7/26/21

Bruma

 



A casa estava vazia, obscurecida pela dor.

O barulho é o que vem da rua. Se não fosse ele, a sensação é que tudo estava silencioso, morto.

- Pedro, cuidado não vá cair da bicicleta! – grita minha vizinha.

Vejo a imagem passando pela janela e atrás a mãe correndo.

Abro a porta do armário e seu ranger me lembra suas palavras:

- Bem, quando vai colocar um pouco de óleo nelas?

Ela pega dois vestidos e me pergunta:

- Você gosta do vestido branco ou amarelo?

Não consigo me lembrar deles, mas, me lembro de nós dois dançando. Ela estava linda em seu vestido.

- Pai, pai – é meu filho puxando minha blusa.

- Não vamos no parque?

Sento na cama vazia e me pergunto que idade ele tem?

Seu rosto tem 7 anos, não, tem 9 anos, não. Sei lá, não lembro. Só lembro o riso dos três, quando ele desembesta com a bicicleta no parque.

- Pedro, já te  falei, devagar!                                                                 

 No parque não foi o que eu disse ao meu filho, pelo contrário:

- Corre mais!

- Bem, manda ele ir devagar! - exclama minha mulher.

No silêncio do quarto, de repente me espanto, pois, não lembro claramente seu tom de voz na ocasião.

Abro a janela e uma faixa de sol, polvilhada de partículas de pó, adentra ao ambiente,

- Veja que lindo o reflexo do sol na penteadeira! – diz minha mulher.

Ela passa a escova nos cabelos loiros ou terá sido quando estavam negros e cacheados, após a quimioterapia?

-Você ficou diferente, mas bonita.

Seu sorriso, não lembro, se foi triste ou esperançoso.

Seus turbantes e os cabelos ralos quando surgiram eram encantadores.

- Pedro, abre o portão que vou sair com o carro?

Olho pela janela, para observar, e vejo as flores da trepadeira do muro que nos separam. Estão lindas.

- Lindas, estas rosas. – diz minha mulher.

Uma dúzia, quando fizemos um ano de casados. Uma para cada mês.

Coloca num dos vasos da sala, que ficou esquecido em um dos cantos, guardando respingos de lembrança.

Sua barriga de grávida me vem à memória usando uma bata, que me parece era quadriculada.

- Mãe, eu gosto de pudim de baunilha – diz o meu filho com um sorriso esburacado, pela falta dos dentes da frente.

- Eu sei, é o teu preferido – responde.

No vizinho o garoto grita:

- Mãe, me leva.

- Não, Pedro, vou ao cabelereiro.

Ouço carros arrancarem.

- Pai, todos já se foram, vem comigo – diz o meu filho.

Fecho a janela e os quartos. Cada cômodo tem um silêncio próprio.

A alma da casa saia por todas as frestas e as lembranças correm para se esconderem nos cantos, nos móveis, nas roupas, nas fotos.

O assoalho range. Será o recordar do andar da minha mulher ou o correr do meu filho ou será minha vida, pisando suavemente, para não revolver momentos?

Pela janela do carro, recordo ela se despedindo:

- Bem volta logo.

É o que sempre dizia, quando eu saía, linda com seus vestidos coloridos.

 

aiam

 

 

 

 

 

6/30/21

Ponto de Encontro



Casal de amigos saem a passeio juntos.
Em determinado momento as mulheres dizem:

- Vamos passear pelas lojas. Que tal vocês tomarem umas cervejas e nos encontrarmos aqui, daqui duas horas?

Mais que depressa concordam, pois, aquele olhar de vitrines os estavam aborrecendo.
Foram a alguns lugares que lhes interessavam e depois tomar umas.
No horário,  estavam no local combinado.
Após aguardarem por dez minutos, mandam uma mensagem:

- Estamos esperando no local combinado, onde vocês estão?
- Já vamos.

Após uma espera de 45 minutos, nova mensagem deles.

- Cadê vocês?
- Estamos indo.

Nova espera de 20 minutos.

- Não as estamos vendo.

- Já, já chegamos.

Depois de 20 minutos, recebem mensagem das mulheres:

- Cadê vocês? Estamos há 5 minutos esperando e vocês não aparecem!
- Estamos em frente à loja de sapatos, conforme o combinado!

Eis que elas chegam.

- Estamos há cerca de 2 horas esperando vocês! - Dizem os homens aborrecidos.

-Ficamos presas na loja.

Lá se vão.

TRADUÇÃO DA CONVERSA:


Já vamos = No máximo em uma hora chegamos.
Estamos indo = No mínimo mais 20 minutos.
Já, já chegamos = Só mais 15 minutos.

NB - Que me desculpem as mulheres que não são assim.



dolambc

6/15/21

Dentista

 


Cadeira do dentista.

Querendo me transmitir ânimo, me fala do sol que adentra a sala e refulge no maldito motor, que logo, estará escavando as entranhas do meu dente.

Lá vem a seringa com sua agulha longa.

- Você só vai sentir uma picadinha.

Dito e feito, mas, que picadinha!

A seguir, um gosto amargo no fundo da garganta.

Logo um tremor percorre meu corpo.

Será o motor? Não, pois não o sinto, graças a anestesia.

Noto que é meu estomago, como que sinalizando o mal estar do momento.

Entre intervalos me fala de política, para o qual mal posso discordar ou não, por ter a boca cheia de algodões.

Que vontade de tossir.

- Fica assim, não se mexe – diz ele.

E a tosse o que faço?

A boca se enche de saliva. Penso:

- Põe logo essa droga do sugador!

A vontade de tossir não se foi.

- Agora mais do que nunca fica quieto, pois, já esterilizei tudo.

Não aguento, tusso.

Vejo sua cara de contrariedade.

- Vou ter que esterilizar novamente a região.

Mais um tempo de angustia.

- Pronto. Pode ficar à vontade.

Desço da cadeira como se descesse de um cadafalso.


