atordoado, retornando a sua pequenez, ao seu dia a dia responde:
Lírios do Campo.
Ah, mas eu vou levar jasmim por que eu prefiro. E ele fala baixinho aos seus botões: porque pergunta, pois, sempre leva o que quer?