Aoiam

5/05/21

Doces Momentos

 


A alegria é feita de pequenos momentos. Nós é que não nos damos conta. Relembre no baú das lembranças e verá que há inúmeros deles.

Você andava descalça a beira mar.
Suspendia o vestido a cada chegada da água.
O sol do final de tarde dourava ainda mais o seus cabelos.
Nas faces o rosado do dia e o afogueado das pequenas corridas, envolvidas de risos.
Sua mão se estendendo, como pedindo apoio ao balanço das ondas.
Lembrança da alegria estampada na face e do amor refletindo nos olhos.
Doce momento.


Amigos, filhos e parentes reunidos em confraternização. Os risos correm, o brilho dos olhos se acentuam, os sorrisos se tornam mais largos, os abraços e toques se multiplicam.
A alegria contagia o ambiente e por momentos, o mundo é a satisfação de estar juntos.
Doce momento



Seu corpo junto ao meu, os rostos colados no doce voltear da dança.
A mão, sentindo a suavidade das suas costas.
A sensualidade do momento movida pelo bem querer.
Mão entrelaçadas, beijos no embalo da música e o leve sorriso ao final da dança.
O teu andar em suave balanço a caminho da mesa, onde um envolver de braços,  misturam novos beijos e palavras.
Doce momento.



iiam

4/27/21

O Santo

 

"Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz."

                                                           São Francisco de Assis


O santo se despiu das roupas e do dinheiro.

- Vou servir a outro senhor. Me basta a túnica, a sandália e o cajado. Não quero um abrigo, tenho as estrelas como manta, a noite e o sol como teto.

Tenho a companhia dos pássaros entoando cantigas e dos animais se entrelaçando nas pernas e me mostrando o bom caminho.

Os animais são nossos irmãos, às vezes, mais próximos de nós que as pessoas.

Agradeço a acolhida, mas na fonte tenho frescor da água e me satisfaço com os frutos das arvores. 

Além dos pássaros e dos animais, tenho meu Pai, me dando bom dia ao alvorecer e bom descanso ao final do dia.

Caminho meu caminhar, na busca da paz pois, tenho que tê-la dentro de mim para poder ser seu instrumento.

As pessoas anseiam esperança e amor. Buscam palavras de sabedoria para o seu viver, pois, quando elas estão presentes, não há temor nem ignorância.

Tenho que ser o portador dessas mensagens.

Basta um raio de sol para afastar várias sombras. Que eu seja esse raio, ou não podendo, pelo menos uma penumbra.

Faço o necessário, depois o possível, para com Sua graça chegar ao impossível. 

Ele nos deu os pés, para que haja caminhada, as mãos para o trabalho, a cabeça para pensar e nos premiou com o coração para amarmos, não  para a aceitação do ódio.

Quando tenho dúvidas e me canso, Ele se senta ao meu lado e me pergunta:

- O que te atormenta?

Fecho meus olhos, alargo o ouvido e ao final só posso dizer:

- Paizão valeu.

Nunca me restam dúvidas. Ele sabe de tudo.




aeram

4/22/21

A Fragilidade da Vida

 


O doce revoar de um pássaro em torno de uma pétala.

Sol e a sombra de partículas.

Vento e o leve flutuar de uma pena.

Isto é a vida.

Pequenos e volúveis instantes.

No piscar de um momento, ela se modifica milimétrica ou em amplas passadas.

Somos joguetes do que pensamos dominar, mas que pode se descompassar repentinamente, como cartas de baralho.

E a mão da batida se vai.



hram

4/13/21

Palavras com Vida

 



O que escrever?

Às vezes, nada vem à mente que se aproveite. Começo a pôr palavras no papel tentando que me mostrem um caminho. Mas, as bandidas não querem ajudar. Estão me deixando na mão.

Não querem estruturar uma sequência que valha a pena. Tenho vontade de trucida-las, mas, tenho receio que se voltem contra mim e passem a relatar fatos que não quero expor.

As palavras são perigosas, tem vida própria. 

Peço:

- Vamos falar de alguém, me poupem!

Mas, não me ouvem. Causam-me temor. Estão com vida própria.

Creio, que terei que parar e guardar a folha na gaveta, para que não possam correr para o papel.

Traidoras! Deveriam estar do meu lado. Continuando assim, vou me suprir de um dicionário e a cada uma delas, vou buscar uma desconhecida, de preferência em desuso.

Elas que se cuidem.



maram

4/07/21

Aventuras de Criança


 


Era um quintal enorme. Havia abacateiro, pereiras, pé de café, amoreira. O terreno era em declive.

Em determinados momentos, fazia desse espaço uma pista de bicicross. Uma pedra no caminho se tornava numa rampa a ser subida, em outros, em uma plataforma de salto.

Havia ocasiões, em que a pista debaixo da sombra da amoreira, era por onde corria minha linha de trem, já inúmeras vezes montada e desmontada, pois, a cada formato, passava por lugares distintos: um deserto, no meio da mata, entre índios como um filme de bang-bang.

As árvores, deixavam de ser o que eram.  Algumas se transformavam em gáveas de um navio pirata, outras, faziam parte da selva, onde Tarzan batalhava com os gorilas e salvava a Jane.

Uma forquilha era ótima para colocar meu pacote de gibis, sentar em cima, lê-los ou relê-los, observando o mundo a minha volta. A vista chegava ao infinito, para meus olhos, apesar dos telhados e casas no caminho.

Cada dia, naquele espaço, era uma nova aventura. Quando havia muitas folhas pelo chão, arrastava os pés em seu meio, pois, como desbravador tinha que tomar cuidado com as cobras, do meu imaginário.

Ou seja, a cada novo olhar, a cada estado de espírito, aquele terreno se transformava. A cada sol, a cada nuvem, a cada chuva encontrava situações que me desafiavam. Era uma batalha constante.

Quando minha mãe me chamava para o almoço, todos aqueles heróis desapareciam. Notava isso, pelo olhar dela de reprimenda à minha sujeira ou aos novos arranhões e feridas adquiridos nas aventuras.



eram


3/29/21

Distânciamento

 



Angustia de um passado feito de lembranças interrompidas.

Separações forçadas por temor, por mais próximas que sejam.

Amigos que se vão ou se distanciam no presente.

Pedaços da vida, descartados, como momentos que se esfarelaram carcomidos pelo pouco uso.

O que será da vida sem o riso do conviver? 

Pisar e repisar a massa do ocorrido sem remodelá-la.

O que será dos abraços guardados nos escaninhos da vida?

E a alegria do se encontrar?

Olhar nos olhos com o sorriso dos lábios encobertos.

No amanhã amaremos sem ressalvas?

Nos tocaremos sem temor ou teremos que apresentar atestado de sanidade?



ahdam

3/24/21

Só Mais Uma Dose

.

                       


                                             “Qualquer beijo de novela me faz chorar”

                                               Flor da Pele – Zeca Baleiro

  1. A BEBIDA
  2. LEMBRANÇAS
  3. O DESMORONAR
  4. SEPARAÇÃO
  5. O TEMPO
  6. DIA A DIA
  7. SÓ MAIS UMA DOSE
  8. ANA LÚCIA E NELSON
  9. ENCONTRO
  10. REENCONTRO
  11. DESPEDIDA
  12. O ADEUS
  13. MAIS UMA DOSE, SÓ MAIS UMA DOSE


1 - A BEBIDA

 Nelson, tinha a sensação que seus sentimentos, como o gelo, se derretiam junto ao whisky, diluindo-se ao malte para serem facilmente digeridos.

Tinha que parar. A ansiedade de sentir a bebida na boca e penetrar pela garganta para depois amortecer as angustias era insuportável. Sabia que seu ponto de parada seria quando perdesse o sentido da realidade e só permanecesse a sensação do nada.

Tornava-se um trapo. Quantas vezes lhe colocaram num taxi e o mandaram para casa.
Só mais uma dose.  Era o que dominava sua mente, seu corpo, seus desejos.

Seus dedos apertavam o copo na grande indecisão de beber mais uma dose. Seu rosto era reflexo da batalha que ocorria dentro de si. A consciência lhe dizendo não, contra o vício dizendo sim.  Parecia a batalha do bem contra o mal, sendo que o mal sempre vencia.

 2 - LEMBRANÇAS

Num impulso, deixou a bebida na mesa e saiu atropeladamente do bar, esbarrando nas pessoas, para que não fosse retido pelo desejo de entornar o copo.

O ar fresco da rua lhe trouxe de volta à vida com suas lembranças.

Recordou a alegria do encontro da mulher amada, os primeiros momentos, os namoros, as saídas.

O especial momento em que a relação de sentimentos se fundiu com a entrega dos corpos.
Prazeres envoltos de amor. Viveram paixões. Dois anos de intenso querer, junto a Ana Lúcia.
Esses pensamentos, eram de um passado recente de alegrias que o ajudavam a se manter vivo.
O encanto de ter Ana Lúcia entre os braços, os sorrisos, o sussurrar em seu ouvido. A alegria dos segredos, das intimidades e prazeres divididos.
Cada momento juntos valia pela alegria e paz que proporcionava. Eram boas lembranças.
Os dois estavam no apogeu do seus 30 e poucos anos e no ápice do crescimento profissional.
Ana Lúcia, era gerente de relações públicas em uma multinacional e Nelson, administrativo de uma empresa familiar, em franca expansão.
Fruto do grande amor que sentiam, prepararam com empolgação um apartamento para início de vida, com espaço para os que poderiam vir.

Dividiam dia a dia os prazeres e as realizações.  Os ocorridos no serviço, as experiências, as comidas feitas à dois, os aperitivos de relaxamento, os beijos, abraços, carinhos, o amor quente, gostoso, cheio de gozos.

Haviam jantares e almoços com amigos. Nas visitas, o desejo de filhos ao observar a alegria dos outros com os seus. Cinemas, teatros, mesas de bar, tudo eram motivos para saírem, sós ou com os amigos.

Foi um início de vida a dois, maravilhoso, era o viver de sonhos.

 3 - O DESMORONAR

 Mas, a vida com sua de realidade foi se aproximando. O lado profissional, de cada um, começo a cobrá-los cada vez mais e lentamente a distanciá-los.

Não perceberam que estavam caindo na armadilha das realizações profissionais em troca do principal elo que os uniam, o amor.
O trabalho exigia de Ana Lúcia constantes almoços, jantares, confraternizações e festas.
Enquanto, Nelson, vivia os inesperados do dia a dia que o detinham além do horário.
Na semana, se encontravam em horários tardios, sempre cansados, mal dividindo os acontecidos do dia e quando sobrava ânimo e tesão faziam um sexo, muitas vezes formal.
Finais de semana, quando não trabalhando, estavam com amigos, na maioria das vezes colegas de trabalho o que levava os encontros a se parecerem mais com reuniões de confraternização empresarial que curtição.
Ela se amargurava com os constantes assédio das secretarias e assistentes que giravam em torno dele. Ele as atraia como luz que atrai insetos à sua volta. Era simpático, alegre e bem apessoado. Algumas se apaixonavam por ele.

- Pô Nelson, você não nota que as lambisgoias da Soraya e da Carmen não param de dar em cima de você. Inclusive na minha frente. Você não faz nada só deixa acontecer.

Ele retrucava uma resposta qualquer.
Ana Lúcia por sua vez, tinha uma profissão que a obrigava a uma agenda glamorosa. Entre os profissionais com que tinha que conviver, alguns pela sua beleza, simpatia e inteligência queriam dela algo mais que um simples quinhão profissional, queriam leva-la para a cama.

Nelson também reagia, via excessos de atenção com duplo sentido de alguns. Eram motivos para discussões

A questão, é que os dois gostavam dessas atenções em torno de si, apesar de saberem o quanto isto incomodava o parceiro.

 Sem perceberem, estavam sendo levados por esse turbilhão de egos, que somados a sobrecarga de trabalho, cada vez mais os distanciavam.
O esfriar de relacionamento começou a mexer com seus sentimentos.
O amor principiava a tropeçar a cada tentativa de entendimento. As palavras começavam a não se ajustar ao que sentiam e desejavam expressar.

Vaidades, egos e intrigas aumentavam as barreiras ao entendimento.

Intrigas, sim, pois, sempre há os que se alimentam da tristeza dos outros.
Acabou, afinal, se dando o rompimento. Nelson saiu de casa.

 4 - SEPARAÇÃO

Nelson, para afogar a dor que sentia, partiu para algumas tentativas de relacionamento, que não passavam de simples momentos de sexo.

Quando havia, ao final, rapidamente queria se vestir e ir embora ou que a companhia logo se fosse, para depois remoer a angustia que sentia. Não era com quem queria estar. Era um grande vazio, uma imensa falta dela, falta de amor.
Tão logo souberam que Ana Lúcia havia se separado surgiram os confidentes, os conselheiros, entre os amigos e as amigas. Desses, poucos eram realmente amigos.

Ela também saiu em busca de um novo amor. Alguns deles não passavam de simples saídas, um ou outro de um sexo sem sentido. Gostava de estar com os amigos, mas a mão que segurava, o abraço que lhe acolhia não tinha o aconchego que desejava. As palavras sussurradas aos seus ouvidos não atingiam seu coração.
Sentia falta dele. Do carinho ao acordar, do estar juntos, do rir das bobeiras, dos encontros e desencontros que terminavam em amor.
Nelson, começou a procurar na bebida o amor que não encontrava em outros braços. Buscava no torpor da bebedeira a anestesia para o vazio que sentia. Foi-se perdendo no álcool. Trabalhava duro durante o dia e a noite era como uma mariposa perdida nas luzes dos bares.

5 - O TEMPO

 Passou um tempo sem se verem. Evitavam os lugares que normalmente circulavam. Sabia um do outro pelos conhecidos.

As informações que recebiam, em vez de animá-los a se aproximarem, exerciam o efeito inverso. Contavam onde estavam, com quem estavam e o quanto estavam bem.
Quando, por acaso, se encontravam em um evento, cumprimentavam-se formalmente.

Ela notava como ele a observava, sempre que podia.

A simpatia no falar, a atração que exercia sobre as pessoas a sua volta continuava a mesma, mas, Ana Lúcia o achou triste com um ar amargurado. Seus olhares de vez em quando se cruzavam e um lampejo diferente surgia, mas, não era suficiente para romper a barreira que havia entre eles.

Nelson sofria ao vê-la linda, sorridente, feliz e sempre cercada de pessoas que se encantavam com ela, como pessoa e profissional, fora os que queriam se aproveitar.

Tratavam de não ir a locais em que sabiam que o outro poderia estar, pois, não queriam, ao se verem, trazer à tona os sentimentos reprimidos em seus corações.

 6 - DIA A DIA

 Ana Lúcia, não conseguia tirá-lo da cabeça. A todo momento era sua imagem que vinha a mente. As lembranças da vida a dois que tiveram tocavam todo o seu ser. Será que ainda o amava ou eram as recordações dos bons momentos que a atormentava?

Os amigos, quando a viam triste, diziam que devia seguir em frente. Ainda encontraria um novo e grande amor. Não devia retornar a um passado que tanto lhe magoou. Realmente era amor que ela precisava encontrar.

Nelson, por sua parte, sentia uma necessidade imensa de poder abraça-la, dizer o quanto a amava. Enebriar-se com seu sorriso, a doçura do olhar, do falar.

Em uma das ocasiões, que estavam no mesmo evento, quando do segundo copo, sentiu que poderia entrar em um caminho que o levaria a se envergonhar perante Ana Lúcia. Não conseguia resistir a bebida com todos aqueles sentimentos a flor da pele. Apesar de acompanhado, saiu repentinamente, para surpresa de sua acompanhante, deixando-a só na festa.

Foi direto para um bar. Tomou um whisky, pediu o segundo e após o terceiro foi ao banheiro. Quando se olhou no espelho, não se reconheceu, envergonhando-se da figura e imaginando como reagiria Ana Lúcia vendo-o daquele jeito.

 7SÓ MAIS UMA DOSE

 Desesperado sentou-se ao balcão e pediu mais uma dose.

Com o copo a sua frente, parou e pensou: tenho que parar. Só mais uma dose para apagar a dor que o comia por dentro e atender o anseio de entornar o copo, adormecer a mente e que se danasse o mundo.

Resistiu. Saiu do bar meio cambaleante e se perguntando:

- Será que ainda me ama?

Precisava voltar a encontra-la, mas antes teria que combater o vício que o dominava. Não era aquele trapo de homem por quem um dia ela se apaixonara.

Procurou um grupo de apoio envergonhado, pois, imaginava que só encontraria bebuns caídos na vida, para quem nada mais restava que a sarjeta. Sua surpresa, ao encontrar pessoas que tinham ou tiveram uma vida parecida a sua, mas que estavam perdidas no vício. Eram pessoas das mais diversas classes e idades. Claro havia os bebuns, mas ele também o era.

Encontrou um grupo e palavras que lhe deram arrimo e principiaram o ajudaram a sair do vício.

 8ANA LÚCIA E NELSON

 Ana Lúcia por sua parte, levava uma vida mais agitada do que já fora, pois, lançar-se no trabalho era um escape ao turbilhão de sentimentos que a martirizavam.

Tornara-se uma profissional renomada, dedicando integralmente seu tempo ao trabalho, relegando sua vida particular a segundo plano. Por mais que seus pais e irmãos e sobrinhos lhe trouxessem alegrias, sentia falta da sua própria família. Tinha pouco tempo para se dedicar a eles.

Sentia-se realizada profissionalmente. Tinha as suas aventuras de vez em quando. Dedicava o tempo que considerava conveniente aos amigos, não estando presa a relacionamentos pessoais formais. Era uma mulher livre.

Apesar disso tudo, Nelson não lhe saia do pensamento. Sentia falta do amor.

Entretanto, tratava de afastar esses pensamentos, pois, temia reviver a dor e a tristeza por que passou quando da separação. Hoje, ela não sabia que homem ele era e se ainda a amava.

 Nelson queria tê-la novamente, mas temia a rejeição, pois trazia, dentro de si, o fracasso de ser um alcoólatra e o medo de uma recaída.

Tinha receio, de ao voltarem, se perderem no torvelinho que no passado abafou seus amores e os levarem as discórdias, discussões, sofrimentos e gerar nova separação.

Era melhor viver com aquele amor acalentado no coração, sempre na esperança de um amanhã, do que a certeza de perde-lo em definitivo?

  9 - ENCONTRO

 Ao final, acabaram se encontrando no casamento de amigos.

Ela era uma das madrinhas, portanto, estava mais esplendorosa do que o normal.

Após a cerimônia houve a recepção. Nenhum deles estava acompanhado, porém, alguns amigos do passado, que sabiam do estranhamento entre eles, tratavam de blinda-los para que não estivessem juntos.

Nelson, encantando com a beleza de Ana Lúcia, como madrinha, não resistiu e se aproximou.

Para escapar do cerco dos amigos a convidou para dançar.

- Você está linda, ou seja, você já é linda, está mais linda ainda.

Ela riu. Comentou que ele também estava elegante e que em relação à última vez que o viu estava melhor, mais bonito.

- Está de amor novo? – perguntou Ana Lúcia.

- Não. Só do velho. Daquele que vive no fundo do coração e que deixa marcas profundas de saudade.

Sem jeito, ela tratou de mudar de assunto levando-a para o campo da superficialidade.

De uma música mais agitada passaram a uma mais lenta, que possibilitou aninha-la em seus braços e sentir seu rosto sobre seu ombro.

Curtiram em silêncio a dança e as emoções que traspassava pelos seus corpos.

Ao término a convidou para uma bebida e foram a uma mesa ao fundo. As duas taças de champanhe serviram de cenário para conversarem, como há muito tempo não o faziam. Houve um reviver de lembranças. Ela não reparou, mas, a taça dele permaneceu na mesa.

Vieram tira-la para dançar. Os amigos queriam interromper a possível saia justa, por que estava passando.

Enganaram-se, pois, ao término das danças, retornava à mesa onde ele estava. Num deles, trouxe dois coquetéis o qual, ele agradeceu. Ela lembrou que alguém havia dito que ele não mais bebia. Tocou de leve no assunto.

- Não gostou do aperitivo que lhe trouxe?

- Eu tenho evitado beber, não anda me fazendo bem.

A intensidade de seus olhares demonstrava grande querer. As palavras que saiam da boca não condiziam com o que ia no coração.

Lembraram os momentos alegres, de amor, de vida em comum.

Não resistindo Nelson a beijou. Ela respondeu. Suas bocas, em uma se transformaram e todas as palavras e desejos transbordaram em beijos. Leves, mordiscados, molhados, profundos.

- Vamos sair daqui, propôs Nelson?

- Sim. Vamos para minha casa.

 10 - REENCONTRO

 Formaram uma trilha de desejos deixando pelo caminho, dentro da casa, as roupas, pois, tinham ânsia de se verem, se tocarem.

Os lábios de Nelson sorviam com delicadeza seus seios, corriam por seu corpo, mordiscava seu púbis, enquanto Ana Lucia acariciava seus cabelos e passava suas mãos por seu corpo, pelo seu membro, numa ânsia de reencontrar os velhos caminhos.

Não houveram muitos preâmbulos para o sexo, mais que amoroso, foi animal, intenso. Tinham uma grande lacuna de desejos a cobrir.

Após, o sexo, deitados lado a lado, sorrindo, passaram a explorar seus rostos. Sentiram suavidades e aromas há muito esquecidos. Os recantos das orelhas onde palavras e línguas foram depositadas, o roçar dos lábios, a língua entre dedos, o mordiscar suave de tesão.

Ele não cansava de dizer que a amava. Ela o chamava de meu amor.

As bocas, constantemente, se calavam em beijos molhados em que as línguas se envolviam de desejos e saliva.

Com calma correu seus lábios pelo corpo de Ana Lucia, sabendo os pontos que mais a agradavam e ele se excitava com os gemidos de prazer.

Ela brincou com seus pelos, acarinhou e beijou seu membro que se mostrava pronto. Seu sexo úmido aguardava o leve toque dos seus dedos. Se possuíram com calma, sentindo a leveza de cada penetração, olhando-se nos olhos, onde lágrimas surgiam, e beijando sorrisos que a todo momento afloravam.

Sentiram o prazer de um gozo intenso e se fundiram como um só.

Acabaram dormindo, pela exaustão do prazer.

 11 - DESPEDIDA

 No dia seguinte a encontrou na cozinha, com uma simples camiseta, linda e sexy.

- Estou fazendo algo par nós.

Abraçando-a ajudou, como no passado, a fazer comidinhas que os dois gostavam. Frutas fatiadas, pães aquecidos, omelete, café, suco.  Era o retorno dos prazeres do passado.

Riram, falaram bobeiras graciosas e românticas, tocaram-se, beijaram-se.

Ao final seguiram para um banho como se fossem um novelo de braços e beijos.

Debaixo do chuveiro, com a água escorrendo saborearam partes de seus corpos e sexo. Ela o amou com uma ânsia, como se fosse a última, enquanto ele corria suas mãos sentido a maciez da pele, seus contornos e reentrâncias.

Vestiram-se, com ele admirando e manifestando seu agrado às peças que provava.

Ao final, ela lhe pegou pela mão e o levou até a sala onde o fez sentar para conversarem.

-Nelson, é claro que nos amamos, mas, nossa trablho não mudou e de minha parte não tenciono abrir mão de minhas realizações e de minha liberdade. Tenho grande receio, que ao voltarmos, acabemos depois de um tempo caindo nas mesmas armadilhas. Não quero voltar a sofrer.

A Empresa está me transferindo para o Rio de Janeiro, onde espera que eu incremente as atividades e eu não quero perder essa oportunidade.

-Quer dizer que este encontro não foi para revivermos nosso amor, mas, sim para nos despedirmos? – perguntou Nelson.

- Sim, para demonstrar que eu te amo, mas não vejo como possamos viver juntos.

- E nossos sonhos de uma casa, filhos, família, onde ficam? Nosso amor?

- Para que se realizem, terei de abrir mão de tudo que batalhei.

- Ana Lúcia, podemos ambos abrir mão parte de nossos tempos, como tantos casais fazem, e juntos termos uma família.

- Este não é o momento para mim, sinto muito.

 12 - O ADEUS

 Nelson, antes que ela fosse para o Rio, ligou algumas vezes, mas ela foi fria no contanto e não quis se encontrar. Depois, de cerca de dois meses, se mudou para o Rio.

Ele ligava querendo lhe visitar. Chegou a aparecer inesperadamente. O recebeu secamente na porta do prédio, pois tinha que ir a Cabo Frio para um evento da Empresa.

Nelson retornou para São Paulo, despedaçado. Decidiu que não mais a procuraria.

Voltou a buscar em outros braços o amor que desejava, mas não encontrava.

Precisou de muita força de vontade e o apoio de amigos, para não cair no alcoolismo. A cada noite de solidão, a bebida rondava seus pensamentos para poder esquecer o amor que faltava.

Sua luta contra o vício e a falta de encontrar um novo amor, levou a querer se mudar de cidade, buscar novos ares e esquecer tudo que aquela cidade lembrava.  Havia lembranças dela em cada canto e recanto.  Pediu que o transferissem para o escritório que estava sendo aberto em Miami.

Tudo acertado, resolveu uma nova tentativa de contato com Ana Lúcia. Falaram-se ao telefone.

- Continuo te amando. Você foi, e é, o grande amor da minha vida. Vou me mudar para Miami para esquecer de nós. Sei que você me ama, vem comigo. Tua Empresa tem filial por lá. Podemos começar uma nova vida.

Ela ouviu tudo, com lágrimas nos olhos, sentindo uma grande pontada no coração. Apesar de não ter querido voltar com ele, sempre o teve na lembrança e sempre esteve entre seus sonhos um dia retornarem. Mudar suas vidas e formarem a família que tanto desejavam. Faltou-lhe força, deixava que o dia a dia a envolvesse suprindo suas carências afetivas e sonhos.

Ele não a podia ver por telefone, mas ela chorando, respondeu:

- Não posso. Boa viagem e sucesso.

13 -  MAIS UMA DOSE, SÓ MAIS UMA DOSE

 Sentado no bar a espera do embarque, não resistiu e pediu uma dose de whisky. A dor e o vazio eram intensos. Seguia para Miami sabendo que deixaria para trás o que mais desejava na vida. Quando voltaria a ver Ana Lúcia? Quando se encontrassem, seriam os mesmos?

- Mais uma dose.

Embarcaram. O avião fez uma parada para abastecimento e embarque de passageiros no Rio de Janeiro. Pela janela observava a beleza da cidade e sabia que no meio dela estava um pedaço de sua vida. Gostaria de descer ali.

- Senhores passageiros, como nesta parada faremos o abastecimento da aeronave, demoraremos um pouco a mais e por isso serviremos aperitivos e snacks.

Aproveitou e pediu um whisky duplo. Sabia que não devia, mas seria só mais uma dose.

Segurando o copo nas mãos e brigando com seu desejo da bebida contra a consciência de que não deveria beber e olhando fixamente o pouco que via do Rio pela janela pensava, enquanto, os passageiros embarcavam:

- Mais uma dose. Também pouco importa. Meu sonho morre aqui.

Imerso em seus pensamentos mal deu atenção aos passageiros que embarcavam.

- Passageiros afivelem seus cintos para o procedimento de decolagem.

- Adeus Brasil, adeus Rio de Janeiro, adeus Ana Lúcia, adeus meu amor – pensou olhando pela janela e preparando-se para digerir as frustações com a bebida.

Sentiu uma mão apertar a sua. Sem ter percebido, ao seu lado, estava sentada Ana Lúcia.

Admirado, reagiu:

-Você aqui?

- Quando você me disse da viagem fiquei desesperada. Sei que as nossas vaidades abafaram o nosso amor.  Não quero nos perder e sim ter uma vida juntos.

Deca, teu amigo, que sempre torceu por nós, me deu todos os detalhes da viagem, prometendo manter segredo e torcendo por nós. Ajudou na reserva e na marcação da poltrona. 

Resolvi pedir transferência para Miami. Quero uma nova vida contigo.

Tem espaço onde você vai morar?

 Emocionados, começaram uma cena de novela, se abraçando e beijando.

 

- Comissária, por favor, troque meu whisky por um suco de laranja.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


3/17/21

Deusa de Ébano

 



A sensualidade da raça é um dom” – Música” Meu Ébano” - Alcione

 

Saiu do banho, com sua negritude contrastando com a toalha branca enrolada no cabelo e no corpo.
O negro dos seus mamilos destaca-se, assim como, o torvelinho do púbis.

Seu corpo excita meus olhos e meus desejos.
O sorriso se abre amplo como o sol, que adentra pela janela.
Coloca um vestido amarelo que orna com a tonalidade da pele, preso ao pescoço, com suas costas livres, como colinas de um campo por mim inúmeras vezes trilhado.
Tira a toalha e arruma o cabelo em uma coroa afro.
Um batom rosa, leve maquiagem no rosto. Um brinco em argola fazendo par ao vestido. Uma sandália fazendo conjunto.

Minha Deusa de Ébano. Ela é toda sabor de pecado.

Vamos ao samba onde é uma das rainhas, admirada por sua beleza, alegria e uma constante simpatia.
Tem a dança no corpo, pois mal para, sempre com a letra das músicas nos lábios.
O seu sambar é a exaltação a beleza da mulher brasileira. Tem no requebrar das cadeiras a malemolência das nossas mulheres com sua faceirice e sensualidade.
Faz da roda de samba seu palco.
Reina com sua graciosidade e como abelha rainha atraia a todos em volta de si.
Sem ela, dizem, o samba perde parte da beleza.
São tardes maravilhosas. Cerveja, aperitivos, petiscos, abraços suados e beijos.
A roda de conversa com os amigos, a criançada chamando-a para as brincadeiras, onde ela se torna uma moleca.
Por sua graça, somos presença obrigatória nas festas. Dizem que ela é o tempero.
Ao final do dia, o melhor é a volta para casa.

A Deusa despe-se de sua majestade e após um banho, semi úmida, deita lânguida ao meu lado.
Hora de saborear os momentos do dia com comentários e risos, misturados de beijos e sabores do corpo.
Essa Deusa me toma como criança em seu colo e com os ardis do amor me transforma em homem. Nesse momento somos somente seu nego e minha nega, negritudes fundidas em uma só cor, enquanto lá fora, as estrelas e a lua agasalham nossa noite.



medam

3/12/21

Lembrança

 




Em uma aula de escrita, pediu-se que os alunos escrevessem em 10 minutos lembranças de sua infância. Um retrato, um brinquedo, uma cor, um local, uma pessoa, um fato. A lembrança que fosse mais presente e se possível primeira, da sua infância.

Alguém escreveu a seguinte:

 

“Éramos imigrantes espanhóis e nossa primeira morada aqui no Brasil foi em um cortiço. Lembro de um colchão no chão. Cobertores largados. Malas ao canto. Roupas sobre a cama.

Era um pequeno quarto sem janela, com uma porta para o corredor.

Pessoas passavam curiosas olhando para dentro.

Parecíamos estar em exposição, como animais.

Minha mãe me deixava com uma senhora negra, que vivia em um barraco ao lado de onde estávamos, enquanto saía em busca de roupa para lavar.

A vizinha não me entendia e eu a ela. Havia uma diferença de línguas nos separando.

Lembro-me dos gestos, dos desencontros e dos risos.

Ela demonstrava carinho comigo.

Para comer fritou em uma frigideira velha, enegrecida por ser usada em fogão a lenha, um feijão velho, que comi com satisfação. Até hoje, ele não me sai da memória. Sempre que lembro o seu sabor me vem a boca.

Este foi o primeiro sabor da minha vida.”

 

As lembranças sempre são melhores que a realidade. Provavelmente, esse feijão hoje não tenha o sabor daquele. É como o quintal de um parente distante, com sua árvore. Eram enormes na nossa lembrança. Hoje, quando os olhamos vemos que não possuem a dimensão que imaginávamos.

Pergunto aos que me estão lendo, qual a sua lembrança da infância? Nos diga. Divida conosco as imagens que estão dentro de você, que ficaram daquela época.

Escreva no blog, no face, no whatsapp. Partilhe essa memória.



madam


 


3/07/21

O Furto


 


- Geralda você viu meu pingente, aquele que tem uma chapinha de ouro com uma pedra verde incrustada?

- Não Dona Amélia. Deve estar na sua caixa de joias. Lá eu nunca mexo.
- Não está já procurei e não acho. Desapareceu.
Geralda ajudou a procurar por todos os cantos do quarto, pelo chão, gavetas, entre almofadas de sofás, entre colchão. Por todos os cômodos da casa. Nos bolsos das roupas, bolsas, no carro. Por todo e qualquer lugar que fosse possível.
- A última vez que usei foi ontem, quando fui à tarde, tomar um café com Alzira, minha amiga de infância do Paraná, que estava de passagem por São Paulo.
- Dona Amélia a senhora pode ter perdido no lugar que esteve com ela.
- Não. Eu tenho certeza que voltei com ele. Inclusive já liguei para lá.
Amélia muito nervosa, acusou:
- Só pode ter acontecido uma coisa, você pegou!
- Pelo amor de Deus! A senhora me conhece. Trabalho há muito tempo para a família!
Quando Amélia casou, sua sogra propôs que Geralda, que lhe atendia há algum tempo, fosse trabalhar para eles.  Como ela iria se mudar para o interior Geralda precisaria de um novo emprego.
Ela era ótima no trato da casa, com a roupa e a comida. Fazia pratos que Paulo adorava.
Foi uma mão na roda. Geralda ficou feliz. Gostava muito do senhor Paulo.
Sua sogra ligava periodicamente e conversava com Geralda, pois lhe tinha estima e é claro saber do filho.
Apesar de trabalhar bem, Amélia não gostava dela. Acreditava que passava informações para a sogra de sua vida. Fato que nunca foi comprovado. Tinha fortes implicações com ela.
- Paulo a Geralda nos roubou!
- Como ??!!
- O pingente que você me deu, em meu último aniversário, desapareceu.
Explicou ter usado por última vez quando foi encontrar com sua amiga Alzira.
- Lembro você ter contado que passaram uma tarde maravilhosa, relembrando os fatos da infância e juventude.
- Já reviramos tudo. Vá a polícia e a denuncie para que procurem em sua casa.
- Amélia, ela é de confiança. Está com nossa família faz tempo. Vou conversar com ela.
Geralda chorosa disse a ele que não faria uma coisa dessa. Era honesta. Gostava do trabalho, tinha uma vida certinha. Não precisava fazer isso.
- Paulo é um absurdo você não denunciar essa mulher. Não quero que trabalhe mais para nós.
Tanto fez, que Paulo teve que manda-la embora. Com dor no coração, pagou o que devia e a mais, por acreditar ser uma injustiça o que estava fazendo.
Não havia como continuar com a enorme pressão que a mulher fazia. Foi substituída.
Dois dias após o ocorrido, foram convidados por Luís e Célia, seus grandes amigos para um jantar. Os maridos eram amigos desde a faculdade. Elas amicíssimas, confidentes. Almoços, jantares, finais de semanas, viagens, os filhos amigos em comum. Eram inseparáveis. Foi com ela que Amélia chorou o roubo da sua joia.
- Amélia e Paulo, fiz este jantar para amenizar o fato desagradável que ocorreu com o pingente roubado.
Espero, suavizar um pouco a frustração do que houve. Quem diria que a Geralda pudesse fazer o que fez.
- Quem diria?  - Confirmou Amélia.
Ao final do jantar. Célia deu a Amélia uma pequena caixa de presente lindamente embrulhada.
- Para compensar tua perda.
Qual a surpresa de todos, inclusive de Luís, com o presente de sua esposa para amiga, que ao abrir encontrou um pingente igual ao furtado.
- Célia você mandou fazer uma igual para mim?
Abraçou e beijou efusivamente a amiga, entre os risos de satisfação dos maridos.
- Amélia foi uma tristeza saber da tua perda, justo no dia em que você encontrou com Alzira, tua amiga de infância do Paraná. Aliás, nesse dia gostaria de ter ido contigo, mas o Luís teve que visitar clientes em Campinas e fiquei sem carro. Foi uma pena.
- Sim, foi mesmo. Gostaria que a conhecesse. Teria gostado dela.
Eram risos e sorrisos por todo lado.
- Como todos sabem - continuou Célia - o Luís é muito desleixado com o carro.
Todos riram e concordaram.
- Aproveitei e levei ontem para lavar. Qual a grande surpresa, quando da limpeza, encontraram teu pingente caído entre os bancos.
Olhares de surpresa e constrangimento.
- Não é uma maravilha? 



edam

2/25/21

A Jabuticaba

 



Flores se formam incrustadas em seu tronco.
O vento e a chuva muitas dispersam.
Algumas, mais forte ou teimosas permanecem.
De início um ponto negro, que como uma gota de tinta vai se ampliando em um mata-borrão.
Pássaros volteiam entre as pérolas negras e gotículas de prazer vão saboreando.
Pequenas vespas usufruem os caminhos abertos.
E o que é  uma grande desconhecida na natureza do mundo fica disponível às  nossas volúpias brasileiras.
Do negro do seu casulo, escorre o sumo doce na  boca, para recebermos a semente maturada pelo sol e pela chuva.
Junto com os pássaros e as vespas, nos regozijamos nas suas delícias, onde uma só não basta.
E melhor que o sabor do comer é o sabor das lembranças de criança.

Quando me perguntam qual o sabor da Jabuticaba, respondo: - o da infância.


aiaam




2/11/21

Vento

 


Vamos escutar o vento que corre pelos beirais.
Que balança as roupas nos varais e faz a cana se curvar em ondas de verde mar.
Vento que vem de longe, correndo entre becos, ruas e campos, trazendo liberdade no seu correr, junto com a agonia dos aprisionados.

Que despetala as flores e desnuda as árvores e aos pássaros possibilita seu voar.

Vem com o suor que refrescou e cheiroso dos perfumes que roubou pelo caminho.
Vento que esvoaça os cabelos e revolteia as saias, mostrando o que não deve.
Vamos escutar as palavras  que traz, de tristeza, envoltas em risos soltos, dos momentos felizes da vida.
Que carrega o choro da mãe no momento do filho que se vai e a alegria do retorno, do dado como perdido.
Vento que corre entre os caídos da vida e os fortes formados em pedras ou em areia.
É o mesmo que acolhe os gemidos dos amores havidos entre os coqueirais e os lamentos de dor no sexo vendido nas necessidades da vida.
Vento que revolve o pó do caminhante, transformando a estrada em um novo caminhar.
Que ondeia a água alterando o traço do ir e vir em nova rota.

Traz o distante para casa, no seu navegar, e para longe o que busca novas farturas e vida.
Vento que faz correr as nuvens transformando o sol em chuva.

Vento que cantarola quando em brisa e grita quando em fúria.
Vento que balança o berço e põe a correr o pó da lápide.
Vento molhado do mar, das montanhas ou seco do árido sertão.
Vento que ouviu palavras de esperança, promessas de amor e o choro triste da dissolução.
Vento que é muitos em um só. 

 

 

mmaam

2/10/21

Rainha do Mar

 



A rainha do mar me disse, traz teu amor pra se banhar que eu vou dar ela pra ti.
Que venha de branco com fitas azuis e traga perfume de alfazema e miçangas pra embelezar.
Traz champanhe, rosas brancas e sete moedas.
Farei dela teu amor.
Depois em lua cheia, na areia a beira mar, espero teu canto de louvação. Salve a Oxalá que te mandou este amor do fundo do mar.

Assim, foi vestida nas cores e com coroa de flores na cabeça que ganhei o coração da morena, que tem cabelos como um rio correndo pelo peito, graças a minha Orixá.
Pra ela volto a cada dia, na busca do abraço, do meu ninho.
Nela me deito e acordo com as graças de Odayá.
Já me dizia meu velho avô Yorubá, do amor que viria das graças de Iemanjá.
No dois de fevereiro, com oferendas a Iemanjá, agradeço e peço, que me proteja nos caminhos do mar e que sua mão firme me traga de volta pro meu amor, com fortuna na pesca.

Odociaba Mãe Iemanjá.

A bênção Nossa Senhora da Conceição.


Mdmmao